PIIM: entre a incerteza dos empresários e o optimismo do Governo
OBRAS PÚBLICAS. Empreiteiros queixam-se das dificuldades provocadas pela variação cambial, mas Finanças garantem a existência de regras gerais para a realização do reequilíbrio financeiro dos contratos.
Um ano depois de ter sido inaugurado o Programa Integrado de Intervenção nos Municípios (PIIM), sobram dúvidas quanto aos resultados e metas. Empreiteiros envolvidos na iniciativa de inspiração presidencial disseram ao VALOR que, até ao momento, não receberam mais do que 10% de ‘down-payment’ (pagamento inicial), o suficiente apenas para a organização de estaleiros e início de obras.
As queixas estendem-se a uma “certa burocracia” na alocação de verbas, o que se revela uma autêntica ‘dor de cabeça’, face à constante variação do câmbio. “O que se passa é que os contratos foram celebrados com o dólar a 350 kwanzas. Se a moeda perde peso todos os dias e hoje já roça os 800 kwanzas, já se pode imaginar os transtornos que isso representa para a nossa actividade”, afirmam operadores do PIIM no Moxico, província onde foi lançado o programa pelo Presidente da República.
O Ministério das Finanças (Minfin) diz que, “a seguir ao down-payment, os pagamentos são efectuados contra a entrega dos autos de medição”, ou seja, ressarcimento em função da avaliação do trabalho efectuado por metro quadrado.
E em relação aos transtornos causados pela desvalorização da moeda, as Finanças asseguram que “foram definidas as regras gerais para a realização do reequilíbrio financeiro dos contratos”. “De forma a atenuar os impactos negativos que a desvalorização do kwanza e a inflação poderiam causar à execução do Programa, foi aprovado o Decreto Executivo nº 167/20, de 27 de Maio, para a reposição do equilíbrio económico-financeiro dos contratos afectos ao PIIM”, responde o Ministério ao questionário do VALOR.
“Neste sentido, sendo a fonte de financiamento do PIIM, recursos em dólares descapitalizados do Fundo Soberano de Angola, foram definidas as regras gerais para a realização do reequilíbrio financeiro dos contratos. Assim, em caso de desequilíbrios financeiros que fundamentem os pedidos de alteração dos contratos públicos em vigor, e de forma a garantir a celeridade na execução do PIIM, as unidades orçamentais devem proceder nos seguintes termos: o reequilíbrio económico-financeiro dos contratos públicos devem atender aos aspectos concretos de cada contrato, em função das suas características e especificidades”, acrescenta o departamento gerido por Vera Daves.
O Minfin avisa às unidades orçamentais a atenderem “os aspectos concretos de cada contrato, em função das suas características e especificidades”. Para já “o reequilíbrio dos contratos deve ser feito, tendo em consideração o valor global do plafond de financiamento atribuído a cada unidade orçamental”.
“A moeda de referência para a execução dos contratos públicos, no âmbito do PIIM, é o kwanza”, logo, “não é permitida a indexação do valor dos contratos ou dos seus pagamentos a uma moeda externa, salvo excepções que resultem da avaliação das especificidades referidas nas Regras de Execução do OGE”, explicita o Governo.
Entretanto, vários observadores duvidam que o PIIM atinja os objectivos previstos “por ser uma iniciativa que apenas reedita acções do Programa de Investimentos Públicos (PIP)”. É o caso do economista Samuel Sequeira ‘Felino’, que considera o programa “bem concebido”, mas “por ter muitos intervenientes, na sua gestão, propicia o desvio de verbas”.
Felino cita, no entanto, o caso do Huambo para criticar as limitações do programa. “Há algumas acções em curso circunscritas às sedes municipais, mas, nas comunas, lamentavelmente, não há nada, observa, apelando para uma “rigorosa fiscalização”.
Sapalo António, outro economista é categórico: “De maneira nenhuma o programa vai resolver os problemas existentes nas comunidades, porque as administrações municipais sempre receberam dinheiro no quadro da descentralização do Estado e os resultados são praticamente nulos”.
Sapalo compara o PIP ao PIIM e aponta que este último “apenas surge na óptica da estratégia do MPLA de manipulação do cidadão menos atento”.
Um alto responsável do MPLA e que por isso não quer ser identificado também lança incertezas quanto à eficácia do programa “por conter as mesmas coisas que têm sido feitas em sede do PIP”. Além de que “muitas empresas que ganharam os concursos têm a ‘mão invisível’ de governantes, o que também não ajuda, numa altura em se pretende combater o enriquecimento ilícito”.
Insatisfeito com o rumo deste e de outros planos que têm sido gizados pelo Executivo, aconselha que “o melhor seria aplicar os recursos do PIIM na formação de competências para alavancar o desenvolvimento sustentável”.
Diz que “há problemas a jusante”, e que “não é pelo aumento de escolas ou de hospitais que teremos mais educação ou mais saúde”, observa, citando o caso de países avançados, como o Brasil e os EUA, que “anteciparam investimento no saneamento básico das cidades para conferir qualidade de vida aos cidadãos”.
CARTEIRA COM MAIS 1.600 PROJECTOS
As Finanças garantem que “o Executivo mantém a estratégia e os mais de 1.600 projectos inscritos na carteira do PIIM, sendo que mais de 700 já se encontram em execução física”.
O pelouro de Vera Daves não admite falhas no financiamento para a execução dos projectos do Plano. “Não obstante estarmos a enfrentar um ambiente socioeconómico desafiante, os recursos do PIIM estão assegurados”, afirmou a fonte, acrescentando que “o trabalho exaustivo que tem sido feito é no sentido de garantir o sucesso e a execução eficiente do plano”, além de que “todo o trabalho está a ser feito, em articulação com as administrações municipais e governos provinciais que estão ‘in loco’ a assegurar a sua prossecução”.
RISCO DE DUPLO FINANCIAMENTO
O Minfin garante igualmente que não haverá atropelos, como pagamentos duplos a obras já cabimentadas nos Investimentos Públicos e esclareceu a polémica obra do Kwanza-Sul: “Não foram feitos pagamentos duplos no Kwanza-Sul, no âmbito do PIIM. Os projectos em causa tiveram início em 2013. Entretanto, o Ministério das Finanças detectou uma execução acumulada registada superior aos valores contratados”.
Assim, “registando-se o pagamento integral do contrato, com a obra não concluída, não sendo as notas de fundamentação recebidas suficientes para chegar aos reais fundamentos que levaram à não conclusão da obra, foi solicitado pelo Ministério o apuramento dos factos, para a verificação de irregularidades às entidades competentes (IGF e Igae)”, explicam as Finanças. O Ministério acrescenta que “este exercício, dentre outros, é possível pelo acompanhamento fino à execução que tem sido desencadeado pelo Minfin, através da adopção de um modelo de execução financeira dos projectos do PIIM, semelhante ao modelo adoptado para a execução de projectos com financiamento de linhas de crédito externas, que permite um maior controlo de custos, onde os desvios poderão ser observados previamente, permitindo assim a adopção de medidas correctivas, ou de contingência”. Com base neste modelo, esclarecem as Finanças, “a seguir ao down-payment, os pagamentos são apenas efectuados contra a entrega dos autos de medição”.
GESTÃO COM 14 ENTIDADES
O PIIM é coordenado pelo ministro de Estado para a Coordenação Económica e integra os pelouros da Administração do Território, Interior, Economia e Planeamento, Agricultura e Pescas, Indústria e Comércio, Obras Públicas e Ordenamento do Território, Energia e Águas, Transportes, Saúde, Educação, Cultura Turismo e Ambiente, e Acção Social e Promoção da Mulher. Também fazem parte da comissão os secretários para o Sector Produtivo e para os Assuntos Económicos do Presidente da República.
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