ANGOLA GROWING

“A História ensina a respeitar as dificuldades de criação de uma nação”

Poupado nas palavras, o Prémio Nobel da Economia de 2011, o norte-americano Thomas Sargent, não esconde o entusiasmo por conhecer Angola e tem a certeza de que são os angolanos os especialistas sobre o país. Aconselha a que se poupe, “com disciplina”, em tempo de ‘vacas gordas’ para lidar com as flutuações do preço do petróleo e lembra que também o seu país (EUA) esteve numa situação de pobreza saída da guerra e dependente de matérias primas, mas soube dar a volta.

 

Qual é a impressão que tem do contexto socioeconómico de Angola?

Estou ansioso por visitar Angola, essencialmente porque espero aprender e não ensinar. Acredito que as pessoas em Angola terão mais conhecimento e mais sapiência sobre Angola do que um visitante como eu. Acredito que os ‘experts’ do contexto socioeconómico de Angola vivem em Angola.

A sua paixão pelos modelos económicos estatísticos e matemáticos é conhecida.Que benefícios concretos países como Angola podem retirar da sua aplicação?

Todos os países podem tirar daí benefícios. A matemática é uma linguagem que, como qualquer outra, ajuda as pessoas a expressarem ideias de forma mais concisa e precisa, logo é a linguagem natural para tópicos de economia que envolvem “contar coisas”. Por seu turno, a estatística é a ferramenta natural para descrever e analisar o risco e a incerteza. Grande parte da ciência económica é gerir a incerteza e perceber que linhas conhecemos com mais confiança e quais as que conhecemos com menor confiança. E tanto indivíduos como nações têm de partilhar e ajustar-se a riscos inevitáveis. É por isso que a estatística é tão usada por quem estuda ciências económicas.

Sabemos também do seu amor pela História e as suas lições para a compreensão de contextos económicos contemporâneos.Angola, porém, é uma nação muito jovem, que passou por décadas de guerra e que pode ser considerada como integrante do grupo das doentes da ‘dutch disease’ (doença holandesa). De onde devemos então tirar lições?

Gosto de ler acerca de outro país que, como Angola, há 250 anos era muito pobre e acabado de sair de uma guerra civil - o meu país, os Estados Unidos da América, quando acabava de sair da guerra pela independência. A guerra da independência contra a Inglaterra foi na verdade uma guerra civil. O país ficou quase dividido entre os que apoiavam e os que se opunham à independência. Depois da guerra, ainda tivemos outra revolução, desta feita mais pacífica, que levou os fundadores da nação a descartarem a Constituição original por uma nova, muito diferente e que servisse melhor os interesses de diferentes cidadãos. Estudar a História dos EUA daquela época ensina-nos a respeitar o grau de dificuldade da criação de uma nação e ensina-nos também que essa criação tem de vir do povo que vive nessa nação.

Como prevê que o preço do petróleo vá evoluir futuramente?

O petróleo é um bem durável cujo preço se comporta como o de muitos outros bens duráveis. O comportamento do preço é muito afectado pelas tentativas de previsão dos ‘traders’ (comerciantes) de petróleo que fazem dinheiro a comprar quando esperam que o preço suba e a vender quando antecipam que o preço possa cair. Isto faz com que o preço, agora embebido das previsões de futuros dos ‘traders’, tenda a igualar-se no presente à média das previsões futuras do preço. Ironicamente, todo este processo de antecipações tende a dificultar a previsão da evolução dos preços futuros.

No seu ponto de vista o impacto da queda do petróleo é mais negativo em países produtores africanos comparando com outros?

Para responder a essa questão volto a dar o exemplo da História do meu país. Quando éramos uma nação jovem e pobre, estávamos muito dependentes das flutuações nos preços de um pequeno número de ‘commodities’ (mercadorias) agrícolas que eram determinadas pelos mercados mundiais, como o trigo e o algodão. A nossa economia era inevitavelmente afectada pelas flutuações dos preços desses bens e tínhamos uma capacidade de diversificar muito, muito limitada.

Que estratégias devem as economias, nessas condições, adoptar?

A receita clássica, que exige muita disciplina para ser implementada, é a de fazer poupança de rendimentos públicos substanciais quando os tempos são bons, para poder despender em períodos mais pobres. Esta é uma maneira de suavizar as inevitáveis flutuações. Um complemento a essa estratégia de ‘poupanças precautórias’ poderá ser o comércio de derivativos financeiros sofisticados como forma de ‘compra de seguro’ contra flutuações do preço do petróleo. No entanto, isto acarreta os seus próprios riscos.

Que políticas deve uma economia dependente do petróleo aplicar para a diversificar verdadeiramente?

O principal que podem fazer tanto os governos como instituições religiosas é enfatizar a educação a todos os níveis, especialmente desde a infância. Outra medida, ou política importante, é a adopção de uma atitude favorável a pessoas que querem criar negócios, incluindo especialmente os pequenos empreendedores. Isto não depende apenas de governos. Tem de ser um processo iniciado pelo povo. Para ser sustentável tem de ser um processo que as pessoas queiram que tenha continuidade.

O kwanza perdeu muito valor nos últimos tempos. Que efeitos se podem antecipar dessa desvalorização?

Hoje em dia, em quase todo o mundo, as pessoas perguntam-se o mesmo acerca das suas moedas. Uma parte essencial da resposta a essa pergunta envolve avaliar as razões na origem da perda de valor da moeda. Se a causa subjacente é a inflação associada a défices públicos continuados, então isto significa um cenário concreto, significa que o governo está a taxar os cidadãos. Por outro lado, se a desvalorização for causada essencialmente por eventos externos, como por exemplo as taxas de juro internacionais, nesse caso significa algo inteiramente diferente. Os efeitos, positivos ou negativos da desvalorização da moeda para exportadores e importadores, dependem das causas subjacentes.

Há cerca de três anos disse que o dolár iria deixar de ser a moeda de referência mundial. Qual será o panorama económico e geopolítico num contexto como esse? Que moeda lhe poderá substituir?

A História ensina-nos que nenhuma moeda serviu como ‘a’ moeda internacional de referência ‘para sempre’. Há 125 anos, as pessoas pensavam que a libra esterlina britânica iria ser ‘a’ moeda internacional ‘para sempre’. Duas guerras mudaram isso e fizeram do dólar norte-americano a moeda de referência internacional. Quanto tempo o dólar vai perdurar como referência depende, em parte, do que os EUA fizerem em termos de gestão da política fiscal e monetária, mas também depende do que a China e a União Europeia vão fazer com as suas respectivas políticas fiscais e monetárias. E, por último, o estatuto do dólar vai depender também das escolhas das pessoas de negócios pelo mundo fora porque são elas quem definem em que moedas se querem comprometer.

Qual é a sua análise das recomendações do FMI, nomeadamente de cortes de despesa pública, desvalorização da moeda e aumento de impostos aplicadas a economias emergentes que ainda lutam pelo desenvolvimento social e com elevadas taxas de informalidade na economia?

É uma pergunta boa e complicada... Gosto de interpretar o Fundo Monetário Internacional (FMI) como entidade que recomenda uma ‘estrutura’ genérica para a elaboração de boas políticas intemporais. Acho que é importante focarmo-nos nos planos de longo prazo e olharmos para as decisões de ano para ano como apenas parte desses planos de longo prazo. Concordo que é muito importante reconhecer que muitas economias pelo mundo fora têm componentes informais que são fontes vitais de oportunidades. E, neste sentido, é muito importante incentivar essas fontes de oportunidades. A informalidade é muito frequentemente reservada a pessoas muito empreendedoras.

Como avalia a política externa norte-americana e chinesa quanto a África?

Esse é um tema sobre o qual eu quero aprender mais. Estou impressionado com a importância que a China atribui ao estabelecimento de relações comerciais com países africanos.

Num dos seus famosos breves discursos afirmava que “há que escolher entre igualdade e eficiência”. Qual deve ser a prioridade das políticas económicas num contexto como o de Angola?São ambos muito importantes para a política económica, às vezes é difícil fazer cedências ou escolhas entre a igualdade e a eficiência. Essas são escolhas que se colocam em nível governativo e que são muito duras. No entanto, felizmente, às vezes, existem políticas que simplesmente melhoram a eficiência sem fazer com que a desigualdade aumente. Parte dos trabalhos dos economistas, e também dos jornalistas, é ajudar a identificar essas políticas e advogá-las. Defendê-las.

 

Um mestre em Luanda

 

 Em 2011, quando foi galardoado com o Prémio de Ciências Económicas – o Nobel da Economia –, Thomas Sargent já contava com quase 40 anos de estudos ligados à macroeconomia, à economia monetária e a séries temporais em econometria. As dezenas de livros e manuais profusamente usados nas universidades já lhe davam o ‘carimbo’ de mestre. A consagração chegou com a atribuição do Nobel, em co-autoria com outro economista norte-americano, Christopher A. Sims. Os dois teorizaram sobre a relação entre as políticas económicas e os eventos macroeconómicos. Logo a seguir ao anúncio da Academia Sueca, Thomas Sargent não escondeu a surpresa e, em entrevista ao jornal da Universidade de Princeton, resumia grande parte do seu trabalho: “As estatísticas dizem-nos que sabemos algumas coisas e que ignoramos outras.Os bancos centrais e os tesouros públicos estão muito interessados em saber que ponto de vista sobre o mundo podem adoptar. Chris e eu temos discípulos nos bancos centrais em todo o mundo e eles aplicam esses trabalhos”.

Quem frequentou as aulas de Thomas Sargent, nas universidades de Nova Iorque, Berkeley, Chicago, Princeton ou de Singapura, descreve-o como um “fanático dos modelos matemáticos”, “simples e conciso na forma de explicar” e com um “discurso curto e directo”.

Tornou-se um dos economistas mais influentes no mundo e tem sido, muitas vezes, convidado para participar em cimeiras e conferências um pouco por todo o lado. Há cerca de três anos, em São Paulo, no Brasil, numa cimeira internacional, afirmou que o dólar iria deixar de ser a moeda de referência internacional a médio prazo. Mas também evitou prever qual seria a moeda que iria substituir a norte-americana.

Thomas Sargent chega a Luanda aos 72 anos, com vontade de conhecer a economia angolana, como confessou em entrevista ao VE. Nasceu na Califórnia, onde concluiu a licenciatura em Berkeley, e doutorou-se na prestigiada Universidade de Harvard. É membro efectivo das academias Nacional de Ciências e das Artes e Ciências, ambas dos EUA.