E agora pergunto eu...
Depois de várias semanas a falar do lixo, vou evitá-lo, até porque já basta o que está nas ruas aos montes, e focar na actualidade mundial na semana que passou, que foi marcada por diferentes reviravoltas do foro político, do foro económico que anda sempre atrelado ao político, e do foro jurídico e político (que acontece sobretudo quando se mistura política e justiça, duas esferas que pede a higiene que se mantenham bem separadas).
A reviravolta mais relevante, e que é do foro político e económico, será provavelmente a notícia de que Joe Biden, o presidente dos EUA, finalmente vai pôr um fim à guerra no Afeganistão que conta vinte anos. A mais longa guerra em que o país alguma vez se envolveu. Obama tentou e desconseguiu, mas Biden quer começar a retirar tropas em Maio.
Um ponto final em duas décadas de presença americana e da Nato, que geralmente segue as deixas da nação mais poderosa do mundo, significa que perto de 10 mil tropas vão desmobilizar duma guerra que custou nada menos do que dois triliões de USD aos EUA, 12 zeros que explicam os tais interesses políticos que andam de braço dado com os económicos. Depois de gastarem rios de dinheiro e causarem mais de 40 mil mortos, poucos ganhos têm os investidores na guerra para mostrar, já que o objectivo de combater a Al Qaeda parece ter até ter aumentado o domínio terrorista na região.
A decisão é um desafazer da política belicista, mas que pode levar a perguntar “para onde se vão deslocar esses interesses a seguir se dali já não saem mais contratos?” Esperemos não ver novas guerras no horizonte...
Saindo dos EUA mais para Sul, no Brasil, Lula da Silva, depois de passar 580 dias na prisão, viu anuladas todas as acusações que lhe fizeram e, esta semana, o tribunal rejeitou o apelo da procuradoria contra a anulação. Sérgio Moro, que Lula descreveu como o canalha que o julgou, escreveu no Twitter que não responde a criminosos presos ou soltos, no entanto, o que fica de facto da saga de Lula, mais do que se é criminoso ou não, é que as acusações colaram por motivações políticas e que não havia provas concretas da corrupção de que Lula era acusado. Moral da história: não se acusa sem provas. E, por causa disso, Lula pode agora concorrer novamente à presidência da República e provavelmente vai ganhar se concorrer numa reviravolta bem de novela.
Mudando de continente, em Portugal, na semana toda, foi de roda-viva em torno do veredicto do juiz que ilibou o antigo primeiro-ministro José Sócrates de crimes de corrupção num processo gigantesco com vários actores e com mais de 180 alegados crimes financeiros e que se arrastava há vários anos (de tal ordem que alguns dos crimes prescreveram).
Já há uma petição contra o juiz porque não condenou Sócrates, mas novamente a moral da história é quenão se acusa sem provas. Fica sobretudo um balde de água fria na acusação e nos acusadores que operam na lógica do “é obvio que ele é malandro, vê-se que ele é malandro, vamos acusar que há-de pegar” que se tornou moda.
É por isso que a justiça deve ser cega e operar dentro de normas, acusar com provas e não com base no que acha que vê nas aparências, e na capacidade de pressionar para uma condenação. “Tem vida de rico só pode ser malandro”... Pode ser, mas a justiça só é justa quando julga com provas.
De resto, o facto de apesar da pressão da opinião pública para condenar, o juiz ter tido a força de dizer “não tenho provas, não tenho condições de condenar” diz muito da independência e maturidade da justiça portuguesa. E agora pergunto eu, em Angola, que juiz iria contra as pressões que vêm de todos os lados? Que vêm da opinião pública, muitas vezes, influenciável ou inquinada e sobretudo do poder político? Que juiz iria contra o próprio presidente que usa os casos de corrupção para cumprir a sua agenda populista?
Com assinaturas de Bruce Lee pelo meio, as acusações contra os que o poder político decidiu que podem ser acusados de corrupção (porque há os que não podem) têm provas concretas ou operam na base do vamos acusar que há-de pegar?
As reviravoltas acontecem. Mas enquanto não acontecem, esses julgamentos com base em acusações sem provas têm custos. Alguns mais visíveis da própria estrutura de justiça e outros como o pagamento de hackers e de espiões. Mas há outros custos não tão visíveis, mas provavelmente mais caros como a destruição de empresas e de milhares de empregos enquanto as acusações se arrastam... Sobre isto e já depois de esta opinião ir para o ar, li o texto condoído do jornalista veterano William Tonet, que narra o suicídio de um dos profissionais do banco Xikila (fechado pelo Governo), pai de família, formado fora, com bolsa da nossa Sonangol, num desperdício doloroso e perda irreparável para a família.
As reviravoltas acontecem, mas enquanto não acontecem espalham muita desgraça. Quanto for altura de se ajustarem todas essas contas, quem terá perdido mais? Os acusados? Quem acusa? Ou o país?
O juiz do caso Sócrates disse que o processo que avaliou provocou grande ressonância na comunidade, com julgamento rápido e fácil, com vastos prejuízos para a investigação e criticou, sobretudo, a “onda de populismo, muito comum nos tempos de correm”.
O aproveitamento e incitação a esse populismo são sempre sinal de retrocesso civilizacional. O mesmo populismo que foi incentivado para, por exemplo, levar populares a quase apedrejar o carro em que seguia o agora recuperado Norberto Garcia, quando foi acusado de corrupção num desses processos com provas duvidosas, e que viu a sua reputação ser linchada em público por esse “julgamento fácil”, é o mesmo populismo que leva à violência que expulsou o representante do CNJ da manifestação contra os preços das propinas em Luanda. Ese não fossem seguranças e afins, colocado frente a hordas de populares picados pelo populismo do “se é rico, é malandro”, qualquer um dos nossos governantes poderia estar exposto à violência. Populismo é sempre mau, e políticos que o manejam e que se aproveitam dele, geralmente, são piores.
E a reviravoltas, querido leitor, não faltam exemplos, podem tardar, mas acontecem.
JLo do lado errado da história