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O papel de África no Brexit

19 Jun. 2017 Sem Autor Opinião

À medida que a Grã-Bretanha se concentra em como será o seu relacionamento com a União Europeia após a sua saída do bloco europeu, que acontecerá algures em 2019, o resto do mundo já está a preparar-se para a era pós-Brexit. Em particular, para muitos países africanos, a preparação para o inevitável divórcio não é apenas prudente, como pode ser uma necessidade económica.

 

Muitos analistas investigam obsessivamente o impacto económico da China em África (em 2015, existiam aproximadamente 2.650 projectos de desenvolvimento chineses em andamento no continente). No entanto, o Reino Unido tem sido um parceiro de investimento muito mais comprometido com o continente ao longo dos anos. No final de 2014, o investimento estrangeiro britânico em África foi de 42,5 mil milhões de libras (54,1 mil milhões USD), mais do dobro dos 20,8 mil milhões de libras investidos em 2005. O IED britânico foi direccionado em grande parte para os sectores de telecomunicações e serviços financeiros, todavia os projectos para o desenvolvimento e infra-estruturas também foram um dos focos. No entanto, esta tendência crescente poderá provavelmente reverter, caso as negociações do Brexit com a UE conduzam a uma erosão da confiança no mercado britânico, no sentido em que esta seria forçada a fortalecer a sua própria economia, e a procura de oportunidades no exterior poderá parecer assim menos justificável.

De longe, o impacto mais significativo de um “Brexit duro” para África, seria sentido no sector de serviços financeiros. Ao negociar a saída do Reino Unido da UE, o governo da primeira-ministra Theresa May procurará assegurar que Londres mantenha o seu lugar como o principal centro financeiro da Europa. Mas, mesmo que May falhe, as instituições financeiras com sede em Londres, podem simplesmente retirar as suas participações e procurarem refúgio na Europa continental. Entretanto, África poderá sofrer em resultado deste cenário. Como exemplo: nos últimos anos, o fortalecimento do sector bancário africano - incluindo a expansão das actividades bancárias transfronteiriças - foi possível, em parte, devido aos produtos inovadores fintech (tecnologia financeira de ponta) desenvolvidos em Londres. As recentes soluções financeiras utilizadas para modernizar instituições como o Standard Bank, o maior banco de África, dependem dos conhecimentos de instituições domiciliadas no Reino Unido. Se o Brexit enfraquecer o papel de Londres como centro financeiro, os danos colaterais para o continente africano seriam medidos pela diminuição da confiança dos investidores, pelas possíveis lacunas nos serviços bancários e na possível interrupção do funcionamento de redes e processos. Por outras palavras, o mecanismo de inovação financeira poderá simplesmente parar.

Um sector de serviços financeiros mais fraco no Reino Unido também poderia levar a uma escassez de talentos com conhecimento sobre os mercados africanos. Isto poderia prejudicar o comércio entre o Reino Unido e África de forma mais ampla. Infelizmente, a Grã-Bretanha é mais importante para o futuro de África nesse sentido, do que vice-versa. Com menos de 5% do déficit comercial da Grã-Bretanha vinculado a África, o continente provavelmente não estará perto do topo das preocupações actuais do governo do Reino Unido.

Os laços diplomáticos também podem ser afectados, se um Reino Unido mais fechado sobre si próprio decidir fechar as suas portas aos viajantes e estudantes africanos que procuram matricular-se nas universidades britânicas. Em suma, os laços históricos, políticos e económicos que se fortaleceram ao longo de décadas podem vir a sofrer um travão, à medida que as negociações entre o Reino Unido e a UE avançarem.

Contudo, o risco que o Brexit representa para África não deve ser encarado de forma exagerada. Para começar, o comércio já não é a espinha dorsal que foi no passado. Apenas um pequeno número de países africanos disputa o acesso ao mercado do Reino Unido, pois muitos procuram concretizar mais negócios entre si. África também está a aprender a manter-se por conta própria por outras formas.

Desde 2000, que a ajuda anual total para África atingiu uma média de 50 mil milhões USD, enquanto a receita tributária no mesmo período cresceu de 163 mil milhões USD para uns surpreendentes 550 mil milhões USD. O aumento das entradas de IED, o acesso à dívida soberana e a forte expansão das remessas de migrantes contribuíram para uma mudança na base de receita, para além das que são provenientes das matérias-primas. E actualmente, os líderes africanos procuram, sobretudo, estabelecer novas alianças com os seus vizinhos, melhorando o ambiente de negócios e colaborando em projectos de industrialização.

Mas, porquanto os países africanos podem depender menos da ajuda externa, do que alguma vez foi possível, a sua relação com os Estados doadores e o Reino Unido, em particular, continua a ser de extrema importância. Em relação ao rendimento nacional bruto, o Reino Unido é um dos doadores de ajuda mais generosos do mundo, um estatuto que dá à Grã-Bretanha uma maior voz na definição da agenda de desenvolvimento internacional. Como a assistência britânica em África evoluiu a partir de esforços estreitos de redução da pobreza para financiar projectos de negócios em países como a Etiópia e o Ruanda, o Reino Unido emergiu como um aliado-chave para ajudar África a executar a sua própria estratégia de desenvolvimento. Se o Brexit impelir a um Reino Unido menos envolvido globalmente, os destinatários da assistência britânica sofrerão com isso. Cabe às empresas e aos governos africanos reorientar a atenção da Grã-Bretanha. Com os incentivos certos, África poderá desempenhar um papel mais central no planeamento económico do Reino Unido. Porém, para que tal aconteça, os líderes africanos devem ajudar os seus homólogos britânicos a ver que com a mudança, vem a oportunidade. Enquanto o Reino Unido se prepara para se afastar da UE, África deve estar pronta para aproveitar a boleia.

 

Antigo secretário Executivo da Comissão Económica das Nações Unidas para África, é Professor na Universidade de Cape Town e Professor não residente na Universidade de Oxford