Uma fábrica de inimigos
No mesmo dia (21 de Setembro) em que Manuel Homem, governador e primeiro secretário do MPLA em Luanda, organizava, no parque Heróis de Chaves, uma almoçarada-dançante com o propósito de reunir os ditos “históricos” do Partido, os “tonton macoute”, uma milícia digital ao serviço de vários e difusos interesses no interior da organização, acrescentava à sua lista de “inimigos” mais duas entidades: a) Ordem dos Advogados Angolanos, porque ousou requerer ao Tribunal Constitucional a fiscalização abstracta sucessiva da constitucionalidade da Lei dos Crimes de Vandalismo de Bens e Serviços Públicos; e b) Rui Falcão, até há poucos meses secretário para a Informação e Propaganda do Bureau Político do MPLA.
A “ousadia” da Ordem custou-lhe da parte do Ti Metade, um tonton macoute que insiste num esquisito pseudónimo, não obstante já ser público que o seu nome de registo é António e Silva Liberal, a acusação de que estaria a perseguir fins políticos. Moço de recados no Gabinete de Acção Psicológica, chefiado por Norberto Garcia, António e Silva Liberal diz que a Ordem dos Advogados Angolanos estaria a “defender as posições do seu partido a UNITA”.
Num ápice, José Luís Domingos, Benja Satula, Margareth Nanga, Bangula Quemba, Carlota Cambenji, Eduardo Afonso e milhares de outros profissionais que se revêm na OAA foram “filiados” à UNITA apenas porque ousaram questionar uma lei que periga direitos protegidos pela Constituição da República de Angola, nomeadamente os direitos de manifestação, de greve e outros.
Na fiscalização abstracta sucessiva impetrada ao Tribunal Constitucional, a OAA sustenta que, nos termos em que foi aprovada pela Assembleia Nacional, a Lei de Vandalismo de Bens e Serviços Públicos “viola os princípios constitucionais, da dignidade da pessoa humana, da humanização das penas, da proibição do excesso, da necessidade, do direito penal do facto, da justiça e da culpa, da prevenção geral e especial positiva, da ressocialização dos reclusos, da segurança e certeza jurídicas e do direito à greve”.
Resumidamente, concluem os impetrantes, “é a totalidade da lei que é inconstitucional e é isso que se requer a priori”.
A aleivosia do Ti Metade, aliás, António e Silva Liberal, foi encorajada pelo discurso do Presidente João Lourenço que, no passado dia 26 de Agosto, na abertura da reunião nacional dos Comités de Acção do MPLA, associou a UNITA a actos de vandalismo em Angola.
“(...) os milhares de Comités de Acção do Partido são as bases da sua sustentação [do MPLA] contra as tempestades criadas pelos nossos adversários, que não fazendo oposição, encorajam e fomentam a desordem, organizam e lideram a subversão, como ficou evidente agora na aprovação da lei contra a vandalização dos bens públicos, tendo ficado provado o que já era evidente, que estão por detrás destas práticas antissociais e criminosas.”
Como se sabe, o Presidente do MPLA não se socorreu de uma única evidência que associe a UNITA a actos de vandalismo.
Nesse mesmo dia, e num outro palco, financiado pela Presidência da República, Rui Falcão era associado à já extensa lista de personalidades com as quais o MPLA se indispôs.
O mote do brutal e inesperado ataque àquele que, pouco depois das eleições de 2022, disse a plenos pulmões que o MPLA teria pela frente mais de 70 anos de governação do país, foi uma crítica que Rui Falcão ousou fazer ao “Chefe” pela falta de mangas no dito aeroporto internacional da Catumbela.
“Rui Falcão fez em Benguela e no Namibe uma fortuna só possível através do saque, tem uma fazenda no Sul, com criação de cavalos, só havendo paralelo nas Arábias. Não tivessem saqueado o Erário Público e não haveria problemas nas mangas dos aeroportos, porque é em política altamente redutor, acusar o Senhor Presidente da República, por falhas de toda uma cadeia de responsáveis onde pode incluir-se o senhor Rui Falcão.”
Que Rui Falcão fez parte da gangue que saqueou alegre e prolongadamente o país não há lugar à qualquer discussão.
O problema está em que é também “altamente redutor” acusar o actual ministro da Juventude e Desportos “por falhas de toda “uma cadeia de responsáveis onde pode incluir-se o senhor” João Lourenço.
Aliás, em entrevista que concedeu em Fevereiro de 2020 à rádio estatal alemã DW, o Presidente João Lourenço assumiu, honestamente, a sua parte no saque de Angola.
"Todos nós fizemos parte do sistema" (...) ninguém pode dizer que não fazia parte do sistema", disse.
Nessa entrevista, João Lourenço reivindicou para si condições para estancar o saque e outros males que varrem Angola.
"Quem fez as grandes mudanças não são pessoas de fora, são as que conhecem o sistema", afirmou, acrescentando que “somos nós, do partido que sempre governou o país, que estamos a fazer as reformas que eram absolutamente necessárias que fossem feitas".
Geralmente imberbes e incultos, os tonton macoute tropeçam, frequentemente em declarações e actos daqueles que pretendem defender.
Quando disse na entrevista à DW que fez parte do sistema que delapidou o país, João Lourenço assumiu, com louvável honestidade, que foi tão saqueador do erário quanto Rui Falcão, Higino Carneiro, Dino Matross, Nandó e outros que o sistema agora decidiu “cancelar”.
Através de várias células de tonton macoute, que se manifestam por via de quase todas as plataformas digitais, percebe-se que o MPLA hoje se transformou numa verdadeira fábrica de inimigos. Sem quaisquer razões sustentáveis, a ala lourencista do MPLA vê inimigos em jornalistas, fazedores de opinião, advogados e até em ex-dirigentes com provas dadas de entrega e dedicação ao partido.
Por este andar, quando chegar ao congresso extraordinário de Dezembro, o MPLA será um monte de cacos impossíveis de juntar.
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