ANGOLA GROWING
ABEL COSME, PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO DOS PORTOS DE ANGOLA

“O futuro dos portos passa pelas concessões”

08 Jul. 2016 Observatório

ENTREVISTA. A modernização dos portos do país passa pela terceirização dos serviços portuários, o que os tornará mais eficientes e rentáveis, segundo o presidente da Associação dos Portos de Angola (APANG), Abel Cosme, que informou ainda que a APANG está a realizar um estudo sobre cabotagem, com o objetivos de contribuir para o relançamento da actvidade em Angola.

Que leitura faz à actividade portuária de Angola?

Estamos no bom caminho. Os portos têm-se modernizado. É o caso do Porto do Lobito e o de Luanda. Há um projecto aprovado pelo Governo para a construção de porto de águas profundas de Cabinda e do Porto do Porto Amboim. O Porto do Namibe também está a sofrer restruturação e modernização. Estes investimentos são para nos tornarmos mais eficientes. Tempo é dinheiro e a eficiência nos portos é medida pelo tempo de operação do navio e da entrega da mercadoria ao cliente. Isso só é possível com a modernização dos serviços e formação de recursos humanos.

Os congestionamentos de navios acabaram?

Sim. Felizmente, já há muitos anos que isto ficou resolvido. Com a paz, as importações aumentaram e os portos não estavam preparados, quer em infraestruturas quer em equipamentos, para aquele volume de cargas que recebiam. Mas, graças às estratégias do Ministério dos Transportes, hoje temos portos secos ou terminais de segunda linha que fazem movimentos como em portos da Europa. Tivemos de, primeiro, reorganizar os portos, depois, reordenar os navios para outros portos, fora de Luanda.

Mas há congestionamentos de camiões?

Hoje os portos estão a ser transformados em plataformas logísticas. Essa é a ideia global, a de sair daquela actividade tradicional de carga e descarga e passar a ser de serviços para aumentar o valor da carga. Em vez dos camiões, é preferível o caminho-de-ferro, que é um transporte de massa e mais barato. Polui menos. Um camião leva um contentor de 40 pés, ou dois de 20 pés. Se tivermos de levar 200 contendores teríamos de ter 100 camiões, pelo menos. Já um comboio, com uma composição de vagões, pode levar estes mesmos 200 contentores. A poluição é menor e o transporte fica mais barato. O caminho-de-ferro de Luanda começa no Porto de Luanda, o que também acontece com o Porto do Lobito.

Hoje, qual é o modelo de funcionamento dos portos?

Estamos a seguir o caminhos das concessões portuárias. A maior parte dos países adoptou este sistema por ser eficiente. As autoridades portuárias devem tratar de políticas portuárias e deixar a gestão para as empresas especializadas. Isto, também para transferir alguns riscos do negócio a terceiros. Chamamos a isso ‘árbitro e jogador’. É autoridade, mas também faz operações. Desde modo, também reduzimos o peso de investimento do Estado. Se o Estado, por exemplo, tiver de investir 500 milhões na reabilitação de um porto, pode transferir-se este investimento para os privados. Para o efeito criam-se parcerias público/privadas ou concessões portuárias de 20 a 30 anos de gestão.

É o que está acontecer no Porto de Luanda?

Sim. Hoje o porto de Luanda é um ‘porto senhorio’. Os serviços estão todos concessionados, incluído pilotagem, reboque e operações portuárias. O Porto do Namibe está na mesma situação, já é um porto senhorio e, em breve, o Porto do Lobito vai seguir o mesmo caminho. É assim que está acontecer no mundo. O futuro dos portos passa pelas concessões.

São unidades orçamentadas?

Nenhum porto de Angola é uma unidade orçamentada. São empresas públicas e devem ser rentáveis, por isso a ideia de concessionar os serviços para se tornarem eficientes e não uma carga para o erário. A empresa pública é para dar rendimento e não para depender do Estado.

Atracar em Angola é caro?

Os portos eficientes fazem reduzir custos. Reduzindo os custos, obviamente o país sai a ganhar. Existem tarifas de armazenagens a cumprir. Se um porto não for eficiente e, ao invés de entregar a mercadoria em dois dias, fá-lo em 20 dias, o cliente é obrigado a pagar o tempo de armazenagem da mercadoria. E isso agrava os custos.

A APANG tem apenas dois anos de existência. Tem projectos em carteira?

Preconizamos, pelo menos, realizar ‘mesas redondas’ para passarmos as experiências de como os portos funcionam. A primeira será em cabinda, a 8 e Julho; a segunda será no Lobito e a terceira em Luanda. Estamos a preparar tudo isso ainda para este ano. Não vêm convidados de fora por razões de dificuldades financeiras. Mas acho que temos algum capital humano capaz de animar os debates. Seria bom compartilhar as experiências de especialistas estrangeiros, porque hoje não se vive isolado do mundo, mas as limitações financeiras não nos permitem. A APANG é membro da associação dos portos da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) e, num dos congressos, foi recomentado aos países-membros que realizassem estudos sobre a cabotagem nos seus territórios. Foi orientado também estudos sobre mecanismos de facilitação do comércio entre países da CPLP. Vamos analisar os procedimentos documentais e possíveis facilidades aduaneiras e outros aspectos. Portanto, vai haver melhorias nas relações entre os portos da CPLP.

Porque já não se faz cabotagem em Angola?

O nosso país deixou de fazer cabotagem, há muitos anos, provavelmente, por falta de incentivo, ou porque o mercado deixou de existir, ou ainda por falta de embarcações. Mas, com estes estudos, que agora estamos a fazer, vai ser possível apurar com maior consistência as razões do desaparecimento da cabotagem em Angola. Os estudos vão ajudar o Ministério dos Transportes a olhar mais para esta vertente. A nível do ministério está a fazer-se tudo para se relançar a cabotagem. Como a cabotagem também pode ser regional, podemos fazê-la entre os países-membros da SADC. Porque aí, estão levantadas as questões aduaneiras. Há a ideia de livre circulação de pessoas e bens, como tem a União Europeia.

Enquanto presidente da APANG, o que gostaria ver já resolvido?

A preocupação é ver os projectos concretizados. Estou a referir-me à construção do porto de águas profundas, de Cabinda e de Porto Amboim. Sabemos que, por via dos portos, entra e sai a maior parte das mercadorias no país. Os portos também servem de barómetro da economia de qualquer país. Penso que, com a modernização dos nossos portos, vamos poder ajudar os países vizinhos, os chamados países encravados que não têm acesso ao mar. A APANG é constituída apenas por portos? Essencialmente pelos portos, mas convidamos também empresas gestoras de terminais. Também estamos a preparar convites para agentes de navegação e transitários porque achamos que a APANG deve estar mais próxima das pessoas ou instituições com as quais trabalha, porque é mais fácil levar as nossas preocupações ao Governo estando associados. No fundo, a APANG é um parceiro do Governo.