Especialistas questionam prisões preventivas da Procuradoria
JURISPRUDÊNCIA. Papel de prender quem esteja supostamente envolvido em actos criminosos é uma prerrogativa que cabe somente aos juízes, ao contrário do que tem ocorrido, até ao momento, no país, em que a PGR aparece a desempenhar essa tarefa. Essa é a opinião de especialistas e de uma antiga juíza do Tribunal Constitucional.
O trabalho que tem sido desenvolvido pela Procuradoria-Geral da República (PGR), até ao momento, nomeadamente no capítulo das detenções preventivas de suspeitos de actos criminosos, está fora da sua jurisdição, do ponto de vista constitucional.
A determinação, segundo entendidos na matéria, é uma prerrogativa que cabe apenas aos juízes, ou seja, aos tribunais, ao contrário do que tem estado a acontecer no país, em que a PGR assume também esse papel quando deveria ocupar-se apenas da investigação.
O assunto voltou a ser levantado recentemente pela directora do Instituto Nacional dos Estudos Judiciários (INEJ), Luzia Sebastião, para quem o “Ministério Público não tem poder para limitar direitos fundamentais”. “Tem de ser um juiz”, sublinhou a antiga veneranda juíza do Tribunal Constitucional, tendo reforçado que a função da PGR “é dirigir a instrução preparatória, ou seja, fiscalizar o trabalho da polícia”.
Ao VALOR, o advogado Carlos José Salombongo reconhece tratar-se também de uma “situação anómala”, embora se recuse a classificar o acto como sendo ou não inconstitucional. No entanto, afirma que a PGR não deveria ter essa competência, considerando que “o sistema foi montado de tal forma que os poderes que seriam do juiz estão atribuídos ao Ministério Público”. Carlos José Salombongo refere que actualmente falta, ao país, criar a figura do juiz de instrução que, no caso particular, seria a entidade a determinar, em primeira instância, as ordens de prisões.
Mas, enquanto isso não acontece, o advogado minimiza o facto de esse trabalho estar a ser feito pela PGR. “Numa situação em que não existe a figura do juiz, quem deveria actuar?”, questiona-se, respondendo, em seguida, que, caso assim não fosse, “os processos não andariam”.
Carlos José Salombongo vai mais longe e critica o posicionamento da directora do INEJ, Luzia Sebastião, por somente estar a levantar o problema agora, sendo que, segundo entende, a juíza poderia ter levantado o assunto no tempo em que trabalhou no Tribunal Constitucional. “É um paradoxo Luzia Sebastião falar hoje sobre este assunto”, referiu.
Caso o assunto tivesse de ser levado em consideração, Carlos José Salombongo considera então que, todas as vezes que os advogados apresentassem uma reclamação de prisão preventiva, o Tribunal Constitucional deveria pronunciar-se, anulando a prisão por falta de legitimidade do Ministério Público, o que não acontece. “Todos os dias acontecem prisões. As medidas de coacção previstas na Lei 25 são executadas pelo Ministério Público. Portanto, este é um assunto que ainda tem muito pano para se discutir”, alega.
Carlos José Salombongo considera, por isso, que estes tipos de assuntos só são levantados quando há interesses. “Quando um juiz tem interesse em defender alguém e soltar vai buscar a inconstitucionalidade. Quando não tem [interesse] deixa passar. A inconstitucionalidade revela-se como um acto público. Quer dizer que, perante este quadro que estamos a analisar, todos os operadores de justiça deveriam parar. Não se prende ninguém”, conclui.
O também advogado Fumwathu Guilherme analisa o problema da mesma forma. Ou seja, defende que a competência de mandar prender suspeitos preventivamente não deveria ser da PGR, “tal como acontece nos outros países do mundo”. No entanto, ressalta que a lei vigente dá esse poder à PGR. “Não se pode ser jogador e árbitro ao mesmo tempo”, refere, reforçando que o que deve ser feito, neste momento, é alterar-se a lei para que não seja o Ministério Público a desempenhar o papel de investigar e prender ao mesmo tempo.
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