O que faz da China um concorrente internacional temido?
Dois dos aspectos mais marcantes e, simultaneamente, mais controversos das reflexões e estudos sobre a China são “até aonde podem ir nas suas dinâmicas de crescimento” e “o seu modelo político-económico é um novo paradigma de desenvolvimento”?
Do ponto de vista histórico, o crescimento da economia chinesa, nas quatro últimas décadas, foi simplesmente estonteante (uma média anual de 9,5% em termos líquidos (expurgado o crescimento demográfico) e a duplicação do rendimento médio a cada sete anos), possibilitando a declaração oficial da extinção da pobreza extrema no país, em 2020, e a criação de uma classe média que tem catapultado o consumo privado para níveis nunca antes atingidos. Esta circunstância contribuiu para a introdução de ajustamentos no modelo de crescimento, com a consideração do mercado interno e da sua transformação qualitativa num factor endógeno do seu crescimento económico, reduzindo-se, assim, a dependência do mercado externo de exportações. Aproveitando-se das sinergias que tal modelo consente entre diferentes sectores de actividade, em especial agricultura e indústria, os programas de política económica centraram-se nestas dinâmicas de criação interna de valores agregados, numa espécie de ‘clusters’ de Michael Porter, onde se maximizam as vantagens comparativas resultantes de uma integração (vertical ou horizontal) de sectores de actividade com determinadas afinidades.
Mesmo em situações anormais de funcionamento da economia chinesa – porque também inserida na economia-mundo planetária, sofre das situações relacionadas com as fases descendentes dos ciclos económicos – como no recente caso da covid19, as suas dinâmicas, ainda que desacelerem em certos períodos, recuperam rapidamente. Que razões estiveram e estão na base desta extraordinária capacidade de lidar com determinados infortúnios e converter as políticas públicas de intervenção em efectivos factores de aceleração sistemática do Produto Interno Bruto? As reformas económicas e sociais permanentes, focadas e implementadas com autoritarismo e autoridade, podem ser uma explicação. No mesmo sentido podem invocar-se as revoluções científicas e tecnológicas, que colocam, neste momento, a China como um dos líderes mundiais da investigação e pesquisa científica, em especial nos domínios das novas tecnologias de informação, na pesquisa médica e farmacológica e na investigação de novos equipamentos de produção de elevado valor de produtividade. Num ambiente generalizado de pandemia da covid19 a nível planetário, a China fintou a recessão mundial, conseguiu limitar os efeitos de contágio e proteger a sua economia. As reformas económicas permanentes e os poderosos investimentos em infra-estruturas e em pesquisa de transformação tecnológica, ajudaram a conviver com a crise pandémica da melhor maneira possível. Entre todas as mais importantes economias do mundo, a China foi a única a apresentar uma taxa de crescimento positiva em 2020, e estimada pelo Fundo Monetário Internacional em 2,3% (World Economic Outlook, October 2021). Mas não foi este o único episódio de contraciclo mundial protagonizado pela China. Numa aliança entre grupos dentro do Partido Comunista Chinês a partir de 1989, contribuiu para se estabilizarem as reformas políticas e económicas e contrariar os efeitos da grande recessão mundial entre 2007 e 2009. Uma vez mais, a crise económica e financeira passou ao lado do gigante asiático, sendo, no final do dia, estes factos e evidências que levam a considerar o modelo chinês como um paradigma para muitas economias ainda em patamares muito insignificantes e periclitantes de transformações económicas, sociais e políticas na direcção de desenvolvimento económicos mais sustentáveis e amigos das populações.
Estas alianças, estratégicas ou de circunstância, dentro do maior partido político do mundo, levaram, de certa maneira, a politizar e a ideologizar as modalidades do seu crescimento económico (a maior influência do Partido Comunista Chinês sobre a economia do país tem levado as suas lideranças a considerarem como mais importantes as empresas públicas do que as empresas privadas para a configuração da estrutura produtiva.
A integração da China na logística das grandes empresas internacionais foi decisiva para a integração e convergência da economia chinesa com as maiores economias do planeta, como a da Alemanha, Estados Unidos e França. Talvez resida aqui o essencial dos receios de muitas economias quanto à possibilidade de poderem ser “canibalizadas” pelo gigante asiático, em especial economias fragilizadas e sem grande apetência e capacidade de inovação. Com efeito, a inovação e de acordo com trabalhos de alguns prémios Nobel de Economia (Paul Rommer, Robert Lucas e mesmo Robert Solow), a investigação e a inovação passaram a ser incorporados da função de produção global como factores de produção de elevados retornos à escala. Portanto, as prioridades que a China concedeu e tem concedido às investigação e à permanente melhoria dos componentes do seu capital humano ajudam a compreender as causas dos seus progressos e os receios que a maior parte das economias altamente desenvolvidas sente quanto à ameaça chinesa à sua supremacia.
De acordo com o Global Innovation Index 2021, a China é o 12.º país com o maior número de inovações em 2020, apresentando uma base estrutural altamente desenvolvida para que as inovações se multipliquem e melhorem de qualidade a cada ano que passa. A China está à frente de países como o Japão, o Canadá, a Áustria, a Noruega, Portugal e Espanha. A maior parte dos países africanos sai muito mal nesta fotografia da inovação mundial e na parte ao Sul do Sara apenas se salvam a África do Sul (61.º) e Cabo Verde (89.º). Os tradicionais parceiros da China estão localizados depois da posição 100, ocupando Angola (detentora da maior dívida pública externa face a este país) o último lugar da lista (132.º). Será este um domínio de aprofundamento das relações políticas e económicas entre a África subsariana e a China, ou, pelo contrário, um elemento de aprofundamento das desigualdades entre o sub-continente africano e o poderoso Império do Meio? Como sublinhado atrás, a inovação é um poderoso factor de crescimento e de difusão do desenvolvimento, que, provavelmente, os países devem guardar para si. É conhecida a enorme competitividade em torno das inovações, levando mesmo alguns países à prática da espionagem industrial”. Provavelmente então a cooperação terá de se confinar ao estabelecimento das condições estruturais para facilitar o acontecer das inovações, e uma delas é a educação.
É interessante a posição oficial sobre o modelo de desenvolvimento da China. No artigo do Embaixador da China em Angola a propósito da comemoração dos 70 anos da República Popular da China (Semanário Valor Económico de 28 de Setembro de 2021), onde, a dada altura do texto se lê “… são também medidas importantes que atendem ao requisito inerente de aprimorar a economia de mercado socialista e que tem em vista criar um ambiente de negócios justo e competitivo, abrir um maior espaço para o crescimento de todos os tipos de agentes do mercado, especialmente as pequenas e médias empresas, e proteger melhor os direitos e interesses dos consumidores”. A economia social de mercado foi um conceito desenvolvido por alguns dos mais brilhantes economistas alemães e aplicado a partir de Bismark e que tem levado a Alemanha a desenvolvimentos consideráveis da sua sociedade, sendo hoje uma das que apresentam os mais elevados índices de desenvolvimento humano. Podem não ser comparáveis os conceitos – permanecendo, portanto, o desafio de melhor se compreender o chinês –, mas os resultados apontam no sentido de uma diminuição das diferenças entre a China e a Alemanha. E para África, o modelo chinês é adaptável ou aplicável ipsis verbis?
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