Para quando a abolição real dos cativos?
O meu último artigo concluiu que a reforma cambial em Angola foi mais uma vez adiada, que o país continua a ter um regime de câmbio administrativo (fixo ou não livre) e que as divisas continuarão a ser alocadas através de métodos pouco transparentes e injustos. A concorrência entre os agentes económicos continuará a ser desigual e desleal. As empresas com padrinho na cozinha tenderão a ter uma estrutura de custos mais competitiva que as empresas sem padrinho. As famílias com padrinho na cozinha terão os seus rendimentos menos sacrificados que as famílias sem padrinho. As divisas continuarão a ser utilizadas para a especulação e também para o entesouramento no estrangeiro e nos garrafões em Angola. A fuga lícita e ilícita de capitais manterá o seu ritmo acelerado. O sector real não petrolífero continuará à mercê do que se passa no sector petrolífero.
Também concluí que, por mais regras que o BNA procure implementar para melhorar a política cambial, fundamentalmente a alocação/afectação de divisas, haverá sempre distorções. A gestão administrativa só tem sucesso num contexto de abundância de divisas (altos níveis de reservas internacionais). Na escassez apenas o mercado livre pode gerar eficiência. Aliás, já perdi a conta da quantidade de normas emitidas pelo BNA desde a nomeação do novo governador! Nem já durante a economia planificada, no tempo do Partido Único, se registou tanta intervenção ou regulamentação no mercado.
Foram vários aplausos para o BNA quando foi emitido o INSTRUTIVO Nº 05/2017, de 01 de dezembro, sobre POLÍTICA CAMBIAL. Através do mesmo, o BNA punha fim à obrigatoriedade de constituição de cativos na compra de moeda estrangeira. Será que isto mudou alguma coisa? Está a valer a pena? Infelizmente não, os cativos continuam a existir na prática.
A reclamação, até antes do instrutivo referido acima, era de que quando alguém solicitasse a compra de um certo montante em moeda estrangeira teria de ter a contrapartida em kwanzas cativa até que houvesse uma resposta por parte do banco ao fim de um certo período de tempo, pode ser um mês, dois, três, quatro, cinco, seis. E agora, deixou de ser? Não!
Depois do instrutivo, a única diferença é que a contrapartida em kwanzas não é cativa pelo banco, pode ser movimentada até mesmo via multicaixa. E é exactamente aqui onde reside o problema: movimentar a contrapartida em kwanzas antes da resposta do banco sobre a venda de moeda estrangeira equivale a renunciar o pedido feito ao banco. Ou seja, quando se solicita a compra de moeda estrangeira ao banco, não obstante a contrapartida em kwanzas não poder ser cativa pelo banco, o saldo do solicitante nunca pode estar abaixo da contrapartida requerida em kwanzas até que a resposta do banco tenha lugar. Continuamos na mesma.
Qual é a falha do INSTRUTIVO do BNA? Não ter fixado um prazo máximo para os bancos responderem aos que solicitam a compra de moeda estrangeira. O banco central tinha que fixar um tempo de até duas semanas, por exemplo. Sem isto, o que é que ocorre? Imaginemos alguém que solicite a venda de divisas para efeito de viagem. Como forma de se prevenir, esse indivíduo solicita a moeda estrangeira com dois meses de antecedência. Dali em diante, ele vai passando pelo balcão para saber se já existe uma resposta, enquanto a resposta não ocorre, ele não pode movimentar a contrapartida em kwanzas. A data de viagem é já amanhã, hoje vai ao banco e infelizmente ainda não houve resposta da área que aprova ao nível da sede e o funcionário do balcão diz: bem, o seu pedido não obteve resposta até agora, mas, como a sua viagem já está marcada para amanhã, o pedido cancela-se automaticamente e o senhor pode movimentar os kwanzas (a tal contrapartida) à vontade se quiser, até porque já não há mais cativo. Eu pergunto-me: é verdade isso? Não há zvmesmo cativo? E os dois meses aguardados em vão?!
A situação é mais grave ainda na medida em que existem famílias e empresas que aguardam por uma resposta durante três, quatro, cinco, seis meses, não movimentam a contrapartida em kwanzas enquanto aguardam e a resposta acaba sendo negativa ou até pior: o banco não se digna responder sequer. A situação não seria boa inclusive se a resposta viesse a ser positiva ao fim de um período tão longo. Já dizia o velho ditado: tempo é dinheiro. Quando o dinheiro (os kwanzas) fica muito tempo na conta à espera de uma resposta sem previsão de tempo, o custo de oportunidade do mesmo é elevadíssimo. O dinheiro perde um valor que não seria sequer recompensado pela taxa de juro do mercado, mas pior do que isso, tem sido um depósito a prazo sem juro.
Toda essa confusão faz parte da política cambial administrada que o BNA insiste em levar a cabo. O ideal, reitero, é deixar o mercado determinar livremente a taxa de câmbio para se ultrapassarem as distorções que a ingerência do regulador (BNA) tem gerado. Todavia, enquanto a gestão administrativa é a que vigora, a solução para o problema do cativo é o BNA emitir um INSTRUTIVO COMPLENTAR determinando os prazos de resposta dos bancos sempre que uma família ou empresa solicitar a compra de moeda estrangeira. Economista e investigador do CEIC
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