Três chaves para uma África do Sul
Jacob Zuma renunciou ao cargo de presidente da África do Sul – uma decisão inevitável, após a retirada do apoio do Congresso Nacional Africano (ANC, sigla em inglês). Duas décadas antes, Nelson Mandela tentou - e falhou - passar a presidência do partido para Cyril Ramaphosa, o ex-vice-presidente e actual chefe do ANC, para se tornar líder da África do Sul. Hoje, os desafios que Ramaphosa enfrenta são quase tão assustadores quanto os que Mandela enfrentou ao erguer o país das ruínas do ‘apartheid’.
Há quase um quarto de século, quatro anos depois de Mandela ter sido libertado da prisão, os sul-africanos celebraram o nascimento de um Estado inclusivo e constitucional. Durante o mandato de Zuma, no entanto, essa euforia evaporou-se. Entre alegações de corrupção endémica, descidas de ‘ratings’, apodrecimento corporativo e aprofundamento do mal-estar entre as empresas estatais, a posição regional e internacional da África do Sul ficou mais enfraquecida.
Para muitos, Ramaphosa representa um retorno à força nacional. Prometeu restaurar a credibilidade na gestão dos assuntos da África do Sul e revigorar os valores da inclusão democrática. Os gestos simples, como iniciar reuniões a horas, são abordagens bem mais distante das de Zuma. Mas retornar a prestação de contas e a boa governação para a África do Sul exige muito mais do que pontualidade. Três áreas-chave precisam de uma atenção urgente se o actual líder do país quiser traçar um novo percurso.
O primeiro desafio, o de restabelecer a fé no Estado de Direito, pode ser o mais difícil de se alcançar. A ‘captura’ das empresas da Zuma, a Autoridade Nacional de Fiscalização e as nomeações do gabinete são dominadas por redes de influências duras de desembaraçar e que levarão tempo. Mas restaurar a confiança pública nessas instituições vitais deve ser uma prioridade.
Em segundo lugar, o governo de Ramaphosa precisa de avançar rapidamente para reformar o relacionamento do Estado com as empresas públicas. Zuma tratou esses negócios como veículos para os seus ganhos pessoais e a sua má gestão prejudicou o crescimento económico e o desenvolvimento. Uma economia caracterizada pela pobreza, desigualdade e desemprego nunca se recuperará se os condutores da riqueza não estiverem efectivamente a operar.
Por exemplo, a mineração continua a ser um contribuinte significativo para a economia sul-africana. Se for gerido correctamente, o sector poderá ser uma alavanca poderosa para suportar o crescimento da indústria. A África do Sul tem alguns dos maiores depósitos de crómio e manganês do mundo, minerais essenciais para o fabrico de veículos eléctricos, turbinas eólicas e outros componentes da chamada Quarta Revolução Industrial.
Infelizmente, porque o governo de Zuma usou a riqueza destes recursos redistribuindo minas para clientes leais, a confiança entre o sector de mineração e o Estado é inexistente. E a única maneira de restaurá-la - e, assim, aumentar a exploração e a produção - será a revisão da legislação e da regulamentação para assegurar uma maior protecção dos interesses da indústria.
Restaurar a confiança e a responsabilidade no ambiente de negócios atrai investimentos, cria empregos, enche os cofres do Estado e melhora a redistribuição, especialmente para aqueles para quem as perspectivas de emprego continuam a ser limitadas. Este ponto é a chave. Nos últimos anos, os programas de assistência social da África do Sul foram ameaçados pela má governação e pela má gestão e só podem ser reformados se o crescimento económico for restabelecido.
Finalmente, Ramaphosa vai precisar de investir fortemente no sistema educação da África do Sul, um sector que Zuma negligenciou. Um bom lugar para começar seria com a educação infantil, em que os gastos, muitas vezes, produzem altas recompensas a longo prazo. Com uma taxa de desemprego juvenil actualmente a escalar os 39%, colocar mais jovens no trabalho exige repensar como as gerações futuras serão treinadas.
A África do Sul é um país pequeno, mas com uma liderança reformista pode reassumir o papel regional de ser uma potência económica e política. Na verdade, este pode ser o momento ideal para fazer mudanças no topo. Grande parte da África está a passar por mudanças semelhantes, o que pode trazer novas oportunidades para a cooperação económica. No vizinho Zimbabwe, por exemplo, o fim da má governação de Robert Mugabe pode reavivar o crescimento não apenas dos recursos naturais, mas também dos produtos, serviços e comércio.
Enquanto a África do Sul navega na sua própria transição presidencial, o país deve redefinir o seu papel no panorama geopolítico em evolução. Para fazer isso, deve reafirmar-se como um actor influente, ao mesmo tempo que procura alcançar uma estratégia de investimento mais dinâmica, efectiva e integrada. A diplomacia forte e o alcance de metas comerciais serão essenciais, e os líderes da África do Sul devem abraçar e integrar associações de clubes económicos, como o grupo BRICS de grandes economias emergentes (que também inclui o Brasil, a Rússia, a Índia e a China).
Os sul-africanos estão prontos para as novas lideranças. Mas para alcançar um futuro definido pelo pleno emprego, justiça social, governação forte e credibilidade internacional - a era que Mandela representou - Ramaphosa precisará retornar o caminho a partir do qual Zuma se desviou tão flagrantemente.
Presidente Instituto Sul-Africano de Assuntos Internacionais.
JLo do lado errado da história