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Prioridades para a Economia na covid-19

22 Jul. 2020 Opinião

Embora pareça algo antigo, não faz muito tempo que as economias do mundo inteiro começaram a fechar-se em resposta à pandemia covid-19. No início da crise, a maioria dos economistas antecipou uma rápida recuperação em forma de ‘V’, supondo que a economia apenas precisasse de um pequeno intervalo. Depois de dois meses de intensos e dedicados cuidados e muito dinheiro, continuaria de onde parou. 

Foi uma ideia atraente. Mas já estamos em Julho e a recuperação em forma de ‘V’ é provavelmente uma fantasia. É muito plausível que a economia pós-pandemia seja anémica, não apenas nos países que não conseguiram administrar a pandemia (especialmente os EUA), mas até mesmo naqueles que se deram bem. O Fundo Monetário Internacional projecta que, até o final de 2021, a economia global ficará muito pouco acima do que estava no final de 2019 e que as economias dos EUA e da Europa ainda vão estar cerca de 4% menores.

As perspectivas económicas actuais podem ser vistas em dois níveis. A macroeconomia explica-nos que os gastos vão cair devido ao enfraquecimento dos orçamentos das famílias e das empresas, uma onda de falências que irá destruir o capital organizacional e informacional e um forte comportamento de precaução induzido pela incerteza sobre o curso da pandemia e as respectivas respostas políticas. Ao mesmo tempo, a microeconomia ensina-nos que o vírus age como um imposto sobre actividades que exigem contacto humano próximo. Como tal, vai continuar a conduzir grandes mudanças nos padrões de consumo e produção, o que, por sua vez, trará uma transformação estrutural mais ampla.

Sabemos, tanto pela teoria económica quanto pela história, que os mercados por si só não conseguem gerenciar essa transição, especialmente considerando-se que foi altamente repentina. Não há uma maneira fácil de converter funcionários de companhias aéreas em utilizadores da Zoom. E mesmo que pudéssemos, os sectores que agora se expandem necessitam de muito menos mão-de-obra e muito mais de pessoal qualificado do que aqueles que suplantam.

Também sabemos que as amplas transformações estruturais tendem a criar um problema keynesiano tradicional, devido ao que os economistas chamam de “efeitos de renda e substituição”. Mesmo que os sectores sem contacto humano estejam em expansão, a reflectir melhorias na sua atracção relativa, o aumento de gastos associado vai ser superado pela diminuição nos gastos resultantes da queda de rendimento dos sestores em retracção.

Além disso, no caso da pandemia, haverá um terceiro efeito: o aumento da desigualdade. Como as máquinas não podem ser infectadas pelo vírus, aos empregadores, surgem relativamente mais atraentes, em particular, nos sectores contratantes que usam mão-de-obra relativamente não qualificada. E, como as pessoas de baixos rendimentos precisam gastar uma parcela maior do seu dinheiro em bens básicos do que aquelas que estão no topo, qualquer aumento na desigualdade causado pela automação será contraccionário. 

Além desses problemas, há mais duas razões para o pessimismo. Primeiro, embora a política monetária possa ajudar algumas empresas a lidar com restrições temporárias de liquidez – como ocorreu durante a Grande Recessão de 2008-09 – não pode resolver problemas de solvência, nem estimular a economia quando as taxas de juros já estão próximas do zero.

Além disso, nos EUA e em alguns outros países, objecções dos conservadores ao aumento de déficits e níveis de dívida impedem o estímulo fiscal necessário. Por certo, essas mesmas pessoas ficaram mais felizes em cortar impostos para bilionários e corporações em 2017, em socorrer Wall Street em 2008 e em ajudar os ‘gigantes’ corporativos este ano. Mas é coisa bem diferente prolongar o subsídio de desemprego, fomentar os cuidados à saúde e oferecer apoio adicional aos mais vulneráveis.

As prioridades de curto prazao têm sido claras desde o início da crise. Obviamente, as emergências de saúde devem ser tratadas (por exemplo, ao garantir suprimentos adequados de equipamentos de protecção individual e capacidade hospitalar), porque não pode haver recuperação económica até que o vírus seja contido. Ao mesmo tempo, políticas para proteger os mais necessitados, oferecer liquidez para evitar falências desnecessárias e manter vínculos entre trabalhadores e empresas são essenciais para garantir um rápido reinício quando chegar a hora.

Mas, mesmo com esses óbvios fundamentos na agenda, há escolhas difíceis que têm de ser feitas. Não deveríamos resgatar empresas – como o comerciantes retalhistas tradicionais – que já estavam em declínio antes da crise; fazer isso criaria apenas ruídos, limitando, em última análise, o dinamismo e o crescimento. Também não deveríamos resgatar empresas já demasiadamente endividadas para conseguirem suportar qualquer choque. A decisão da Reserva Federal dos EUA de apoiar o mercado de títulos em declínio com o seu programa de compra de activos é certamente um erro. De facto, esse é um caso em que o risco moral tem realmente uma relevante preocupação. Os governos não deveriam proteger empresas dos seus próprios desvarios.

Como é provável que a covid-19 permaneça connosco ainda por muito tempo, há espaço de sobra para garantir que os nossos gastos reflictam as nossas prioridades. Quando a pandemia chegou, a sociedade norte-americana já se encontrava devastada pelas desigualdades raciais e económicas, pelos padrões de saúde em declínio e por uma destrutiva dependência em combustíveis fósseis. Agora que os gastos do governo vão sendo desvinculados em grande escala, o público tem o direito de exigir que as empresas que recebem ajudas contribuam para a justiça social e racial, na melhoria da saúde e na mudança para uma economia mais verde e baseada no conhecimento. Esses valores deveriam reflectirem-se não apenas na maneira como alocamos dinheiro público, mas também nas condições que impomos aos seus destinatários.

Os gastos públicos bem direccionados, particularmente os investimentos na transição verde, podem ser oportunos, intensivos em mão-de-obra (ajudando a minimizar o problema do aumento do desemprego) e altamente estimulantes – proporcionando muitos custos-benefícios mais eficientes do que, digamos, os cortes de impostos. Não há razão económica para que países, incluindo os EUA, não possam adoptar grandes e sustentados programas de recuperação que os confirmem e os aproximem das sociedades a que pertencem.  

Prémio Nobel da Economia; professor na Universidade de Columbia (EUA), economista-chefe do Instituto Roosevelt e ex-vice presidente do Banco Mundial