Benny Ying, EMPRESÁRIO e dono da jetour angola

“Nos próximos anos, as marcas chinesas de automóveis vão ocupar visivelmente o mercado angolano”

Reconhece que as marcas chinesas não teriam espaço em Angola, se concorrentes como a Kia, a Hyundai e outras praticassem os mesmos preços, mas acredita que os carros chineses podem impor-se. Em Angola desde 2008, diz não entender as razões de o país falar há vários anos em diversificar a economia, mas nada acontecer. E acredita que, se as terras subaproveitadas em Angola estivessem na China, o país asiático duplicaria a população.

“Nos próximos anos, as marcas chinesas de automóveis vão ocupar visivelmente o mercado angolano”

Como resume os dois anos de presença da Jetour em Angola?

Alcançamos alguns bons resultados e entre os principais factores para alcançar estes resultados está, primeiro e mais importante, o posicionamento estratégico da nossa fábrica. Se a Jetour pretende tornar-se referência no mercado automóvel angolano, precisamos de fazer alguns sacrifícios e ceder alguns lucros para os clientes. Em comparação a outras marcas, inclusive chinesas, temos uma grande diferença a nível dos preços. Este é o factor mais importante pelo qual a Jetour poderá ter sucesso. Em segundo lugar, a nossa empresa, como representante da marca em Angola, tem força económica e acreditamos que isso seja uma garantia para construir algumas infra-estruturas avançadas. Além disso, temos uma experiência de 10 anos no serviço de manutenção e pós-venda. No nosso stand, por exemplo, podemos dizer que é o melhor no continente africano.

 Houve mais algum factor determinante?

Sim, um terceiro factor é que constituímos uma boa equipa de promotores locais e temos incentivos para os funcionários. O último ponto é queestamos totalmente integrados no mercado angolano, reforçámos a cooperação com os meios de comunicação tradicionais e estamos muito presentes nas redes sociais. Participamos em grandes exposições e festivais em Angola, o que aumentou a visibilidade da nossa empresa e da nossa marca.

 Quando diz que estão a fazer sacrifício, significa que estão a praticar preços abaixo da concorrência?

O motor, a caixa e algumas peças do nosso modelo X70 plus, que custa 18,5milhões de kwanzas, são comparáveis ao Hyundai Tucson e ao Kia Sportage, mas o preço é mais baixo. Por norma, os nossos carros, em comparação aos outros com as mesmas referências, são mais baratos em cerca de 10%.

 É uma questão de estratégia de penetração no mercado, certamente…

Temos o mercado angolano como alvo e, por isso, pedimos à fábrica para baixar os preços para o mercado angolano. Recebemos a promessa da fábrica que, nos próximos dois anos, não vai ganhar lucros com as vendas para Angola.  

 E depois deste período aumentam os preços?

Sim, os preços podem aumentar, mas não significativamente. A nossa empresa está focada na quantidade de vendas, por isso, o preço nunca será muito alto.

 Quais são os números de vendas até ao momento?

Como este ano ainda não terminou, não gostaríamos de avançar os números, mas, no ano passado, vendemos mais de mil unidades e este ano queremos duplicar as vendas. Ou seja, queremos vender cerca de duas mil viaturas.

 Acha que os angolanos já compram o Jetour por confiar na marca ou fazem apenas pelos preços?

No início, compravam pelo nosso excelente preço e pelo nosso posicionamento, mas acredito que, nos últimos tempos, muitos compraram não apenas pelo preço, mas porque confiam e gostam dos carros.

 Acredita que, se um Jetour estiver ao mesmo preço de um Kia, Hyundai ou Nissan, haverá quem opte em comprar o Jetour?

Apresenta uma hipótese que não existe. As marcas a que se refere são mais maduras no mercado angolano e ocupam uma elevada quota do mercado dos automóveis. Mas os preços e a capacidade de controlo dos custos das marcas não podem ser iguais às das marcas chinesas, sobretudo da Jetour, por isso esta hipótese não existe. Se estas marcas tivessem a capacidade de praticar estes preços, haveria poucos espaços para as marcas chinesas sobreviverem. Mas as marcas chinesas estão a crescer aqui no mercado angolano e os angolanos e africanos gostam dos produtos chineses.

Mas por que razão, em termos comparativos, as marcas chinesas não sobreviveriam? Refere-se à diferença na qualidade ou à consolidação no mercado das outras marcas?

As marcas coreanas e japonesas entraram no mercado angolano mais cedo e acumularam algumas experiências operacionais no continente africano. Essa é a uma razão. Por outro lado, na China, há muitas marcas que produzem boa qualidade, mas os povos não conhecem estas marcas e, por não conhecer, não optam por elas. É um dilema, os povos não conhecem e, assim, é difícil esses bons produtos desenvolverem. Mas não podemos esquecer uma realidade: a China é uma grande fábrica de produção de automóveis seja a nível da capacidade de produção, seja a nível da modernidade. O material chinês é igual aos dos padrões internacionais, por isso acredito que, se as marcas chinesas fizerem um bom trabalho de divulgação nos mercados, terão bons resultados.

 Há anos, tivemos em Angola algumas marcas chinesas de automóvel que depois desapareceram. Esta situação não dificulta a aceitação da Jetour e de outras marcas chinesas?

Sim, estas marcas causaram algumas dificuldades na aceitação da Jetour, mas as marcas que estiveram cá não estão entre as principais, enquanto a Jetour é a melhor marca do Grupo Chery, que é o maior empregador de automóvel da China. O Jetour tem muitas vantagens. O design é lindo, é um carro espaçoso e tem elevados conteúdos tecnológicos e preços económicos. Com todas estas vantagens, rompemos a situação do passado, estamos a conseguir mudara forma de pensar do angolano e vamos conseguir sobreviver no mercado angolano.

 Em que outros mercados africanos, além de Angola, está presente a Jetour?

Egipto, Argélia, Líbia, Madagáscar. Vamos também lançar na Guiné-Bissau, Nigéria e na Etiópia. Também vamos chegar ao Congo.

 E no mundo, Europa, América…?

Os carros de marca chinesa podem entrar no mercado europeu, mas só os carros eléctricos. Por isso, os destinos para onde estamos a exportar os nossos carros são Rússia, Brasil e outros países da América do Sul.

Os clientes podem ficar descansados em relação às peças e acessórios?

Estamos muito preparados. Nos primeiros 10 anos, a actividade será concentrada nos serviços de manutenção e de pós-venda. Compreendemos que a forte competitividade e ou qualidade do produto estará no serviço pós-venda e no fornecimento das peças. É a única maneira para eliminar as preocupações dos consumidores. Para os próximos 10 a 15 anos garantimos, as peças para cada veículo vendido. 

 Qual é o volume de investimento já realizado?

Já investimos em Luanda em dois grandes pontos de manutenção, além da nossa sede de alto padrão. Temos ainda cinco pontos de manutenção e lojas em outras províncias. Vamos continuar a expandir a abertura de outras lojas fora de Luanda.

Em termos financeiros, o que representa estes investimentos?

Cerca de 15 milhões de dólares.

 Como têm estado a controlar o impacto da inflação?

De Abril de 2019 até hoje, a taxa de câmbio desvalorizou de 340 a 660 kwanzas. É verdade que tivemos algumas perdas nos lucros, o teve impacto na nossa rentabilidade, mas o nosso produto resistiu à prova de desvalorização. Mas também, como o nosso objectivo é vender determinadas quantidades mesmo passando os lucros para os clientes, então esta situação não tem muito impacto para nós. Já ultrapassámos o período mais difícil. Agora a taxa de câmbio é mais ou menos estável e acreditamos que, no próximo ano, vamos operar melhor.

 Que outras marcas têm no portfólio, além da Jetour?

Depois de dois anos de actividade, a nossa experiência evidencia que estamos no caminho certo e, por isso, introduzimos outra marca, a Great Waal. É uma marca excelente, é uma carrinha que se compara à Hilux, mas o preço é de cerca de 60% da Hilux. Contudo, por causa da redução das obras e projectos, o mercado das carrinhas ficou pequeno, daí que não tenhamos ainda vendido muito. Mas continuamos a acreditar que seria ou será uma marca popular. A fábrica do motor desta carrinha é uma das de maior referência na China. Esse motor é o mesmo que usa uma outra marca muito conhecida, a Haval, que é comprável ao Jeep americano.

 Expectativa para o futuro tanto para as duas marcas?

A nossa expectativa é torna-se a número um do mercado e acreditamos que vamos conseguir muito bons resultados.  

 Assim como as demais marcas chinesas, a Jetour não integra a associação das concessionárias. Alguma razão concreta?

Na realidade, também gostaríamos de fazer parte, até porque nos permitiria trocar alguns dados e informações úteis, mas pensamos que a operação não é muito transparente. Por outro lado, como fazem parte desta associação as marcas mais conhecidas e conceituadas no mercado angolano, não acreditavam muito na nossa marca, não acreditavam que teríamos o sucesso e alcançaríamos os níveis que temos hoje. E, como não acreditam nas marcas chinesas, pensamos não fazer muito sentido entrarmos na associação.

 Como analisa, em termos mais globais, o mercado angolano de automóvel?

De 2008 a 2014, foi um período dourado para o mercado angolano de venda de automóveis. Segundo as estatísticas, em 2014 registou-se o pico com a venda de cerca de 45 mil unidades, dominadas por marcas como Hyundai, Kia e Toyota. Em 2015, com o início da crise do petróleo, as importações de automóveis caíram acentuadamente e, em 2019, foram importadas menos de quatro mil unidades. Devido à situação económica, a estrutura do mercado automóvel angolano mudou drasticamente. As importações de marcas topo de gama como europeias e japonesas diminuíram drasticamente. A estrutura dos modelos das marcas ajustou-se gradualmente para a venda de veículos de pequena mobilidade. Por exemplo, a Hyundai passou a apostar mais nos modelos como I10 quando, no passado, apostava mais no Tucson e no Santa-Fé. Por outro lado, a recuperação económica vai provocar uma prosperidade no mercado de venda, mas será um aumento gradual e não muito expressivo. A estrutura do mercado angolano necessita de alguma actualização.

 Actualização em que sentido?

Nos próximos anos, as marcas chinesas vão ocupar visivelmente o mercado angolano. Vão partilhar o mercado com as marcas japonesas e coreanas. Para o fortalecimento do mercado, é necessário também contar com o sector bancário. Esperamos que os bancos possam oferecer apoio ao crédito de consumo automóvel e que possam baixar a taxa de juro, para criar um ambiente de consumo descontraído. Também é necessário que se melhorem as políticas de seguro automóvel. Os consumidores devem também estar mais atentos ao seguro automóvel. Estes factores ajudarão o mercado automóvel a crescer consideravelmente.

 O número de empresas chinesas em Angola reduziu-se consideravelmente. Muitas das empresas que deixaram o país tencionam voltar?

É verdade que o número de empresas diminuiu drasticamente, nos últimos anos, o que é normal numa economia em contracção e em mudanças estruturais. Se Angola continuar a melhorar o seu ambiente empresarial, as empresas continuam interessadas a investir em Angola e em vários sectores, mas a estrutura de investimento teria algumas mudanças. As empresas terão mais interesse no sector agrícola e no industrial. Como diz um provérbio chinês, “se um país quer ser mais rico, deve primeiro construir as suas estradas e só depois ganhará riqueza”. Nos primeiros 10 anos, as empresas chinesas participaram na construção de estradas, caminhos-de-ferro e outras infra-estruturas. Angola deve aproveitar estas boas condições de infra-estruturas para desenvolver as indústrias. O governo chinês, assim como as empresas, continua interessado em ajudar Angola.

 Quais são as principais preocupações quando analisa o ambiente de negócios em Angola?

O ambiente de negócios em Angola é dos piores do mundo. Se quisermos atrair investimentos, temos de elevar o grau de transparência, sobretudo dos serviços bancários. Angola tem muitos recursos naturais. Se melhorar o ambiente de negócios, combater os actos criminosos e reforçar a segurança aos investidores, acreditamos que vai atrair muitos investidores, tanto chineses como de outras nacionalidades.

 Falou em criminalidade, há relatos de que muitos cidadãos chineses tenham sido vítimas de crimes orquestrados a partir da China e por outros chineses…

As grandes empresas, se quiserem fazer negócio em Angola, vão respeitar as leis de Angola, por isso Angola pode controlar a taxa de criminalidade e assim atrair muitos investidores. Nós, na China, também vivemos uma situação parecida há 30 anos. Decidimos o que chamamos de ‘era da reforma e de abertura do país’. Também experimentamos a mesma situação e, para atrair mais investimentos, combatemos o crime e muitos foram mortos. Isso é fundamental para criar um bom ambiente de negócio. Antes disso, a China era um país subdesenvolvido, mas hoje podemos considerar um país desenvolvido…

 E…

Há outra situação que o Governo angolano deve fazer: dispersar o seu povo. Não podem viver todos na cidade, devem ir também para os campos, para cultivar e desenvolver a pesca. Por exemplo, o preço da comida está muito alto, mas os salários muito baixos. Assim, é normal que aconteçam muitos crimes. O Governo deve encontrar uma boa maneira de gerir e de orientar o povo. Viajo muito pelo país, há muita terra por cultivar abandonada. Este fenómeno é lamentável. Se várias pessoas trabalharem nestas terras, a fome reduz-se em Angola. Depois do desenvolvimento da agricultura, podemos aumentar gradualmente a indústria e, assim, Angola vai diminuir a dependência que tem da importação. Angola tem muitos recursos naturais, muitas terras agrícolas como é que é possível surgir fome? A China teria mais mil milhões de habitantes, se tivesse as terras agrícolas que existem em Angola. Angola tem recursos melhores que a China.

 Se um estrangeiro lhe pedisse conselhos para investir em Angola o que diria?

Aconselharia a investir em áreas de necessidade básicas. Por exemplo comida, roupa, calçados e também aparelhos eléctricos. Entendemos que, para desenvolver, o mais importante é resolver as questões essenciais. A China tem forte capacidade de produção e, com os países africanos, tem uma grande complementaridade. A China pode andar lado a lado com os países africanos para desenvolverem-se. Para o desenvolvimento de Angola, o Governo angolano deve criar condições para atrair as pessoas no sentido de trabalharem nas áreas industriais. Depois de atender a estas necessidades essenciais, aí sim desenvolver outras áreas. Por exemplo, Angola fala há vários anos em diversificar a economia para deixar de depender só do petróleo, mas não acontece nada, porquê? Não consigo entender. O senhor, enquanto jornalista, saberá o que se passa? Eu não consigo perceber.

“Nos próximos anos, as marcas chinesas de automóveis vão ocupar visivelmente o mercado angolano”

Perfil

Mais de uma década na venda e manutenção de automóvel

Benny Ying é licenciado em contabilidade pela Universidade de Comércio de Tianjing, desde 1990. Posteriormente trabalhou, durante doze anos, Ningbo Marine Company Limited, empresa com interesse nos ramos hoteleiro, retalho, importação e exportação, tendo desempenhado vários cargos, entre os quais de diretor-geral. A sua ligação com Angola iniciou em 2008 e, desde então, opera na venda e manutenção de viaturas. Em 2009, inaugurou o seu primeiro empreendimento no país, a oficina Chinangol, como resultado de um investimento de 6 milhões de dólares. Em 2014 inaugurou o empreendimento que acolhe actualmente a sede da Jetour Angola.