Uma nova política de eficiência energética 'fresca'

06 Oct. 2020 Opinião

Os ares condicionados (AC) podem estar a refrescar-nos, mas estão a ‘cozinhar’ o nosso planeta. Em todo o mundo, os países experimentaram temperaturas abrasadoras. Agosto deste ano foi o segundo mês mais quente registado até à data. O aquecimento global e as ondas de calor mais intensas no verão, juntamente com o aumento da urbanização e o aumento dos rendimentos, estão a levar a um crescimento dramático na procura por aparelhos de AC. A Agência Internacional de Energia (IEA) prevê que o número de AC a funcionar, a nível mundial, aumentará de 1,6 mil milhões, hoje, para 5,6 mil milhões, até 2050. Nos próximos 30 anos, dez aparelhos de ar condicionado serão vendidos a cada segundo.

Os ares condicionados contribuem significativamente para as emissões de gases com efeito de estufa que alimentam as alterações climáticas, tanto directamente, devido aos fluidos refrigerantes à base de hidrofluorocarbono (HFC), como indirectamente, dada a energia que consomem. Um relatório recente da IEA e do Programa das Nações Unidas para o Ambiente destaca a ameaça, descrevendo-a como “uma das questões climáticas e de desenvolvimento mais críticas e frequentemente negligenciadas dos nossos tempos”.

A Emenda Kigali de 2016 do Protocolo de Montreal sobre as Substâncias que Empobrecem a Camada de Ozono visa reduzir a produção e o consumo de HFC em mais de 80%, até 2047. Se for implementada, poderá evitar 0,4 °C de aquecimento global neste século. Mas, embora a Emenda Kigali forneça um caminho para lidar com os fluidos refrigerantes, o mundo tem agora de enfrentar o problema da intensidade de energia dos ares condicionados.

A maioria dos aparelhos de AC que é vendida actualmente é duas a três vezes menos eficiente do que os melhores produtos disponíveis no mercado. Isto ocorre, em grande parte, porque os consumidores compram os aparelhos com o preço mais baixo, com pouco ou nenhum conhecimento das implicações dos custos referentes à vida útil das respectivas compras. A IEA estima que difundir amplamente os ares condicionados mais eficientes do mercado nos dias de hoje poderia reduzir a procura por energia de refrigeração para a metade.

Embora a indústria de AC precise de continuar a tornar os aparelhos mais eficientes, podemos e devemos tomar medidas para impulsionar a adopção dos melhores produtos já disponíveis. Isso significa mudar a maneira como tratamos a questão da eficiência, o que, por sua vez, exigirá que os governantes e a indústria se unam e mostrem uma liderança ousada.

Uma forma de aumentar a eficiência energética é através de políticas de intervenção, especificamente em relação aos padrões mínimos de desempenho energético (MEP). Actualmente, os MEP são definidos um pouco acima do nível dos produtos de AC de pior desempenho, a fim de mantê-los fora do mercado e fornecer alguma protecção aos consumidores.

Mas com o crescimento do mercado a acelerar, os governantes deveriam, em vez disso, definir MEP com referência aos melhores produtos comercialmente disponíveis – o que significa que os MEP estariam logo abaixo do limite máximo da tecnologia, em vez de estarem apenas acima do mínimo da tecnologia.

Esta mudança significativa não protegeria apenas os consumidores; também reduziria consideravelmente os custos referentes à vida útil em matéria de propriedade e funcionamento dos aparelhos de ar condicionado. Ao mesmo tempo, ainda permitiria espaço suficiente para a concorrência de produtos, reduzindo assim o preço de compra de aparelhos mais eficientes.

Tal política poderia copiar e basear-se no programa Top Runner do Japão, lançado em 1999, que efectivamente faz avançar o mercado de AC do país, ao mesmo tempo que proporciona poupanças de energia e redução dos custos referentes à vida útil. O esquema incentiva os consumidores a comprar os aparelhos disponíveis com melhor desempenho através de um programa de rotulagem, que, por sua vez, aumenta as economias de escala e reduz os custos. E ao exigir do mercado tecnologias de AC mais eficientes, o Top Runner também reforça a confiança do investidor.

Atingir a eficiência máxima dessa forma em todo o mundo diminuiria os custos referentes à vida útil, para os consumidores que possuem um aparelho de AC, por um factor de dois a três e eliminaria a necessidade de mais de 1.300 gigawatts de capacidade de geração de electricidade a nível mundial. Também evitaria entre 157 a 345 gigatoneladas de emissões de dióxido de carbono ao longo das próximas quatro décadas.

O estabelecimento de políticas baseadas nos melhores produtos de AC comercialmente disponíveis, em vez dos mais comummente vendidos, evitaria as emissões, reduziria os gastos do governo na geração de energia e economizaria o dinheiro dos consumidores, ao mesmo tempo que continuaria a incentivar o mercado a desenvolver produtos de melhor desempenho.

Melhor ainda, tal mudança de política prepararia o mercado para os produtos de AC com um potencial de eficiência ainda maior, que já estão no horizonte. Em 2018, uma coligação internacional lançou o Global Cooling Prize para identificar um ar condicionado residencial que use muito menos energia e contenha fluidos refrigerantes com pouco ou nenhum efeito no clima.

Oito equipas desenvolveram tecnologias que potencialmente poderiam ter cinco vezes menos impacto climático do que os aparelhos de AC padrão que existem actualmente no mercado. Após a fase de testes, um vencedor receberá um prémio de um milhão de euros em Março de 2021 pela sua solução de refrigeração inovadora.

A escalada global de tal tecnologia de refrigeração poderia poupar aos consumidores um bilião de dólares em custos operacionais nos próximos 30 anos e evitar até 0,5 °C de aquecimento até ao final do século. E isso inclui apenas o sector residencial.

Uma única mudança na nossa abordagem para a eficiência energética pode permitir que mais pessoas ao redor do mundo se sintam frescas, pode beneficiar os consumidores e nivelar a curva relacionada com a procura e emissões de energia relacionadas com a refrigeração. Se quisermos AC favoráveis ao clima, precisamos de dar um salto em direcção ao limite máximo da tecnologia.