A Reforma do Sector Petrolífero em Angola
A reforma do sector petrolífero em Angola precisa de considerar o quadro regulatório do sector em geral e não deve ser confundida ou reduzida à reforma da Sonangol, enquanto empresa nacional de petróleos. Num ambiente de baixos preços de crude, o debate sobre a saída de Angola da OPEP é um falso debate.
O facto relevante é que Angola é um produtor marginal a nível do global, representando apenas cerca de 1,5% da produção diária mundial e por isso pouco relevante. Angola não tem capacidade de influenciar o preço do petróleo à escala global e sujeita-se por isso a choques externos, como o que ocorreu com a queda do preço do crude desde meados de 2014.
Por essa razão, produtores marginais como Angola devem concentrar os seus esforços naquilo que podem mudar internamente em termos de políticas públicas e devem por isso concentrar os seus esforços na melhoria das condições de atractividade do sector petrolífero para os investidores, que tipicamente são empresas petrolíferas internacionais. A melhoria das condições de atractividade deve considerar a realidade da produção angolana, que é feita essencialmente por empresas petrolíferas estrangeiras, contrariamente aos Estados do Golfo, onde a produção petrolífera é realizada essencialmente pelas empresas nacionais de petróleos.
E é nesse contexto que devemos considerar a reforma do sector petrolífero no nosso País. Pelo exposto, a meu ver, a reforma do sector petrolífero e do gás natural em Angola deve assentar em três eixos: 1. A transformação e reestruturação da Sonangol e demais subsidiárias. 2. A criação de uma entidade (agência) reguladora independente. 3. A melhoria das condições fiscais e financeiras para os investidores.
O primeiro eixo da reforma que começou em 2015 está em curso e visa a transformação do grupo Sonangol de forma a tornar as empresas deste grupo mais eficientes, competitivas e potencialmente lucrativas. A Sonangol deve por isso concentrar-se na área ‘core’ da sua actividade, que é a exploração e produção de hidrocarbonetos. Como qualquer reforma, vamos esperar pelos resultados da restruturação para emitir um juízo de valor definitivo sobre a mesma.
No entanto, existe um aspecto que deve ser considerado na restruturação, que é a questão do monopólio atribuído à Sonangol pela Lei das Actividades Petrolíferas (Lei nº10/04 de 12 de Novembro). A meu ver, a manutenção do monopólio de concessionária nacional na Sonangol é um erro e não vai ao encontro da necessidade de liberalização do sector, onde a Sonangol, como empresa pública, ainda mantém fortes poderes regulatórios nos contratos que celebra com as empresas petrolíferas (Associadas) em representação do Estado e por isso ainda actua como “árbitro e jogador” e acaba por ser de facto o nosso órgão regulador.
E essas funções devem ser desempenhadas pela agência reguladora independente. No Brasil, a reforma de 1997 que liberalizou o sector petrolífero retirou o monopólio da Petrobras na exploração e produção de crude e tornou esta empresa muito mais competitiva e, no longo prazo, criou incentivos para mais descobertas de petróleo, em especial no pré-sal feitas em parte por uma reformada Petrobras, além de ter criado a Agência Nacional de Petróleos como entidade reguladora do sector petrolífero e gás natural.
No México, a reforma energética que acompanhamos com grande interesse desde 2008 também vai no sentido da liberalização e da retirada do monopólio da Pemex, o que levou à criação da Comissão Nacional de Hidrocarbonetos, como entidade reguladora do sector petrolífero. Outros países também têm adoptado este modelo.
Angola não deve ser excepção às boas práticas e tendências internacionais, até porque estamos a competir pelos mesmos investidores (petrolíferas internacionais) com outros Países e por mais potencial que tenhamos isso não basta, uma vez que, num mercado global, os investidores têm várias opções a nível global e cada vez mais no nosso continente, onde existem novas descobertas de petróleo e gás, um pouco por todo o lado.
O segundo eixo da reforma é para mim o mais importante e temos defendido publicamente, desde 2015, a criação de uma entidade reguladora independente de jure e de facto, com competência para ser o órgão regulador do sector do petróleo e gás em Angola. E convém referir que a sua concretização peca por ser tardia, considerando que o Decreto Presidencial nº243/11 de 7 de Setembro já previa a sua criação.
Esta agência independente deve ser responsável pela preparação dos concursos públicos relativos aos blocos (áreas de desenvolvimento) e deve ter a competência para emitir regulamentos relativos ao sector, promover o conteúdo local e fiscalizar a actuação de todos os agentes no sector petrolífero entre outras funções. A competência de representação do Estado na celebração dos contratos com as empresas petrolíferas deve ser desta agência independente e não da Sonangol.
A meu ver, a Comissão de Restruturação do Sector Petrolífero criada em 2015 e concretizada pelo Decreto Presidencial nº109/16 de 26 de Maio deve, por isso, acelerar o passo da reforma e criar o mais rapidamente possível a agência reguladora independente do sector. Esta dimensão da reforma está adormecida e isso não é positivo, porque sem a criação de uma agência reguladora independente a reforma do sector não será bem sucedida.
O terceiro eixo da reforma deve cingir-se à melhoria dos termos financeiros e fiscais para os investidores. Num ambiente de preços baixos de petróleo, temos de oferecer melhores condições para potenciais investidores para melhorar a nossa atractividade como País. Por isso devemos rever a tributação no sector e oferecer termos económicos atractivos para potenciais investidores.
O Ministério dos Petróleos (ou outro) deve ser apenas o órgão de definição de políticas públicas relativas ao sector e a Sonangol deve cingir-se à sua actividade comercial e concentrar-se na exploração e produção de crude e não ser apenas a entidade gestora dos contratos. Outro aspecto importante e que não deve ser esquecido é que a Comissão para restruturação deve auscultar todos os intervenientes do sector.
Em especial, alguns dos especialistas nacionais que têm trabalhado no sector há décadas, muitos do quais com larga experiência e conhecimentos adquiridos em cargos de liderança em petrolíferas privadas a nível nacional e internacional.
Esses especialistas deveriam integrar o Conselho Superior de Acompanhamento do Sector Petrolífero, órgão criado no âmbito da reforma. Assim seriam evitados alguns dos erros que ocorreram na condução deste processo. Como referi anteriormente, não se deve reduzir à reforma do sector petrolífero à Sonangol como se tem feito e, nesse sentido, a reforma precisa de encontrar o seu caminho novamente e seguir as boas práticas internacionais e adaptá-las ao nosso contexto e à nossa história.
Professor das Universidades de Coventry e Agostinho Neto
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