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Outubro quente no Brasil

05 Oct. 2022 Opinião
Outubro quente no Brasil

No Brasil, uma das maiores economias do mundo, a direita mudou radicalmente, a esquerda é basicamente a mesma desde há muito tempo, mas têm pontos comuns. Assim, nesta campanha eleitoral, revelaram igual ausência de propostas de desenvolvimento, levando ambos a enfatizar paternidade dos programas assistencialistas em vez de ampliação do mercado de trabalho com aumento do poder aquisitivo. Ao mesmo tempo, usaram como armas políticas principais as acusações mútuas de corrupção ou de ignorância na gestão pública. Já antes disto mostravam outro ponto comum: apoio a certas ditaduras, do passado ou atuais, conduzindo a recíproca admiração por Putin, com bastante discrição das lideranças em público (às vezes “escorregam”) deixando essa tarefa a seus sempre explícitos círculos intelectuais.

Num plano prático nacional, os centros de direção que escolheram continuam brancos e masculinos, apesar de discursos em oposição a esse resultado muito evidente.

No processo eleitoral em curso, a esquerda tem melhor desempenho nas presidenciais que nas legislativas federais. Como o lulismo é mais forte que o petismo, parte na frente para a segunda volta. O bolsonarismo perde votos em relação à eleição anterior. Mas foi mau conhecimento da realidade brasileira o PT fixar meta de vencer na primeira. Não só o equilíbrio de forças entre os dois foi subestimado, como não ouviu as vozes contrárias a dar cheque em banco seja a quem for. Aliás, esse é um dos fatores que mantem a democracia de pé no Brasil. 

A linguagem de Bolsonaro incomoda até parte do seu eleitorado mantido apenas pelo antipetismo e pela ausência de alternativas na matéria. Provavelmente essa é uma razão de Lula estar em posição de favorito para o voto de 30 de outubro. Nas próximas semanas de campanha, os marqueteiros dos dois candidatos vão tentar demonstrar que o seu é mais inteligente e capacitado que o outro, jogando precisamente em frases infelizes do oponente.

Na realidade quantificada, o Partido Liberal (PL), atualmente eixo central do bolsonarismo, foi o que mais cresceu. Conquistou 65 novos lugares na Câmara dos Deputados, passando a maior partido parlamentar, aos quais pode acrescentar o evangélico Republicanos e outros que, como o PP, surfam na mesma onda e também cresceram. O PT aumenta a bancada em 10 deputados, mas aliados importantes como o PSB e o PCdoB perdem muito mais. O Centrão vai continuar decisivo, tendo o MDB e o PSD aumentado as representações parlamentares, compensando o encolhimento do PSDB, sem novos líderes capazes de substituir os históricos Fernando Henrique ou José Serra e passagem de Geraldo Alckmin a vice-presidente na candidatura Lula.

No Senado o panorama é muito semelhante. Assim, analistas e setores do judiciário receiam que a composição deste órgão de poder possa vir a promover afastamento de juízes do Supremo, tanto mais que o ex juiz Sérgio Moro foi eleito Senador.

A nível de governadores estaduais, há indicações de relevo. Lula e o PT permanecem inabaláveis no Nordeste, enquanto Bolsonaro está forte no Centro-Oeste e no Sul. Nos três Estados mais industrializados, o atual presidente e seus candidatos locais venceram no Rio de Janeiro e estão na frente em São Paulo. Em Minas Gerais, Lula tem vantagem nos votos presidenciais obtidos, mas o Governador reeleito situou-se no primeiro mandato perto de Bolsonaro, embora possua jogo próprio como é tradicional na política mineira.

Altamente desacreditadas estão as empresas de sondagens que, apesar de pesquisas constantes e dispendiosas, não captaram opções capitais nem nos Estados mais desenvolvidos, nem se aperceberam de fuga às entrevistas por boa parte das pessoas, nem do peso de respostas intencionalmente falsas. O bolsonarismo, que lhes fez acusações de manipulação, é agora citado como preparando legislação de criminalização contra algumas dessas empresas.

No terceiro trimestre a economia brasileira deu sinais de recuperação, tanto no crescimento do PIB como na criação de novos empregos e contenção da inflação. Avanços ligeiros que não chegam para influir nas escolhas dos eleitores indecisos. Mas talvez já sejam suficientes para promover mais debate sobre economia. Neste plano, o Brasil tem três trunfos mundialmente decisivos: um agro-industrial poderoso com capacidade de resposta à alta de bens alimentares; quase auto-suficiência energética e diversidade ambiental com forte impacto a partir da Amazonia e Pantanal.

Agora, antes de mais, as duas candidaturas têm de manter os eleitorados de 57 e 51 milhões de votos conquistados na primeira volta. Para Bolsonaro é mais fácil porque há mais homogeneidade que no adversário. Lula tem de trabalhar contra o sentimento, por exemplo, de socialistas que vêm no apoio causa maior do recuo do PSB. Quanto à conquista dos votos que faltam para vencer, a tarefa de Bolsonaro é muito mais árdua pois tem de ganhar cerca de 8 milhões de votos contra 1,5 de Lula, se for mantido o requisito precedente.

Nesse sentido, anunciam-se negociações com os partidos da candidatura Simone Tebet e com o PDT de Ciro Gomes (terceiro e quarto lugares) apesar de não ser seguro que os eleitores de uma e outro venham a seguir suas eventuais recomendações de voto. Assim, os apelos diretos vão se multiplicar.

Do lado governamental, esses apelos podem ser feitos através de medidas ao alcance do executivo dentro das restrições impostas pela legislação eleitoral e, tanto Bolsonaro como Lula deverão proceder a grandes mudanças de linguagem.

O funcionamento económico prosseguirá e durante o mês de outubro teremos confirmação ou não dos dados provisórios de setembro sobre criação de empregos, taxas de inflação e de câmbio, bem como tendências no crescimento geral. Se, finalmente, o quadro macro económico visualizado ao longo das próximas semanas suscitar debates entre os painéis de economistas dos dois lados, o país ganhará conhecimento sobre as intenções e meios propostos pelos candidatos. Até aqui, cada um dos lados politicamente maiores da sociedade, “apenas” constatou a força do outro lado, surpreendidos, pois as lideranças davam-lhes impressão diferente. 

Para o mercado, pode haver preferências de princípio mas, no fundo, o grande empresariado não vê diferenças insuperáveis entre as orientações do atual ministro Paulo Guedes e as do ex ministro petista Guido Mantega. Há quase consenso de que o vencedor terá de se moderar de igual forma. A Bolsa de São Paulo encerrou as transações de segunda feira numa alta espetacular da ordem dos 5%.

Preocupações maiores existem sobre a gestão do último trimestre deste ano e o orçamento federal do próximo ano, em virtude das ondas de choque que possam vir dos enormes gastos públicos.