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CLÁUDIO DOS SANTOS, DIRECTOR NACIONAL DA AGT PARA OS GRANDES CONTRIBUINTES

“Já há processos judiciais a decorrer por abuso fiscal”

Director nacional da Administração Geral Tributária para os Grandes Contribuintes reconhece que há ainda algum incumprimento, por parte dos contribuintes, no pagamento de impostos, mas, no geral, considera satisfatórios os resultados. No entanto, avisa que os incumpridores se arriscam a uma sanção que pode resultar em prisão efectiva e que já há casos a decorrer.

A Administração Geral Tributária realizou recentemente, em Luanda, um fórum metodológico sobre os grandes contribuintes. Qual foi o grande objectivo do encontro?

O grande objectivo do encontro foi o de servir de plataforma para discussões de questões técnicas entre a Administração Geral Tributária e os grandes contribuintes. Sabe-se que está em curso, no país, uma reforma tributária e a reforma, como tal, traz elementos novos que devem ser discutidos amplamente, sobretudo aqueles pressupostos que têm grande representatividade na arrecadação nacional que são, neste caso, os grandes contribuintes. Nós, AGT, propusemos-nos a realizar anualmente, a partir deste ano, um encontro para reflexão, discussão e partilha de ideias em relação às questões que temos estado a executar no nosso dia-a-dia, a nível da reforma e da gestão da própria administração tributária. Portanto, o nosso objectivo é actuarmos sempre na prevenção e não na reacção. A ideia é garantir que o contribuinte esteja informado para, mais facilmente, garantir a sua obrigação fiscal.

Há algum aspecto a destacar a nível dos estatutos dos grandes contribuintes, tendo em conta a reforma em curso no sector tributário?

O estatuto, como tal, não está em reforma. Ele foi aprovado em 2013, e está em vigor. Dentro daquilo que foi a sua incursão, o estatuto vigente permitiu a introdução da figura do gestor do contribuinte. Temos, nesta altura, 547 grandes contribuintes e, portanto, existem dois gestores, um para a área de fiscalização e outro para a área do património que fazem a gestão corrente dos contribuintes. O estatuto traz também a figura da tributação do grupo de sociedades que, na verdade, compete ao contribuinte solicitar à administração fiscal se quiser ser tributado nesta vertente. Portanto, é uma adesão facultativa e não obrigatória. Depois, o estatuto traz o regime de preços e transferências a que, em princípio, estão obrigadas aquelas sociedades que estão em regime de relações especiais e que têm um volume de facturação de venda de bens e serviços superior a sete mil milhões de kwanzas.

As empresas já consideradas grandes contribuintes têm estado a cumprir com as suas obrigações fiscais?

Estaria a dizer uma inverdade, se dissesse que todas as empresas, já consideradas grandes contribuintes, cumprem na íntegra com as suas obrigações fiscais. Como pode imaginar, num processo como este nem todas as empresas cumprem. Mas, no entanto, estamos satisfeitos com os resultados, porque quase 87 por cento das empresas qualificadas como grandes contribuintes cumprem com as suas respectivas obrigações fiscais. Uma ou outra não cumpre, e, o nosso trabalho é levar a informação a esses contribuintes para que cumpram com essa obrigação voluntariamente, porque, caso contrário, a Lei define sanções que são aplicáveis e, em última instância, temos os tribunais que deverão então cuidar desses contribuintes que não cumprem com o dever constitucional e legal de pagar impostos.

Que tipo de sanção, em termos concretos, é aplicada na eventualidade de haver contribuintes incumpridores?

O Código Geral Tributário prevê diversas sanções. No regime de infracções prevê transgressões tributárias e prevê também os crimes tributários. A transgressão é essencialmente a multa, mas também tem outras sanções acessórias como, por exemplo, não ser emitido ao contribuinte uma declaração que lhe permita concorrer num concurso público, ter o seu nome, por exemplo, publicado no portal de internet da AGT ou no jornal de maior circulação no país como devedor. E depois tem os crimes. Se a conduta do transgressor for dolosa, se for qualificada como crime, então segue um processo junto aos órgãos de investigação criminal e dos tribunais para que esse contribuinte seja sancionado criminalmente, incluindo, com penas de prisão efectiva.

Há casos de contribuintes que estejam a ser sancionados criminalmente?

Ainda não temos! Há processos a correrem efectivamente por causa de crimes de abuso fiscal, mas, neste momento, ainda não há nenhum processo em que o contribuinte esteja preso por crimes fiscais.

Em termos gerais, quais são os critérios que definem o grande contribuinte?

Os critérios utilizado e que basicamente são universais, são dois, nomeadamente o de qualificação por natureza, que atende essencialmente ao carácter estratégico em que estão inseridos os contribuintes, ou seja, aqueles que estão no regime de monopólio ou oligopólio e, temos, por outro lado, os por qualificação administrativa. No primeiro critério, por natureza, são grandes contribuintes as companhias operadoras petrolíferas, os bancos – qualquer banco que seja criado hoje ou amanhã passa a ser grande contribuinte; as seguradoras ou resseguradoras, as empresas de telecomunicações, as companhias diamantíferas. Depois temos um leque mais amplo de outros contribuintes que só serão grandes contribuintes, em função do volume de facturação, do volume de importação, ou em função do compliance. Ou seja, que tenham apresentado, nos últimos três anos, as suas respectivas declarações fiscais, pagamentos de impostos e que estejam devidamente localizados. Portanto, esses são os outros critérios para se qualificar os grandes contribuintes.

As receitas fiscais até aqui arrecadadas, a partir dos grandes contribuintes, são significativas?

Sim, são significativas. Os grandes contribuintes representam mais ou menos 87 por cento do total da arrecadação dos impostos petrolíferos e não petrolíferos.

Quais são as perspectivas, no que toca a arrecadação de impostos?

A ideia da reforma tributária é alargar a base tributável e diminuir a taxa de imposto para permitir que o Estado possa arrecadar mais impostos. Entretanto, a verdade é que, de momento, o país vive um período de recessão económica que tem também algum impacto no processo de arrecadação de receitas. Todavia, isto é um processo dinâmico, que pode resultar no aumento ou na diminuição da arrecadação. Depende muito da situação em concreto.

Tendo em conta a actual conjuntura económica que, como reconhece, impacta negativamente sobre as empresas, haverá aqui alguma possibilidade de haver uma espécie de perdão fiscal aos contribuintes?

Não haverá necessidade de um perdão fiscal. Reconhecemos que não é fácil de contornar e, por isso, compreendemos a situação económica que as empresas vivem. O problema é conjuntural, mas a Administração Geral Tributária tem, nessa altura, o dever de estar com as empresas, colaborar, aconselhar e encontrar os mecanismos que possam atenuar o impacto dos impostos na sua gestão normal. Nessa altura, um dos grandes problemas que os grandes contribuintes apresentam tem sido o cumprimento legal e a crise económica, que tem estado a mostrar que alguns contribuintes não têm capacidade de pagar totalmente o imposto notificado no prazo em que é devido, por regra notificado pela AGT. Face à situação, os contribuintes têm estado a solicitar o pagamento em prestações, tal como rege a lei, e vão cumprindo com as obrigações ao longo do tempo, amortizando a divida em 18 prestações no máximo.

O que é tributável a nível dos grandes contribuintes?

O grande contribuinte paga os mesmos impostos que a generalidade dos contribuintes. O grande contribuinte paga o imposto Industrial, paga o imposto de Selo, de Consumo, Predial Urbano e de Sisa se for a adquirir algum imóvel. O grande contribuinte paga também a contribuição sobre as operações bancárias e a contribuição de invisíveis correntes. A diferença é que, como grande contribuinte é pessoa colectiva e não paga, por exemplo, o imposto de Rendimento de Trabalho, que é pago por uma pessoa singular.

 

PERFIL

Claúdio Paulino dos Santos é licenciado em Direito, pela faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto. Possui uma pós-graduação em Administração Pública, pela Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, Brasil e é mestre em Direito Empresarial pela Universidade Lusíada de Lisboa, onde dissertou sobre o tema “Regime jurídico dos Centros Comerciais em Angola. Formador convidado da Escola Nacional de Administração Pública (ENAD), o interlocutor é ainda advogado, inscrito na Ordem dos Advogados de Angola. É igualmente docente da faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto, onde lecciona a disciplina de Direito Administrativo e Direito Tributário. Actualmente exerce as funções de director nacional dos Grandes Contribuintes, na AGT.