Fanon, máscaras e prioridades
Duas eleições – uma realizada, outra a realizar neste fim de semana – colocam, de forma como sempre velada, a ‘raça’ no centro da propaganda. Importantes, porque se trata da Itália e do Brasil, escrutínios com evidente impacto, além das suas fronteiras. Num caso, abrangendo a União Europeia e no outro impactando na América do Sul e nos falantes de português.
A propaganda da extrema-direita italiana (ou de qualquer extrema-direita, inclusive África onde também existe sob disfarces já muito reconhecidos) tem a ‘raça’ como factor implícito e condição de cidadania. No Brasil, esse recurso, inclusive o artifício de mudar de ‘raça’, é para atrair eleitores e obter mais financiamentos, destinados legalmente a partidos que apresentem mais candidatos negros, mestiços, ameríndios e mulheres em geral.
Estes financiamentos são grandes estímulos para aumentar a representatividade de grupos historicamente desfavorecidos. Destruir o racismo – seja institucionalizado, estrutural ou marginal – é um combate a ser travado junto com a superação da ignorância, obscurantismo, pobreza e dependência económica entre países e dentro dos vários países.
Vêm de longe estas colocações. Na primeira grande vaga de descolonizações, Frantz Fanon escreveu um livro cuja repercussão ultrapassou o âmbito de seu título: ‘Pele Negra, Máscaras Brancas’. Ultrapassou, porque muitos de nós ligamos a crítica fanoniana a práticas governativas que, como vemos hoje, subalternizaram ainda mais o continente africano. Ao mesmo tempo, a racialização nunca deixou de fazer parte das forças mais opressivas nos países mais influentes, quer sejam ocidentais, orientais ou de outros paralelos e longitudes.
Ameaças de reforço ideológico do racismo e a generalização da racialização como critério de articulação, em vários segmentos sociais, levaram-nos a lançar uma pequena carta – aqui publicada - chamando a atenção para a urgência de combater ao racismo e às ‘cartadas’ que o vão compondo. Houve quem perguntasse qual era o nosso propósito. Para essas pessoas, uma proposta dessas é incompreensível. Défices de compreensão provocam também erros de gestão pública ou privada e apontam, em geral, para as insuficiências dos sistemas de ensino ou para as vontades políticas e culturais do “quanto menos ideias melhor”. Assim, as mesmas pessoas ficaram atónitas com o conceito de não racial, usado na luta contra o ‘apartheid’ e definidor da sociedade que se pretendia construir, voltando a ser usado hoje no mesmo sentido.
Recentemente, em Lisboa, uma pessoa encomendou numa editora vários livros, entre os quais o meu “E agora quem avança somos nós”. A primeira pergunta que fez foi qual era a minha ‘raça’. Na contracapa do livro, esta citação de um personagem mauritaniano para quem “raça é máscara”, frase de deixar alguns sectores novamente atónitos. É apenas ampliação e adequação ao mundo actual do título de Fanon, aviso para não deixarmos mascarar a urgência dos direitos humanos, nos quais os direitos económicos e sociais são prioridades.
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