Happy birthday, Luanda Leaks
Há um ano, acordámos com um estrangeirismo no ar. Acordámos com ‘LUANDA LEAKS’.
A palavra ‘leaks’ fez-me lembrar o Julian Assange. Na ocasião, pensei: ‘será que o fugitivo Assange se refugiou agora na embaixada de Angola em Londres’?
Mas não fui por aí. Optei por ver o significado da expressão. No meu inglês básico, verifiquei que ‘leaks’ em português queria dizer fugas, escapes, perdas e coisas semelhantes. Mas, como o inglês é uma língua traiçoeira e muito versátil, fui verificar o dicionário australiano por ser o Assange australiano. E para os australianos ‘leaks’ também pode estar relacionada com mijadas. E foi assim que despertei, traduzindo ‘Luanda Leaks’ por ‘Mijadas de Luanda’. Mas aqui no meu Katinton ‘mijadas’ não bate: passei a referir-me ao assunto como ‘Cagadas de Luanda’.
É evidente que, enquanto o Assange fez o seu trabalhinho por amor à liberdade e à transparência, o consórcio profissional que esteve por trás das 'Cagadas de Luanda' fê-lo por amor ao dinheiro, sendo o mais importante as razões de quem pôs o dinheiro à disposição. Um acto puro de mercenarismo de caneta. Ao longo deste pensamento, convém saber quem avançou com os fundos, quais os seus objectivos e qual o resultado do exercício. Sim, do exercício porque não foi muito mais do que isso.
Sobre quem avançou com o financiamento de tão ousada, extensiva, exaustante e messiânica manancial de recolha de informação, acredito ter sido quem para se limpar decidiu enlamear os seus comparsas no saque do erário. Para além disso, tinha de ser alguém carregado de dinheiro fácil e com amplas ligações aos sabichões e demais conhecedores dos corredores e vestíbulos obscuros por onde se escondem tantos e tais segredos de negócios, transacções e manipulações. Entre advogados, financeiros, políticos, especuladores e bajuladores tanto nacionais como estrangeiros, certamente houve alguns jornalistas de investigação a dobrarem a profissão com a de colectores de renda fácil. Acredito que este exercício não foi barato, pese o facto da nobre ideia de se exporem os nossos 'animais de estimação' (vulgo marimbondos) do antigo inquilino da cidade alta.
Quanto aos objectivos da cartada, ficámos mais baralhados do que nunca. Será porque o baralho de cartas estava demasiado viciado? Afinal de contas, parece-me que continuam a usar o mesmo baralho com as iniciais da Sonangol nas cartas vermelhas e da Endiama nas cartas pretas. Aparentemente, o objectivo foi acabar de amordaçar os moribundos, nem sequer importando enterrá-los vivos, para que esses coveiros, agora com o ar menos empoeirado, continuassem agarrados a carruagem das verdes. Como as cartas estavam viciadas, houve a necessidade de alguma actuação nos bastidores por parte dos 'donos' da lei e, mesmo aí, cedo se aperceberam que tinham de ser muito cuidadosos para não serem arrastados pelos afluentes da corrente. Certamente que o objectivo era retirar de alguns ilustres o que lhes restava de brilho mesmo que com isso arrastassem o partido para o pantanal, esse pantanal que só tem inquilinos das mesmas cores. Só que esse objectivo de repente se tornou nublado, uma vez que do outro pantanal surgiram requisições e exigências que não estavam previstas no objectivo preliminar. Uma vez mais, no nosso melhor, o estudo, ‘a priori’, foi mal feito e de repente os donos do objectivo começaram a sorver do seu próprio veneno.
Porém, o pior de tudo isso foi o resultado. Com as “Cagadas de Luanda” o kwanza perdeu cerca de 15% do seu valor transaccional em pouco mais de 30 dias. Os expostos contraíram-se ainda mais e instalaram muros de betão à volta dos muros electrificados. E começou o exercício de dar a quem não tem vocação nem sabe gerir ‘assets’ de difícil gestão. Este exercício veio, de uma vez por todas, matar o pouco que ainda ia funcionando. O executivo vigente que havia junto de entidades internacionais pronunciado a intenção de mérito, transparência, descentralização e desnacionalização de objectos controlados pelo Estado, num exercício de angariar simpatias e como tal colher os frutos resultantes dessa sementeira, viu-se obrigado a receber objectos privados que, apesar de obtidos sem mérito e sem transparência, numa centralização e quiçás nacionalização muito pouco racional. Exemplo disso é o assenhorar-seduma estação de televisão (ou dum supermercado) e colocá-la sob a gestão dum órgão do Estado obviamente sem essa vocação pronunciando-se no tribunal da liberdade contra a sua ideia original, ideia essa que teria sido um dia o objectivo da publicação dos arquivos confidenciais. Despiu-se o rei na rua e retiraram a catana da nossa bandeira para darem uma “catanada” a nossa intenção duma sociedade de mérito ao sabor duma democracia que, mesmo sem ser salgada, nunca poderia parecer insípida.
E é assim, nesse exercício de incompetência a coberto de interesses dos timoneiros da caravela que as ‘Cagadas de Luanda’ ganham a justeza do seu nome: foram simplesmente ‘cagadas’. Com a publicação, onerosa como foi, em termos de corrupção em Angola quase nada mudou.
As ‘Cagadas de Luanda’ precisam de ser tomadas pelo que são. Podem até [ser] uma boa ferramenta desde que seja bem usada. Só assim, iremos corrigir o que está mal e melhorar o que está bem. E quem ganhará é o povo. O futuro promete.
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