ANGOLA GROWING
Flávio Inocêncio

Flávio Inocêncio

Angola ainda é uma economia dependente da produção de crude que representa cerca de 98% das nossas exportações, o que acarreta um conjunto de consequências entre as quais a doença holandesa (Dutch Disease) que é um termo que foi baptizado pela revista Britânica The Economist em 1977, ao verificar um aumento exponencial das importações na Holanda em função da excessiva apreciação da antiga moeda holandesa (antes da adopção do Euro), depois da descoberta de reservas significativas de gás natural no mar do Norte.

No caso de Angola, sendo uma economia totalmente concentrada na produção petrolífera, há uma tendência para a apreciação da nossa taxa de câmbio, o que faz com haja um aumento das importações e um decréscimo nas nossas exportações. A excessiva apreciação da taxa de câmbio foi também exacerbada pela política do nosso Banco Central que, ao intervir no mercado através da venda de dólares aos operadores económicos, manteve artificialmente alta a nossa taxa de câmbio, o que já foi criticado pelo FMI e fizemos alusão num texto recente.

A doença holandesa, como fenómeno monetário, é um dos principais factores que explicam a pouca diversificação da economia nacional para além de outros, entre os quais a falta de mão de obra qualificada, debilidades institucionais na Administração Pública e no sector da Justiça, ineficaz regulação da concorrência e ainda fortes debilidades nas infra-estruturas, aspectos institucionais que já referimos em artigos anteriores.

A diversificação da economia passará por uma estratégia multissectorial de longo prazo com um amplo consenso nacional e passará por várias medidas de natureza legal, administrativa, social e económica. Enganam-se os que pensam que a protecção ao empresariado nacional criará ex nihilo capacidades produtivas que tornarão a economia angolana mais competitiva e que essa protecção mais investidores estrangeiros invistam em Angola.

A protecção aos empresários nacionais é mais um conjunto de medidas públicas que é resultado de um grupo de interesse (lobby) que é altamente organizado e politicamente influente que consegue favores do Estado à custa de outros grupos de interesses que serão perdedores líquidos (net losers), entre os quais os consumidores angolanos. Esse fenómeno é amplamente estudado pela Teoria das Escolhas Públicas e um dos pioneiros foi o economista Americano Mancur Olson que estudou o fenómeno no seu clássico livro de 1965, A Lógica da Acção Colectiva.

A pressão para que se utilize a pauta aduaneira como mecanismo de protecção aos empresários nacionais e dos produtos nacionais é por isso grande a fim de encarecer os produtos importados e tornar os produtos nacionais mais competitivos. Ausente dessa análise estão os consumidores que, numa economia proteccionista acabam por ter de pagar preços mais elevados do que a média mundial. E outro erro de análise é não perceber que Angola não é um País rico, se compararmos o PIB per capita que hoje aproxima-se dos 3000 USD a países do Ocidente onde o PIB per capita chega a ser 15 a 20 vezes superior ao nosso. Se observarmos outros indicadores, como o índice de desenvolvimento humano, vamos chegar à mesma conclusão e concluir que o proteccionismo afecta de forma negativa e desproporcionalmente a população mais pobre que constitui a esmagadora maioria no nosso País. Uma pauta aduaneira com tarifas mais altas não resolverá os problemas institucionais do nosso mau ambiente de negócios como a falta de atracção de investimento estrangeiro de qualidade, os atrasos nos nossos tribunais e nem os problemas ligados à corrupção na Administração Pública, falta de infra-estruturas e nem a falta de mão-de-obra qualificada pela quase total ausência de qualidade nas nossas universidades e escolas técnicas ou o problema eterno do acesso ao crédito.

Não nos podemos vangloriar do facto de a Autoridade Geral Tributária (AGT) ter receitas muito elevadas quando essas receitas acabam por ser pagas pelos consumidores através de preços mais altos num país que não é rico. O sistema normal de tributação de um Estado moderno consiste num conjunto de impostos e vários tipos de contribuições exigidos aos mais variados agentes económicos e os direitos aduaneiros são apenas um dos vértices da pirâmide de impostos num Estado. A maior parte dos Angolanos com um trabalho formal não paga sequer imposto de rendimento de trabalho (IRT) e boa parte dos empresários nem sequer sabe o que é o imposto sobre o consumo.

No caso de Angola, o sistema tributário é composto por impostos directos e indirectos nos mais variados sectores da economia, sendo que as receitas tributárias no nosso país consistem, na sua maior parte, naquelas que advém da exploração petrolífera. O facto de receitas petrolíferas terem um peso desproporcional nas receitas tributárias revela a falta de diversificação da economia e certamente a arrecadação de receitas pelas autoridades aduaneiras não deve substituir o papel da arrecadação de receitas por parte da AGT, impostos esses que deixamos de cobrar porque somos incapazes ou porque não temos uma base produtiva alargada para cobrar impostos de forma a diversificar as receitas tributárias. Para além disso, é ingénuo reduzir todos os problemas institucionais do país ao fenómeno da importação e utilizar a AGT como uma espécie de mecanismo de supressão das importações para proteger produtores não competitivos. A supressão forçada das importações, seja através da imposição de tarifas mais altas, seja através da imputação de custos de inspecções (barreiras não alfandegárias) aos importadores trará fortes externalidades negativas que se traduzirão em preços mais altos para os consumidores, o que não será nada abonatório para o combate à inflação, sabendo que não haverá diversificação imediata da economia nacional que por natureza ocorrerá apenas no longo prazo.

As importações são mais um sintoma dos problemas institucionais de que Angola padece e não a sua causa. Parece-me que em Angola muitos não conseguem ver isso e vêem as importações mais como a causa das nossas debilidades institucionais e não o sintoma. Na ausência de reformas institucionais profundas que levarão bastantes anos a serem implementadas não haverá diversificação da economia Angolana e, a nosso ver, essas reformas implicam uma liberalização da nossa economia que é uma economia fechada de facto.

Outro aspecto relevante para o debate acerca da diversificação económica tem que ver com a necessidade de construção de capacidades produtivas que não existem em Angola e se os nossos empresários são incapazes de entender um balanço ou ter contabilidade organizada, como irão criar capacidades para criar fábricas, fazendas ou estabelecer uma rede logística integrada? A resposta a estas perguntas revela muito sobre as nossas políticas económicas. É preciso desmistificar o papel de uma autoridade tributária num Estado moderno e reafirmar a necessidade de resolução de problemas institucionais para criar uma rede empresarial que seja competitiva e que não se esconda atrás de protecções artificiais concedidas pelo Estado, para além disso o que é totalmente esquecido é o papel do consumidor e os preços mais altos como consequência do proteccionismo e o acréscimo de burocracia que este terá que suportar na engenharia social pretendida.

É preciso também compreender que os investimentos estrangeiros estão ligados à redes logísticas internacionais (global supply chains) e isso requer mercados livres e abertos e comércio com o exterior, em especial com os nossos vizinhos e por isso devemos tomar medidas para aderirmos ao Protocolo de Comércio da SADC de 2005 e dos 15 países da organização, apenas Angola e a República Democrática do Congo estão de fora. Isso revela que nosso País houve um receio das potenciais consequências da participação no mercado da SADC. A nosso ver, esse receio foi e continua a ser infundado e revela mais sobre a protecção artificial que acaba por beneficiar apenas alguns produtores ineficientes à custa da generalidade dos consumidores.

No século XXI, tipicamente no sector secundário e terciário os investimentos de multinacionais estendem-se por vários países e na colaboração entre várias empresas e por essa razão não faz sentido um proteccionismo artificial que vai tornar o nosso País menos competitivo e afasta potenciais investimentos de Angola e o modelo Asiático e o seu sucesso foi baseado nessa abertura de mercados e essa lição muita gente parece não perceber.

O recente discurso sobre o Estado da Nação do Presidente angolano João Lourenço revela que o poder político está consciente dos problemas ligados ao proteccionismo no nosso país e é altura de acelerarmos o passo das reformas para que Angola não seja a excepção no mundo e em África e passemos a criar mais riqueza para a generalidade dos Angolanos não dependente das exportações de crude.

 

Professor das Universidades de Coventry e Agostinho Neto.

No Relatório do Banco Mundial sobre o ambiente de negócios de 2017 (Doing Business Report 2017) Angola foi classificada na posição n.º 182 de uma lista composta por 190 países. O relatório vem confirmar mais uma vez os problemas relacionados com o mau ambiente de negócios no país, o que não é uma notícia positiva para Angola, numa altura em que o mantra para a resolução dos problemas Angolanos é a diversificação da economia.

É importante também reconhecer que Angola está a competir por investimentos com outros países a nível global e, se o nosso ambiente de negócios estiver entre os piores do mundo, será difícil atrair os investimentos necessários para a diversificação económica, que, a nosso ver, tem de ser precedida de um processo acelerado de liberalização económica. Não haverá diversificação da economia, sem um processo de liberalização económica e, por isso, a melhoria do ambiente de negócios é fundamental para a criação de condições propícias ao investimento no sector produtivo da economia.

É esse o significado de liberalização económica. Alguns analistas já vieram defender que a posição de Angola em indicadores internacionais não reflecte a realidade. A defesa dessa afirmação, além de incorrecta, revela a atitude do aluno que, descontente com a nota do professor, resolve dar a si mesmo uma nota de 20. Não é o aluno que se deve avaliar a si mesmo, principalmente quando ainda não atingiu nenhum dos objectivos da aprendizagem e numa comparação com outros alunos não consegue terminar o teste e acaba por reprovar na escola.

Podemos comparar a classificação de Angola, no Relatório do Banco Mundial sobre o ambiente de negócios, com outros indicadores internacionais relevantes que confirmam o péssimo ambiente de negócios no País. A falta de liberdades económicas e os problemas institucionais sérios tornam Angola um país difícil para se fazer negócios. No Índice Mo IBrahim de 2016 que mede a boa governação no continente Africano, Angola está classificada na posição nº. 45 dentro dos 54 países do continente e pior classificada que países como a Guiné Bissau, Nigéria e Zimbábue. O Índice da Liberdade Económica (Index of Economic Freedom) de 2017, da Heritage Foundation, classifica Angola como uma economia reprimida na posição nº165 numa lista de 180 países. Poderíamos citar outros indicadores para demonstrar o que é evidente e referir que as receitas obtidas do crude esconderam essas debilidades da nossa Economia.

Pelo que foi exposto anteriormente, a nossa proposta é que Angola deve criar, depois das eleições, uma Comissão Presidencial com peritos reconhecidos nacionais e estrangeiros com décadas de experiência e multidisciplinar que vise a melhoria substancial do nosso ambiente de negócios, durante a próxima legislatura (num período de cinco anos). Esta comissão não deve ter carácter político e nem deve ser apenas uma comissão interministerial como muitas outras, mas deve ser uma comissão técnica que deve estabelecer e seguir métricas claras e deve propor e implementar medidas para a melhoria do ambiente de negócios. A comissão não se deve limitar a fazer recomendações para a melhoria do nosso ambiente de negócios, mas deve ter autoridade para impor medidas à administração directa e indirecta do Estado que visem a melhoria do ambiente de negócios.

O trabalho da comissão deve ser quantificado e monitorado anualmente e cada proposta deve ser avaliada em função dos resultados comprovados pela subida de Angola nos vários indicadores internacionais. Em África, o Ruanda é um caso exemplar, um país sem recursos minerais significativos e com um ambiente de negócios péssimo alcançou resultados impressionantes. Em 2008, o Ruanda estava classificado na posição n.º 150 no Rde 2008 sobre ambiente de negócios do Banco Mundial e nessa altura Angola estava classificada na posição n.º 167 numa lista de 180 países. Desde essa altura, o Ruanda melhorou significativamente no indicador do Banco Mundial e noutros indicadores relevantes, ao passo que Angola se manteve entre os piores do mundo.

A melhoria do ambiente de negócios deveu-se fundamentalmente à liderança do presidente Paul Kagame que, por iniciativa pessoal, liderou o processo de liberalização económica e de eliminação de entraves ao ambiente de negócios nesse país, estando agora classificado na posição n.º 56 de uma lista de 190 países no Relatório de 2017 sobre ambiente de negócios do Banco Mundial, sendo o melhor classificado em África, a seguir às Ilhas Maurícias.

Com a queda dos preços do petróleo e reconhecendo o mau ambiente de negócios da Nigéria (posição n.º 169 no Relatório de 2017 do Banco Mundial) e a sua dependência das exportações de petróleo, a nova administração nigeriana estabeleceu, no início de 2017, um Conselho Presidencial para a Facilitação do Ambiente de Negócios (Presidential Enabling Business Enviroment Council), com a finalidade de melhorar o ambiente de negócios do país em três áreas fundamentais: entrada e saída de bens do país (importação e exportação), entrada e saída de pessoas (atribuição de vistos), transparência e eficiência na administração pública e sector empresarial do Estado. No caso de Angola, um dos grandes entraves à reformas é o facto de muitos analistas e decisores não aceitarem o facto de que temos um dos piores ambientes de negócios do mundo.

Utilizam o mantra nacionalista para justificar o injustificável e isso impede qualquer possibilidade de mudança ou melhoria, já que não há nada para melhorar, tomando a posição do aluno que faz a sua própria avaliação. Outro problema que frequentemente encontramos em Angola é o facto de confundir-se reformas económicas com a aprovação de leis e meras mudanças na legislação. Esse excessivo formalismo é típico da tradição latina do Direito e do Estado e é um dos maiores impedimentos para o nosso desenvolvimento, porque muitas das barreiras económicas são informais. Por vezes, podemos aprender com a Psicologia para entender as dificuldades na superação do sofrimento. O modelo Kubler-Ross identifica as cinco fases do sofrimento: 1) Negação, 2) Raiva, 3) Negociação, 4) Depressão, 5) Aceitação.

Desde meados de 2014, altura em que o preço do crude começou a cair acentuadamente que não conseguimos sair da primeira fase do sofrimento, a fase de negação. Talvez o problema não seja apenas dos decisores, mas sim do facto de termos entrado numa letargia profunda a nível nacional em toda a sociedade que adveio do dinheiro fácil, obtido das exportações de crude. É altura, portanto, de despertar dessa apatia ou corremos o risco de prolongar o sofrimento do paciente e condená-lo à morte.

Por isso, a nossa proposta singela para os candidatos a esta eleição é a criação de uma Comissão Presidencial com a missão de melhorar o nosso ambiente de negócios e as liberdades económicas na próxima legislatura. Esse seria o melhor presente para a nossa economia que ainda está totalmente depende das exportações do crude para a obtenção de divisas.

 

Professor das Universidades de Coventry e Agostinho Neto

A reforma do sector petrolífero em Angola precisa de considerar o quadro regulatório do sector em geral e não deve ser confundida ou reduzida à reforma da Sonangol, enquanto empresa nacional de petróleos. Num ambiente de baixos preços de crude, o debate sobre a saída de Angola da OPEP é um falso debate.

O facto relevante é que Angola é um produtor marginal a nível do global, representando apenas cerca de 1,5% da produção diária mundial e por isso pouco relevante. Angola não tem capacidade de influenciar o preço do petróleo à escala global e sujeita-se por isso a choques externos, como o que ocorreu com a queda do preço do crude desde meados de 2014.

Por essa razão, produtores marginais como Angola devem concentrar os seus esforços naquilo que podem mudar internamente em termos de políticas públicas e devem por isso concentrar os seus esforços na melhoria das condições de atractividade do sector petrolífero para os investidores, que tipicamente são empresas petrolíferas internacionais. A melhoria das condições de atractividade deve considerar a realidade da produção angolana, que é feita essencialmente por empresas petrolíferas estrangeiras, contrariamente aos Estados do Golfo, onde a produção petrolífera é realizada essencialmente pelas empresas nacionais de petróleos.

E é nesse contexto que devemos considerar a reforma do sector petrolífero no nosso País. Pelo exposto, a meu ver, a reforma do sector petrolífero e do gás natural em Angola deve assentar em três eixos: 1. A transformação e reestruturação da Sonangol e demais subsidiárias. 2. A criação de uma entidade (agência) reguladora independente. 3. A melhoria das condições fiscais e financeiras para os investidores.

O primeiro eixo da reforma que começou em 2015 está em curso e visa a transformação do grupo Sonangol de forma a tornar as empresas deste grupo mais eficientes, competitivas e potencialmente lucrativas. A Sonangol deve por isso concentrar-se na área ‘core’ da sua actividade, que é a exploração e produção de hidrocarbonetos. Como qualquer reforma, vamos esperar pelos resultados da restruturação para emitir um juízo de valor definitivo sobre a mesma.

No entanto, existe um aspecto que deve ser considerado na restruturação, que é a questão do monopólio atribuído à Sonangol pela Lei das Actividades Petrolíferas (Lei nº10/04 de 12 de Novembro). A meu ver, a manutenção do monopólio de concessionária nacional na Sonangol é um erro e não vai ao encontro da necessidade de liberalização do sector, onde a Sonangol, como empresa pública, ainda mantém fortes poderes regulatórios nos contratos que celebra com as empresas petrolíferas (Associadas) em representação do Estado e por isso ainda actua como “árbitro e jogador” e acaba por ser de facto o nosso órgão regulador.

E essas funções devem ser desempenhadas pela agência reguladora independente. No Brasil, a reforma de 1997 que liberalizou o sector petrolífero retirou o monopólio da Petrobras na exploração e produção de crude e tornou esta empresa muito mais competitiva e, no longo prazo, criou incentivos para mais descobertas de petróleo, em especial no pré-sal feitas em parte por uma reformada Petrobras, além de ter criado a Agência Nacional de Petróleos como entidade reguladora do sector petrolífero e gás natural.

No México, a reforma energética que acompanhamos com grande interesse desde 2008 também vai no sentido da liberalização e da retirada do monopólio da Pemex, o que levou à criação da Comissão Nacional de Hidrocarbonetos, como entidade reguladora do sector petrolífero. Outros países também têm adoptado este modelo.

Angola não deve ser excepção às boas práticas e tendências internacionais, até porque estamos a competir pelos mesmos investidores (petrolíferas internacionais) com outros Países e por mais potencial que tenhamos isso não basta, uma vez que, num mercado global, os investidores têm várias opções a nível global e cada vez mais no nosso continente, onde existem novas descobertas de petróleo e gás, um pouco por todo o lado.

O segundo eixo da reforma é para mim o mais importante e temos defendido publicamente, desde 2015, a criação de uma entidade reguladora independente de jure e de facto, com competência para ser o órgão regulador do sector do petróleo e gás em Angola. E convém referir que a sua concretização peca por ser tardia, considerando que o Decreto Presidencial nº243/11 de 7 de Setembro já previa a sua criação.

Esta agência independente deve ser responsável pela preparação dos concursos públicos relativos aos blocos (áreas de desenvolvimento) e deve ter a competência para emitir regulamentos relativos ao sector, promover o conteúdo local e fiscalizar a actuação de todos os agentes no sector petrolífero entre outras funções. A competência de representação do Estado na celebração dos contratos com as empresas petrolíferas deve ser desta agência independente e não da Sonangol.

A meu ver, a Comissão de Restruturação do Sector Petrolífero criada em 2015 e concretizada pelo Decreto Presidencial nº109/16 de 26 de Maio deve, por isso, acelerar o passo da reforma e criar o mais rapidamente possível a agência reguladora independente do sector. Esta dimensão da reforma está adormecida e isso não é positivo, porque sem a criação de uma agência reguladora independente a reforma do sector não será bem sucedida.

O terceiro eixo da reforma deve cingir-se à melhoria dos termos financeiros e fiscais para os investidores. Num ambiente de preços baixos de petróleo, temos de oferecer melhores condições para potenciais investidores para melhorar a nossa atractividade como País. Por isso devemos rever a tributação no sector e oferecer termos económicos atractivos para potenciais investidores.

O Ministério dos Petróleos (ou outro) deve ser apenas o órgão de definição de políticas públicas relativas ao sector e a Sonangol deve cingir-se à sua actividade comercial e concentrar-se na exploração e produção de crude e não ser apenas a entidade gestora dos contratos. Outro aspecto importante e que não deve ser esquecido é que a Comissão para restruturação deve auscultar todos os intervenientes do sector.

Em especial, alguns dos especialistas nacionais que têm trabalhado no sector há décadas, muitos do quais com larga experiência e conhecimentos adquiridos em cargos de liderança em petrolíferas privadas a nível nacional e internacional.

Esses especialistas deveriam integrar o Conselho Superior de Acompanhamento do Sector Petrolífero, órgão criado no âmbito da reforma. Assim seriam evitados alguns dos erros que ocorreram na condução deste processo. Como referi anteriormente, não se deve reduzir à reforma do sector petrolífero à Sonangol como se tem feito e, nesse sentido, a reforma precisa de encontrar o seu caminho novamente e seguir as boas práticas internacionais e adaptá-las ao nosso contexto e à nossa história.

 

Professor das Universidades de Coventry e Agostinho Neto

Não há arrecadação sem a existência de actividade económica (e riqueza). Este simples truísmo deve servir de guia para a compreensão das finalidades da tributação e o seu papel no financiamento público. Numa economia de mercado, o Estado financia as suas actividades essencialmente através dos tributos (impostos e taxas) e da emissão de dívida pública.

Os impostos são uma prestação pecuniária unilateral devida ao Estado por parte dos contribuintes. O contribuinte, como sujeito passivo, tem um dever fundamental de pagar impostos ao Estado que é o sujeito activo nessa relação jurídica fiscal. E não podemos olvidar que o contribuinte não pode deixar de pagar essa prestação ao Estado sob pena de sanções de natureza administrativa e penal.

Num mundo onde o Estado tem o monopólio legítimo da violência – para utilizar a definição de Max Weber – o contribuinte não tem escolha no pagamento ou não pagamento do imposto. Se o contribuinte não pagar os impostos devidos, o Estado pode penhorar (executar) os bens do contribuinte e, em última instância, o legislador pode também estabelecer sanções administrativas (com penas de multas), assim como estabelecer, por lei, crimes de natureza fiscal que têm como sanção a pena de prisão.

No caso do financiamento público através dos impostos, voltamos à primeira premissa, sem actividade económica não há arrecadação de receitas. Por essa razão, o Estado deve implementar políticas públicas que activamente estimulem a criação de riqueza e que não a penalizem. E a arrecadação de receitas deve respeitar essa verdade elementar e nem sempre isso ocorre porque podemos ter um sistema fiscal bem formulado e uma arrecadação minúscula porque não existe actividade económica ou riqueza para tributar.

Esse princípio deveria ser autoevidente, mas, infelizmente, nem sempre é levado em conta e por isso até agora o debate sobre tributação em Angola é unidimensional e foca-se excessivamente na necessidade de garantir receitas para o Orçamento, independentemente dos custos e consequências para o resto da economia e para os contribuintes em geral e apenas focado na administração fiscal.

Sem querer entrar em detalhes, o recente debate sobre os poderes da administração fiscal no caso da penhora por dívidas fiscais (no âmbito do processo de execução fiscal) revela alguns dos problemas subjacentes ao actual paradigma. Os poderes extravagantes da administração fiscal devem ser balanceados por uma protecção efectiva dos direitos constitucionalmente consagrados, incluindo o acesso efectivo à justiça e o respeito pela propriedade privada. E o princípio que deve nortear a administração pública e fiscal deve ser a prossecução do interesse público, mas sempre no respeito da legalidade e dos direitos fundamentais dos cidadãos.

Um dos problemas da reforma fiscal no nosso País foi o peso excessivo dado à administração fiscal em detrimento da justiça fiscal. E não podemos confundir os dois pilares. Quem deve ter a última palavra num Estado de Direito é o poder judicial em qualquer conflito entre o Estado (latu sensu) e o cidadão e cabe ao poder judicial a garantia da legalidade e a protecção dos direitos fundamentais nos termos da Constituição. Em última instância, num Estado de Direito Democrático são os tribunais a última garantia da defesa dos direitos dos cidadãos e agentes económicos.

Por isso, a meu ver, torna-se necessário a criação de tribunais administrativos e fiscais num modelo de justiça que garanta que as decisões administrativas, no âmbito da administração fiscal, possam ser impugnadas pelo contribuinte e a este sejam garantidos todos os direitos constitucionalmente consagrados porque, por vezes, a administração pública também comete erros e injustiças e os tribunais existem para corrigir esse problema.

Um sistema fiscal deve ser adequado ao nível de desenvolvimento do País e ter em conta a nossa excessiva dependência das receitas petrolíferas (na sua vertente fiscal) e por isso o nosso sistema fiscal não deve ser excepção. Um exemplo da violação desse princípio é a elevada taxa do imposto industrial. Ter taxas de impostos elevadas como na Suécia para uma realidade como a nossa não é apenas irrealista mas completamente desprovido de sentido, considerando que somos um País em vias de desenvolvimento. Por essa razão as taxas de impostos devem ser reduzidas e adequadas à nossa realidade e no caso do imposto industrial a taxa deve ser muito inferir aos actuais 30%. Não faz sentido ter uma taxa elevada e depois criar incentivos que distorcem a taxa real efectiva estabelecendo efectivamente diferentes categorias de contribuintes e violando o princípio da igualdade.

O sistema fiscal deve também ser o mais neutro possível e eliminar incentivos fiscais como a única panaceia para atracção de investimentos ou de fomento económico porque estes distorcem o sistema fiscal. Acima de tudo, devemos ter sempre em conta a essência coerciva do sistema fiscal em qualquer País e que este deve respeitar os limites constitucionais e o princípio de que não há arrecadação sem a existência de actividade económica (e riqueza). Em resumo, aqui vão algumas considerações que por vezes são esquecidas:

1. Não há tributação sem actividade económica e por isso a tributação (e a arrecadação) não deve ser um instrumento de repressão das actividades económicas e riqueza.

2. Para o nosso nível de desenvolvimento, devemos implementar paulatinamente níveis de tributação com taxas reduzidas, obviamente com uma base tributária mais alargada e assim obter mais receitas.

3. Necessidade de eliminação da maioria dos incentivos fiscais que distorcem o sistema fiscal e criam efectivamente dois sistemas para os que têm e os que não têm acesso aos incentivos fiscais.

4. Considerar a implementação da reforma fiscal assente nos dois pilares: administração fiscal e justiça e por isso é necessário e urgente a criação de uma jurisdição administrativa com tribunais administrativos e fiscais.

 

Professor das Universidades de Coventry e Agostinho Neto