O PAC do PRODESI e o PAI na economia angolana
1. Em 2019, foi lançado o Prodesi – Programa de Apoio à Produção, Diversificação das Exportações e Substituição das Importações, que deverá integrar vários projectos para alcançar os objectivos, sendo o primeiro o PAC, Projecto de Apoio ao Crédito. Para a materialização deste projecto, o Governo criou linhas de crédito financiadas pelo Tesouro Nacional e por bancos nacionais privados que firmaram acordos com o BNA – Banco Nacional de Angola para o efeito, operacionalizadas pelo BDA – Banco de Desenvolvimento Angolano, estabelecendo vantagens financeiras para as empresas que se qualifiquem ao Projecto. O PAC tem como objectivo específico apoiar o acesso ao crédito para projectos de empresas de diversas categorias qualificativas, desde que visem a produção de 54 bens definidos no Decreto Presidencial n.º 23/19, de 14 de Janeiro, seleccionados por se mostrarem essenciais para a vida dos cidadãos, agrupados em 16 domínios incluindo a agricultura, pecuária e pesca, a indústria agro-alimentar, comércio, transportes, exploração mineira e demais serviços. No presente, aderiram ao projecto 13 bancos nacionais públicos e privados, tendo mobilizado mais de 220 mil milhões de kwanzas para as linhas de crédito que cada um dos bancos constitui.
2. O Prodesi foi lançado como iniciativa económica após o encerramento do Programa Angola Investe – PAI, que vigorou durante quatro anos, e extinto pelo Governo em 2018, tendo financiado 515 projectos com 120 mil milhões de kwanzas.
O Programa Angola Investe visou o apoio ao investimento nos sectores de actividade produtiva em Angola por via do fomento ao empresariado com cedência de vantagens financeiras para fomento das actividades do sector produtivo desempenhadas por agentes económicos angolanos por via de 14 iniciativas, as quais foram canalizados os estímulos, ajudas financeiras, benefícios fiscais ou assistência técnica. A implementação do PAI viveu inúmeras dificuldades, desde a concepção dos projectos pelas empresas interessadas, a obtenção dos créditos nos bancos admitidos ao projecto, à execução dos projectos elaborados, o transporte de bens e fornecimentos de serviços essenciais aos projectos, podendo o PAI ser resumido na eficácia do cumprimento programático da cedência dos créditos, pois são ainda desconhecidos os relatórios qualitativos daquele Programa.
3. O Relatório de Fundamentação da implementação do Projecto de Apoio ao Crédito – PAC, de Março de 2018, apresenta no capítulo primeiro, de Introdução Enquadramento, ponto um, os pressupostos para a implementação eficiente do mesmo, com a seguinte referência:
“Para alcançar o objectivo da diversificação da economia nacional e, por conseguinte, elevar a qualidade e a quantidade da oferta interna, será necessário que ocorra antes um processo coerente e organizado de expansão e de modernização da base tecnológica da estrutura produtiva do país.”
Este ponto introdutório da concepção do PAC integra certos pressupostos que se constituem como factores condicionantes para a concretização eficiente deste projecto, sob risco de apresentar um desempenho semelhante aoobservado no PAI e outros programas anteriores, semelhantes pelos objectivos que preconizavam alcançar.Ao analisarmos a metodologia traçada por programas dessa natureza, é fundamental tecermos aqui alguns aportes sobre os factores que costumam determinar o sucesso ou não dos mesmos, sendo que, para o caso concreto de Angola, o processo de expansão e de modernização da base tecnológica da estrutura produtiva do país, como factor pré-determinante, implica a implementação de certos pressupostos garantes da sua realização eficiente, nomeadamente: Diversificação da indústria petrolífera, a melhoria do fornecimento de serviços estruturantes, a gestão positiva, cadeias de distribuição, indústria agro-alimentar.
4. Diversificação da indústria petrolífera. O petróleo é um bem, uma matéria-prima extraída em Angola, que constitui a principal moeda de câmbio no mercado internacional para o país, cujas receitas constituem a principal fonte de financiamento do OGE, com um peso de cerca de 90% das receitas. Por outro lado, o petróleo, enquanto mineral, uma vez industrializado, é um bem do qual se podem extrair uma multiplicidade de produtos, incluindo alguns que são indispensáveis para a implementação do processo de diversificação da produção interna.
Dos 54 bens elencados para financiamento no âmbito do PAC, mais de 60% são bens de origem directa ou indirecta da agricultura, o que pressupõe a criação de uma base de produção agrícola sólida. O crescimento e o desenvolvimento de uma agricultura capaz de sustentar um processo de crescimento económico como o que se propõe por via do Prodesi não se compadece com uma agricultura rudimentar, rural e familiar geralmente caracterizada em Angola. A produção de fertilizantes e pesticidas localmente, assim como insumos agrícolas básicos são pressupostos fundamentais para uma agricultura mecanizada, sem os quais continuaremos a depender das importações desses produtos, o que torna o processo agrícola exorbitante, sem competitividade e por isso ineficiente.
A diversificação da indústria petrolífera com a construção de refinarias de pequeno e médio portes e o desenvolvimento da indústria petroquímica possibilitariam a produção interna dos fertilizantes e pesticidas para o aumento da produtividade agrícola, e de outros produtos e equipamentos de apoio à mecanização e industrialização da agricultura com uma base sustentada. A produção local de combustíveis e lubrificantes tornará mais competitivo o sector dos transportes em todo o país, possibilitando a movimentação dos bens agrícolas para os pontos onde forem solicitados. Haverá ainda a possibilidade da produção de produtos para a construção das estradas, o que tornará esse item menos caro.
Assim, a diversificação da indústria petrolífera possibilitará melhor fornecimento de combustíveis e lubrificantes para os motores das viaturas, aviões, barcos, geradores, comboios e outras maquinarias, a produção de fertilizantes e pesticidas indispensáveis para uma agricultura sustentável, a produção de betumes para a construção de estradas e outras indústrias. Em vez de exportarmos o crude para podermos importar os factores necessários para implementação do Prodesi, mesmo porque o crude se encontra em baixa no mercado internacional, um melhor aproveitamento industrial do petróleo apresenta-se como factor determinante na concretização eficiente do programa lançado pelo Governo.
Verifica-se, entretanto, que as áreas de produção elencadas pelo Programa não integram de maneira clara a indústria petroquímica. Estará integrado num outro programa com maiores exigências de capital?
5. Melhoria do fornecimento de serviços estruturantes. Ao abordarmos o tema sobre a melhoria do fornecimento de serviços, corremos o risco de cairmos na questão da melhoria do ambiente de negócios em Angola, cuja abordagem é recorrente e inconclusiva. Para a implementação do Prodesi, sem descartar a necessidade da melhoria do ambiente de negócios enquanto tema, seria de realçar aspectos como:
a) Melhoria das estradas já existentes, sem nos atrevermos a propor novas vias. Há cerca de 10 anos, assistimos à recuperação das estradas um pouco por todo o país, um trabalho que, entretanto, foi pouco duradouro, sendo que, no presente, a malha rodoviária angolana se apresenta em estado degradado, muito difícil de se trafegar. Como se pode depreender, sem estradas em condições, a produção e escoamento de produtos agrícolas e outros tornam-se muito caros, o que, em certa medida, torna os produtos nacionais sem competitividade face aos produtos importados, tendo este sido um problema do Programa Angola Investe. Numa altura em que Angola afirma passos para a integração económica regional na África Austral, é mister que tenhamos vias para circulação, sob risco de sermos facilmente ultrapassados pelos países vizinhos, sobretudo os anglófonos, que têm já apresentado propostas de negócios muito mais vantajosas em relação às nossas.
b) A electricidade é outro serviço estruturante que precisa de ser fornecido em todo o país para que o Prodesi seja um sucesso. É certo que não se produz energia eléctrica limpa num curto tempo, mesmo sendo Angola portadora de uma bacia hidrográfica invejável, das maiores no mundo. Entretanto, não parece clara a estratégia da construção de uma série de grandes barragens eléctricas na região do Médio Kwanza, para depois distribuir a electricidade ali produzida por todo o país, quando existem muitos outros rios com grandes caudais. A construção de diversas mini-hídricas de capacidade municipal ou regional possibilitaria a produção de electricidade localmente com menos investimentos, e possibilitaria também melhor gestão e utilização das águas, o que seria benéfico para a agricultura, e evitaria cortes no fornecimento de electricidade por todo o país sempre que se verificasse interrupção das grandes barragens.
c) O fornecimento de água apresenta-se também muito importante para o crescimento da indústria agro-alimentar como se propõe.
d) Os Centros Logísticos de Distribuição terão um papel fundamental na regulação da produção, oferta e consumo de bens, gerindo a distribuição, armazenamento, conservação e gestão de stocks dos bens produzidos pelo país. A ausência desses centros leva a que os bens perecíveis de deteriorem por falta de escoamento e consumo, e cria-se escassez quando não há produção.
e) A Indústria agro-alimentar de pequena monta tem de ser fundada. Além dos Centros Logísticos, é preciso que localmente existam pequenas indústrias de transformação de produtos agrícolas que possibilitará a conservação dos mesmos par uso posterior.
6. Gestão positiva. Por Gestão Positiva deve entender-se a observância dos pressupostos jurídicos, éticos morais e deontológicos na gestão de bens que possibilitem a concretização do fenómeno do aumento da riqueza de certas pessoas, ao mesmo tempo que diminui a pobreza de outras pessoas. A Gestão negativa é inversa, pois conduz ao enriquecimento injustificado de certas pessoas e ao aumento da pobreza de muitas pessoas.
O Relatório de Fundamentação da implementação do PAC indica que, diversamente do que foi a política do PAI, há uma diminuição na exigência da qualidade dos projectos de investimento, no nível de organização das empresas interessadas, pois entende-se que esses factores e outros constituíram impedimentos na implementação do PAI. Mais, o documento reitor refere que, para apoiar as empresas com os projectos e com a implementação dos mesmos, serão contratados localmente prestadores de serviços profissionais de assistência aos empresários através dos institutos públicos tutelados, o que pressupões serem funcionários públicos. É premente que se esclareça em que qualidade esses profissionais prestarão esses serviços, quem pagará pelos serviços, e qual o acesso aos mesmos. O receio aqui é de que se criem vícios na elaboração de projectos e o acompanhamento da sua implementação, que poderá estar orientado apenas na obtenção do crédito sem o devido acautelamento das garantias do sucesso. Os promotores dos projectos receberiam os créditos para o benefício próprio e daqueles que os assessoram, tornando-se inadimplentes em seguida pela falta de viabilidade dos projectos e pelas dificuldades impostas por outros factores já elencados. Este é um fenómeno que caracterizou o PAI, tendo ditado o insucesso na implementação.
7. Financiamentos: Outrossim, há necessidade de se prestar atenção aos mecanismos macroeconómicos de crédito estabelecidos. Vejamos que o BNA, por determinação institucional, obriga os bancos privados a cederem 2,5% dos fundos para crédito por via do financiamento ao Programa, com recurso ao fundo de garantia. Na prática, os bancos privados estarão a ceder os fundos dos clientes ao Governo com juros muito atractivos, acima do mercado. Esses fundos serão cedidos às empresas envolvidas no projecto com juros bonificados, que se criem facilidades para o empresariado. O Governo fica com o ónus da bonificação do crédito a pagar aos bancos privados, dinheiro que vai buscar do Tesouro Nacional, ali depositado pelos contribuintes e de outras fontes ordinárias. Sem criarmos pessimismos quanto ao PAC, os projectos financiados, se forem implementados, poderão apresentar ineficiências, certamente às expensas dos contribuintes.
8. Conclusão. Longe de conspirarmos contra o PAC ou o Prodesi, auguramos que esses instrumentos sejam implementados com o sucesso pretendido e que deles resultem frutos que venham aliviar as carências das pessoas e do país. Entretanto, as experiências recentes em matéria de programas semelhantes são razões bastantes para a tomada de todas as cautelas possíveis para que não se agrave ainda mais o estado de crise em que nos encontramos. Portanto, é preciso que se trabalhe nos pressupostos limitativos e determinantes desse Programa para que se possa pensar na implementação eficiente, sendo que a inobservâncias desses factores levará, mais uma vez, ao alcance da eficácia do programa por via da realização das actividades sem observância das vantagens planificadas.
“A Sonangol competia só com as empresas estrangeiras. Agora está a competir...