“Não somos substitutos dos ministérios da Cultura e da Educação”
LITERATURA. O secretário-geral da União dos Escritores Angolanos (UEA) rejeita que a instituição seja inoperante e apela a que não se olhe para a associação como substituta de ministérios. Carmo Neto lamenta o fraco apoio dos média na promoção da literatura e queixa-se dos ‘apertos’ da crise.
Ao filiar-se à recém-criada Academia de Letras de Angola não coloca em causa os objectivos da UEA?
Não. No domínio literário, a Academia concorre para a excelência e para o aprofundamento de matérias que a UEA trata na generalidade. Nas línguas nacionais, por exemplo, a Academia pode intervir mais profundamente, agregando estudiosos que avaliem a possibilidade de incluir as línguas nacionais no sistema educativo.
Há quem entenda que a Academia surgiu por causa da inoperância da UEA…
Enquanto associação, temos feito o que nos compete. Editar 200 títulos, em cinco anos, não é tarefa fácil num país com dificuldades. Também não é fácil editar diversas antologias em diversas línguas, além de criarmos a ‘Cátedra Agostinho Neto’ numa universidade italiana para se estudar literatura angolana. Já lá estiveram a dar aulas os professores Manuel Muanza e António Quino. Uma associação inoperante não conseguiria dar dimensão nacional ao prémio ‘Quem me dera ser onda’ em cooperação com o Ministério da Educação. Organizámos o encontro dos escritores africanos e levámos o programa ‘Maka à quarta-feira’ fora do nosso espaço, na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
Durante as eleições, prometeu construir uma nova sede. O mandato está quase a meio, mas não há nada sobre a estrutura…
Não posso anunciar nada enquanto estamos em negociação e num momento em que, sendo realista, os parceiros estão hesitantes até para projectos de menor valor financeiro.
Mas assegurou ter tudo planeado…
Há possibilidade de executar o projecto, mesmo em crise. Não há falta de vontade dos parceiros. Quando tivermos o projecto amadurecido, já com um plano de acção para a execução, hei-de me pronunciar. Mas repito: continua de pé. Um edifício, hoje em dia, é erguido num ano ou seis meses. Se não fosse pela crise, já estaríamos a meio.
Quando fez a promessa, em Abril de 2016, já estávamos em crise…
A crise não estava assim tão acentuada. Não se vislumbrava que, neste ano, começássemos murchos. Por exemplo, a Sonangol suspendeu temporariamente o patrocínio do prémio ‘Sonangol de Literatura’. E isso tem incidência directa ou indirecta em todos os operadores económicos.
Como vê o preço do livro em Angola?
O livro continua proporcional ao custo da produção. O papel é caro porque o importador precisa de retirar lucros do investimento. Se fôssemos produtores de papel como outrora, havendo subvenção do Estado, o livro ficaria barato ao consumidor.
Que políticas se devem adoptar?
Basta tornar exequível a Lei da Promoção do Livro e da Leitura. É preciso alertar as pessoas que já existe lei sobre essa matéria. Nesta lei, aspectos ligados às editoras, distribuidoras e locais de venda estão todos previstos e muito bem elaborados.
O que a UEA tem feito por isso?
Somos apenas entidade complementar do Estado, através do Ministério da Cultura. Às vezes, pela natureza histórica, confunde-se a utilidade da UEA com a de um ministério porque grande parte dos membros-fundadores fazia parte do Governo. O papel da União hoje é o de uma associação de natureza cultural.
A qualidade da literatura angolana está a decair?
Escreve-se muito bem e com excelência, mas lê-se pouco. No vosso jornal, por exemplo, não há ninguém que faz análise de livros. Quantos jornais angolanos promovem livros, nem que for para dizer que foram ou serão lançados os livros ‘X’, citando o autor com um ou dois parágrafos? Qual é o órgão de comunicação social que se dedica, não só à leitura do livro, mas também à discussão da obra com o autor? Isso é que podia complementar o trabalho da UEA. Não nos confundam com substitutos dos ministérios da Cultura e da Educação.
Nestes três mandatos, de que feitos se orgulha?
A grande acção emblemática é deixar ficar um espaço melhor. Mas sinto orgulho de ter criado, em parceria com a ‘Fundação Agostinho Neto’, a ‘Cátedra Agostinho Neto’ na Universidade de Roma, em Itália, além ter tornado o prémio ‘Quem me dera ser Onda’ numa iniciativa nacional. Realço igualmente a tradução de antologias angolanas em inglês, francês, hebraico, espanhol, italiano, árabe, etc.
PERFIL
Natural de Malanje, Carmo Neto nasceu em Outubro de 1962. Advogado e jornalista, é membro da Ordem dos Advogados de Angola e da União dos Jornalistas Angolanos. Actual secretário-geral da União dos Escritores Angolanos, já foi director da Revista Militar das Forças Armadas Angolanas e membro-fundador do Jornal Desportivo Militar. Entre as suas obras, destacam-se ‘A Forja’ (1985), ‘Joana Maluca’ (2004) e ‘De gravata’ (2007).
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