Enxugar as lágrimas da primeira-dama ou chorar com os desafortunados?
o palácio as brilhantes luzes foram ofuscadas por uma sombra de tristeza. A primeira-dama, que durante muito tempo quase se manteve mumificada, chocou o país ao emocionar-se diante da tragédia de uma criança estuprada pelo próprio pai.
As lágrimas que rolaram pelo rosto de Ana Dias Lourenço refletiram não só a dor de um ato grotesco, mas também a indignação de uma sociedade que não é alheia a este sofrimento. Entretanto, ao olhar para a cena, é difícil não questionar: onde estavam essas lágrimas diante de tantas outras realidades que clamam por atenção? Semanalmente deparamo-nos com os relatórios do INAC sobre o número de crianças estupradas todo o santo dia, mas a indignação parece concentrar-se em momentos isolados. Olhares ausentes diante da fome que assola lares, que, por sua vez, viram cenários de outra forma de violência: a da falta de sustento. Indiferença perante o número cada vez maior de crianças que passam o dia na rua, em frente a restaurantes, bares, ou a correr atrás de carros, de mão estendida à espera de qualquer migalha. O que dizer da dor daqueles que passam dias sem uma refeição adequada, enquanto o preço da comida sobe, em meio a promessas de que o executivo tudo está a fazer para que baixem, ao mesmo tempo em que se avisa que os preços não se baixam através de decretos? Porque não chorar perante mães que precisam de levantar cedo todos os dias, deixando os filhos ao Deus dará, para na maior parte das vezes brincarem de gato e rato com os fiscais e polícias? Haverá lágrimas perante o desemprego gritante que transforma esperanças em desespero e faz de jovens sem futuro, adultos atirados à própria sorte, diante de um sistema que, como um buraco negro, apenas suga a sua vitalidade? Sem desmerecer a comoção da nossa primeira dama que é legítima e todos nós sentimos... Mas, ao mesmo tempo, é fundamental que essas lágrimas não sejam efêmeras. Que se transformem em ações concretas para a dor crónica que milhares de outros cidadãos carregam, mas que tudo quanto recebem é um assobiar para o lado. Que seja a faísca para uma luta mais ampla, que enfrente todas as formas de violência por que os angolanos passam. Que neste tempo que lhe resta, a primeira-dama possa ir conhecer a Angola profunda e a suas mazelas para que o choro não fique apenas limitado ao conforto do palácio, mas que ecoe nas ruas, nas comunidades, nas casas de todos que, diariamente, sofrem com uma realidade cruel.
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