ANGOLA GROWING
Domingos Panzo, consultor da Organização da ONU para a Alimentação e Agricultura (FAO)

"Os gafanhotos já 'varreram' mais de 26 mil hectares no Sul do país"

26 May. 2021 Grande Entrevista

Especialista considera "complexa" a luta contra os gafanhotos e defende que “a táctica passa pelo recurso a biopesticidas”, sublinhando que “o objectivo não é acabar com eles, mas reduzir a sua população”. Domingos Panzo revela que os insectos, os maiores de grupos de herbívoros, já ‘lavraram’ mais de 26 mil hectares de cultivo e pasto. A FAO aguarda por um por financiamento adicional de 1,5 milhões  de dólares a ser repartido por cinco países.

 

"Os gafanhotos já

A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) já lida com as pragas de gafanhotos há muitos anos em muitos países da Ásia e da África oriental, mas com resultados pouco expressivos. Como será em Angola?

O que temos estado a fazer é reduzir a densidade populacional destes insectos.

Não é possível erradicá-los?  

Começámos por elaborar um plano de contenção que tinha uma estratégia preventiva. Logo que nos demos conta do surgimento da praga, em 2020, o Ministério da Agricultura e Pescas preocupou-se e contactou a FAO. O plano de contenção visava munir as províncias de meios e conhecimentos para enfrentar a propagação. Na sequência, a praga desapareceu, mas depois voltou ao Kuando-Kubango, onde temos estado a trabalhar intensamente. Só que este ano houve uma expansão dessa praga para o Cunene e recentemente também foram afectados Benguela, Namibe e Huíla.  A estratégia era preparar as províncias fronteiriças para uma eventualidade de uma evasão dos gafanhotos.

Mas a ameaça espreita o resto do país?

Sim, as províncias estão a ser invadidas. O que estamos a fazer é aplicar o plano traçado pelo Governo, adquirindo equipamentos especializados para o controlo, nomeadamente biopesticidas e equipamento de protecção individual. Além disso, traçou-se um plano de gestão de risco para a população que pode ser afectada devido ao uso de biopesticidas que têm sido utilizados nas suas áreas.   Esse plano contempla a evacuação, mantendo-as em zonas seguras com a provisão de mantimentos e ração para o gado.  Portanto, este plano, que consta da estratégia governamental, envolve medidas de protecção da população, monitoramento das pessoas eventualmente expostas aos produtos químicos, como membros das brigadas de controlo.

Esses pesticidas também podem matar outras espécies, importantes para o equilíbrio da natureza?

A FAO é um organismo que prima pelas questões ambientais. A praga tem duas facetas. Às vezes, é inevitável o uso de produtos químicos. É por isso que tem sido feita a selecção de pesticidas menos prejudiciais à saúde. Portanto, a intenção é evitar para que não aconteça o pior durante a intervenção.

Não há um pesticida específico?

O grupo de referência tem uma lista com mais de uma dezena. Temos pesticidas e biopesticidas. Só que os que existem são mais adequados para ninfas. Adquirimos metarizio produzido em Marrocos. Estamos em crer que, havendo nova geração de gafanhotos, aplicaremos, mas é preciso seleccionar devidamente para não arriscar vidas durante a intervenção. Estamos aqui para ajudar o Governo na luta contra essa praga e a fome.

A cipermetrina, de fabrico chinês, que estará supostamente a ser utilizada na pulverização contra gafanhotos na Huíla, não entra nessa lista?

Entra sim no conjunto de biopesticidas admissíveis. No entanto, pode se colocar o facto de ser produto expirado e se assim for não actua. No entanto, estivemos recentemente na Huíla e deixamos recomendações com base nos pesticidas específicos recomendados, incluindo o metarízio que é um produto novo.

Mas este produto não periga, por exemplo, abelhas e moscas que também são insectos?

O metarizio é um fungo isolado e tipificado por empresas marroquinas e não provoca danos. O problema, porém, tem que ver com os pesticidas químicos.  Mas uma das medidas é usar um baixo volume desses produtos com doses ultra-baixas. Portanto, aplicar de meio litro a um litro por hectare é um nível que não provoca danos consideráveis aos mamíferos, ou mesmo ao homem.

Mesmo assim ainda é um risco?

Preserva grande parte das espécies. Aliás, a população tem sido objecto de comunicação de risco, e transferida para locais de segurança, onde permanece para evitar a contaminação, até que se cumpra e sempre que ocorra pulverização na área onde resida.

Quantas pessoas terão sido arrancadas de casas devido à pulverização?

Tivemos um caso no Kuando-Kubango, na localidade de Caila, onde pulverizámos 350 hectares e ali tivemos de salvaguardar a vida de 35 famílias.

Referiu-se ao biopesticida apenas de combate a gafanhotos pequenos. E quanto aos adultos?

A táctica é apenas reduzir com recurso ao mesmo produto. Volto a reiterar que o metarizio não tem uma acção nociva.

Qual é a área afectada?

É difícil estimar a área afectada que conseguimos controlar. Por esta altura, estima-se em 26 mil hectares.  Mas acredito que haja mais zonas afectadas. Porque o problema que se coloca é do difícil acesso a diferentes áreas.  E quando estamos a falar de áreas, não são apenas as que se referem ao cultivo, mas também  contabilizamos o pasto para os animais.

Não há meios que permitam chegar a estimativas?

No Namibe, continuamos a descobrir novos focos, voando pela província.

Pode apresentar o universo de pessoas afectadas?

Ao nível de Angola, ainda não existem estimativas, mas se olharmos para toda a região dos cinco países afectados, incluindo Namíbia, Zâmbia e Botsuana, podemos falar em 1,1 milhões de pessoas.

E em termos financeiros?

Estivemos a trabalhar numa acção regional de contenção de gafanhotos e recebemos cerca de 450 mil dólares de fundos de emergência da FAO e da Bélgica  que serviram até aqui para aquisição dos meios que utilizamos para a contenção da praga. Estamos à espera, na próxima semana, de um valor adicional de cerca de 200 mil dólares da FAO para dar continuidade ao programa.  Além disso, estamos a lutar por um financiamento adicional ao nível da região de 1,5 milhões  de dólares a ser repartido pelos cinco países afectados.

Decididamente, esta é uma batalha sem fim à vista?

Temos de continuar a agir, atacando a praga nas fases mais sensíveis de ninfa e de reprodução para que possamos reduzir, ao máximo, a densidade populacional.  O objectivo não é eliminar, mas diminuir o bando de gafanhotos e, desta forma, evitar esse desastre que provoca a agricultura.  Houve um desequilíbrio que permitiu que a população desses insectos crescesse, entre o calor e as enchentes provocadas pelas chuvas. Refiro-me às condições de seca e humidade.

Desaparecem num ponto, mas surgem logo noutro...

O grande perigo é que a praga é transfronteiriça. Os gafanhotos podem voar 100 quilómetros por dia e são polífagos, quer dizer, comem tudo. Por isso, é que voltaram ao Kuando-Kubango. Se, por exemplo, forem combatidos na Namíbia, entram em Angola e vice-versa, em busca de alimento e de locais de nidificação.

Nesse contexto, não será atirar dinheiro ao ar?

Temos de visitar as áreas de nidificação para destruir as larvas e os ovos.

Perfil

O agrónomo e investigador 

Licenciado em Agronomia no Huambo, é consultor da FAO para a área de Sanidade Vegetal e doutorado em fitotecnia. É investigador do Instituto de Investigação Agronómica (IIA). Vê com agrado o ressurgimento do IIA no Planalto Central porque "potencia a investigação", naquele que já foi um dos maiores centros de investigação veterinária de África depois do da África do Sul.