Juristas divergem sobre proposta de revisão da CRA
constituição. Associação dos Juristas de Angola, denuncia pretensão uma verdadeira desestruturação do sistema judicial. Juristas consultados pelo VALOR defendem, por um lado, que os juízes não podem ser minimizados e que o poder judicial pode ser fragilizado, enquanto, por outro, que a proposta de revisão da Constituição “não ofende o Estado de direito”.
Ao retirar a soberania, os juízes são transformados em funcionários públicos, sujeitos a ordens e instruções superiores. Este é o entendimento de Tatiana Aço, vice-presidente da Associação dos Juristas de Angola (AJA), que insiste em contestar a proposta de revisão da Constituição, no que ao poder judicial diz respeito.
Em reacção à proposta da revisão constitucional apresentada pelo Presidente da República, a AJA classificou a iniciativa de “vergonhoso recúo do Estado democrático”. O ponto da discórdia está nas alterações do capítulo sobre o Poder Judicial e, numa nota, a AJA repudia a ideia e afirma que foi com preocupação que os membros tomaram contacto com as alterações sobre o Poder Judicial.
Para os juízes, a pretensão de se introduzirem novos números visam uma verdadeira desestruturação do sistema judicial.
“Já imaginou um juíz que está sujeito a ordens e instruções superiores, e perante estas, o ordenante pode ter um entendimento discricionário, que é uma margem que resulta da lei, o que pode dar lugar ao enfraquecimento do poder judicial”, justificou Tatiana Aço, que acrescenta que é de extrema importância que a sociedade entenda as razões do repúdio dos magistrados.
O jurista Manuel Pinheiro concorda com a posição defendida pela AJA e reforça que “os juízes não podem ser minimizados”.
“Do ponto de vista jurídico-constitucional, os juízes não podem deixar de ser órgão de soberania”, reitera, comparando, por um lado, que se os comandantes militares – o Exército – defendem o país do ponto de vista territorial, por outro, os juízes defendem-no do ponto de vista do direito”. O que quer dizer, prossegue o jurista, entre o Direito e o Exército, “os tribunais estão em primeiro lugar”.
Opinião diferente tem o jurista Albano Pedro, que explica que “o único órgão que pode limitar a iniciativa do Presidente da República de revisar a Constituição é a própria CRA. O também académico acrescenta que uma mera iniciativa “não deve ser confundida com a lei de revisão constitucional” que merece a aprovação da Assembleia Nacional. “Parece-me que, neste aspecto, o Presidente cumpriu com todos os formalismos que a Constituição manda. Trata-se de uma mera proposta que vai ser discutida e ter um formato final. Só depois de aprovada é que poderão colocar as questões que se impuserem”, defende.
A proposta de revisão da Constituição feita por João Lourenço, segundo Albano Pedro, ao contrário do que ‘sugere’ a AJA, “não ofende o Estado de direito”. “O PR cumpriu o limite relativo ao formalismo, uma vez que a Constituição diz que a proposta de alteração pode ser feita pelos deputados ou pelo Presidente da República, ele tem competência para o fazer, e fê-lo. Não me parece, entre os vários aspectos previstos na Constituição, que esta questão reivindicada pelos juízes esteja nos limites materiais”, explica Pedro, reiterando que “a ideia agora é que os juízes deixem de ter protecção soberana como tinham anteriormente”.
[Os juízes] eram intocáveis, não podiam ser incriminados por uma ou outra razão. Doravante, já não são os juízes os protegidos, mas sim a decisão que eles tomam é que passa a ser soberana”, remata.
PROPOSTA APROVADA
A proposta de revisão pontual da Constituição da República já foi aprovada na quinta-feira (18), na generalidade, e passou com 157 votos a favor do MPLA, da Casa-CE, do PRS e FNLA. A Unita e os deputados independentes abstiveram-se.
Na apresentação da proposta de revisão pontual da Constituição da República de Angola, por solicitação, no início deste mês, do Presidente Lourenço, o chefe da Casa Civil do PR afastou a intenção de se adiarem as eleições gerais de 2022.
Adão de Almeida frisou que a proposta não prevê aumentar os poderes constitucionais do Presidente da República, tão-pouco estender o seu mandato.
Nas declarações de voto, o presidente do grupo parlamentar do MPLA, disse que, com o voto de abstenção, que para a sua bancada parlamentar significa um voto contra, “tendo em conta a dimensão do assunto, que é a lei mãe, que não satisfaz nenhum partido político, mas toda a nação e todas as instituições”, a Unita “demonstrou claramente aos angolanos que é um partido que parece não honrar a sua palavra”.
Américo Kuononoka referiu que nenhuma Constituição é perfeita, mas também não existem constituições erradas, considerando que a lei angolana “deve ser uma das melhores do mundo”.
O líder do grupo parlamentar da Unita, Liberty Chiaka, criticou que a proposta de revisão constitucional não tenha sido antecedida de uma ampla auscultação da sociedade e das organizações políticas mais representativas.
A proposta de revisão Constitucional da República de Angola foi submetida à Comissão de Assuntos Constitucionais e Jurídicos da Assembleia Nacional, para a elaboração do Projecto de Lei de Revisão Constitucional para discussão na especialidade e aprovação em plenária.
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