Seguro funerário e a cultura bantu - divergências e convergências
Fui desafiado a produzir um artigo com este tema e julgo ser possível comparando e relacionando a doutrina de seguro sobre o produto funerário à filosofia antropológica bantu.
“Para o bantu, a morte não existe” é uma famosa frase comum na literacia filosófica africana: “o homem não morre, fenece”. Entendem ‘morrer’ como o “desaparecimento total” e ‘fenecer’ como a ‘ida para outra dimensão’. Mesmo a ‘ida para outra dimensão’ só é aceite com o pleno envelhecimento da pessoa. De contrário, nem doenças, nem acidentes ou falta de cuidados justificam a ‘ida a outra dimensão’ do africano. Daí que, em caso de morte, se procura sempre “um culpado” com fortes cargas e justificações supersticiosas, por isso, não se pode falar e prever a morte de alguém.
Mesmo que o cristianismo se imponha como prática legítima no domínio da concepção de morte e das tradições africanas, entre nós, às vezes, encontram-se desenraizadas e desarticuladas. O conceito de memória colectiva, na perspectiva da psicologia junguiana, defende a influência das civilizações passadas como aspectos gravados no inconsciente colectivo e que, portanto, vai, de certa forma, influenciar sempre na maneira de ser e de estar em sociedade.
O africano bantu é um ser finito, naturalmente, mas tem um forte sentimento e desejo de infinitude. Quer perpetuar em tudo: no cargo, na fama, no poder, no prazer, na liderança ... enfim, na vida. Por isso, é triste para o africano morrer sem deixar um filho, porque há um sentimento colectivo cultural de que o filho é a via de sua perpetuidade. Daí se justificam ‘os sistemas’ de sucessões nos nossos sobados, o nepotismo nas instituições e, às vezes, o forte desejo de ser substituído no poder político por um filho.
A cosmo-visão sobre o sentido da vida vs. a morte, na perspectiva da filosofia africana, sempre constitui um dos temas centrais de reflexão filosófica africana. Entre variados assuntos, fala-se, por exemplo, da crença na reencarnação pós-morte, mas não tem nada que ver com o conceito espírita de resgate cármico, castigo ou punição. Também não se enquadram nas ideias de evolução espiritual ou coisa semelhante. A pessoa sempre se reencarnará num descendente seu.
O outro lado da concepção africana, no âmbito da morte, é que o morto ainda nos pode ouvir, daí ser comum em nossos óbitos a expressão de palavras e sentimentos directamente dirigidos ao cadáver. Ele escuta e sente e pode influenciar na vida dos vivos. O africano procura dar o mais digno funeral possível, às vezes, mesmo com certa ostentação.
O seguro funerário garante, em caso de morte da pessoa segura, o apoio do serviço fúnebre e respectivos custos até ao limite do capital seguro.
Na perspectiva da indemnização, essa pode ser feita de duas maneiras: por meio da prestação de serviços relacionados com a realização de funeral ou por meio de reembolso das despesas de acordo com o que estiver estabelecido em contrato.
Normalmente, este seguro destina-se aos cidadãos residentes em Angola. O seguro pode ser contratado para uma ou mais pessoas ou família, retirando assim esse ónus financeiro das suas famílias ou entes queridos.
O nosso conceito de família, na prática, vai além do jurídico. Não se limita ao conjunto de pessoas vinculadas por relações familiares ao tomador do seguro (pessoa que contrata o seguro) resultantes de casamento ou de parentesco e de afinidade em linha recta, nomeadamente o cônjuge ou equiparado e ascendentes ou descendentes, ou adoptados. Estende-se até às pessoas que tenham relevância no domínio da amizade, da nossa história e vizinhança
No seguro funerário, a morte é o sinistro, mas em matéria de seguros não se pode falar de sinistro, sem antes se falar do risco, cuja previsibilidade e probabilidade devem ser um facto. Prever a morte de alguém, ainda que seja um aspecto natural, não se adequa à cultura africana, não se pode falar de morte...
O africano procura dar o mais digno funeral possível aos seus entes queridos. Este lado cultural seria a via de convergência, de aceitação e adequação do produto funerário à nossa realidade?
A maior vantagem do seguro funerário é poder viver as fases do luto sem ter de se preocupar com burocracias e desgastes financeiros.
JLo do lado errado da história