Proteccionismo e Comércio livre
Angola ainda é uma economia dependente da produção de crude que representa cerca de 98% das nossas exportações, o que acarreta um conjunto de consequências entre as quais a doença holandesa (Dutch Disease) que é um termo que foi baptizado pela revista Britânica The Economist em 1977, ao verificar um aumento exponencial das importações na Holanda em função da excessiva apreciação da antiga moeda holandesa (antes da adopção do Euro), depois da descoberta de reservas significativas de gás natural no mar do Norte.
No caso de Angola, sendo uma economia totalmente concentrada na produção petrolífera, há uma tendência para a apreciação da nossa taxa de câmbio, o que faz com haja um aumento das importações e um decréscimo nas nossas exportações. A excessiva apreciação da taxa de câmbio foi também exacerbada pela política do nosso Banco Central que, ao intervir no mercado através da venda de dólares aos operadores económicos, manteve artificialmente alta a nossa taxa de câmbio, o que já foi criticado pelo FMI e fizemos alusão num texto recente.
A doença holandesa, como fenómeno monetário, é um dos principais factores que explicam a pouca diversificação da economia nacional para além de outros, entre os quais a falta de mão de obra qualificada, debilidades institucionais na Administração Pública e no sector da Justiça, ineficaz regulação da concorrência e ainda fortes debilidades nas infra-estruturas, aspectos institucionais que já referimos em artigos anteriores.
A diversificação da economia passará por uma estratégia multissectorial de longo prazo com um amplo consenso nacional e passará por várias medidas de natureza legal, administrativa, social e económica. Enganam-se os que pensam que a protecção ao empresariado nacional criará ex nihilo capacidades produtivas que tornarão a economia angolana mais competitiva e que essa protecção mais investidores estrangeiros invistam em Angola.
A protecção aos empresários nacionais é mais um conjunto de medidas públicas que é resultado de um grupo de interesse (lobby) que é altamente organizado e politicamente influente que consegue favores do Estado à custa de outros grupos de interesses que serão perdedores líquidos (net losers), entre os quais os consumidores angolanos. Esse fenómeno é amplamente estudado pela Teoria das Escolhas Públicas e um dos pioneiros foi o economista Americano Mancur Olson que estudou o fenómeno no seu clássico livro de 1965, A Lógica da Acção Colectiva.
A pressão para que se utilize a pauta aduaneira como mecanismo de protecção aos empresários nacionais e dos produtos nacionais é por isso grande a fim de encarecer os produtos importados e tornar os produtos nacionais mais competitivos. Ausente dessa análise estão os consumidores que, numa economia proteccionista acabam por ter de pagar preços mais elevados do que a média mundial. E outro erro de análise é não perceber que Angola não é um País rico, se compararmos o PIB per capita que hoje aproxima-se dos 3000 USD a países do Ocidente onde o PIB per capita chega a ser 15 a 20 vezes superior ao nosso. Se observarmos outros indicadores, como o índice de desenvolvimento humano, vamos chegar à mesma conclusão e concluir que o proteccionismo afecta de forma negativa e desproporcionalmente a população mais pobre que constitui a esmagadora maioria no nosso País. Uma pauta aduaneira com tarifas mais altas não resolverá os problemas institucionais do nosso mau ambiente de negócios como a falta de atracção de investimento estrangeiro de qualidade, os atrasos nos nossos tribunais e nem os problemas ligados à corrupção na Administração Pública, falta de infra-estruturas e nem a falta de mão-de-obra qualificada pela quase total ausência de qualidade nas nossas universidades e escolas técnicas ou o problema eterno do acesso ao crédito.
Não nos podemos vangloriar do facto de a Autoridade Geral Tributária (AGT) ter receitas muito elevadas quando essas receitas acabam por ser pagas pelos consumidores através de preços mais altos num país que não é rico. O sistema normal de tributação de um Estado moderno consiste num conjunto de impostos e vários tipos de contribuições exigidos aos mais variados agentes económicos e os direitos aduaneiros são apenas um dos vértices da pirâmide de impostos num Estado. A maior parte dos Angolanos com um trabalho formal não paga sequer imposto de rendimento de trabalho (IRT) e boa parte dos empresários nem sequer sabe o que é o imposto sobre o consumo.
No caso de Angola, o sistema tributário é composto por impostos directos e indirectos nos mais variados sectores da economia, sendo que as receitas tributárias no nosso país consistem, na sua maior parte, naquelas que advém da exploração petrolífera. O facto de receitas petrolíferas terem um peso desproporcional nas receitas tributárias revela a falta de diversificação da economia e certamente a arrecadação de receitas pelas autoridades aduaneiras não deve substituir o papel da arrecadação de receitas por parte da AGT, impostos esses que deixamos de cobrar porque somos incapazes ou porque não temos uma base produtiva alargada para cobrar impostos de forma a diversificar as receitas tributárias. Para além disso, é ingénuo reduzir todos os problemas institucionais do país ao fenómeno da importação e utilizar a AGT como uma espécie de mecanismo de supressão das importações para proteger produtores não competitivos. A supressão forçada das importações, seja através da imposição de tarifas mais altas, seja através da imputação de custos de inspecções (barreiras não alfandegárias) aos importadores trará fortes externalidades negativas que se traduzirão em preços mais altos para os consumidores, o que não será nada abonatório para o combate à inflação, sabendo que não haverá diversificação imediata da economia nacional que por natureza ocorrerá apenas no longo prazo.
As importações são mais um sintoma dos problemas institucionais de que Angola padece e não a sua causa. Parece-me que em Angola muitos não conseguem ver isso e vêem as importações mais como a causa das nossas debilidades institucionais e não o sintoma. Na ausência de reformas institucionais profundas que levarão bastantes anos a serem implementadas não haverá diversificação da economia Angolana e, a nosso ver, essas reformas implicam uma liberalização da nossa economia que é uma economia fechada de facto.
Outro aspecto relevante para o debate acerca da diversificação económica tem que ver com a necessidade de construção de capacidades produtivas que não existem em Angola e se os nossos empresários são incapazes de entender um balanço ou ter contabilidade organizada, como irão criar capacidades para criar fábricas, fazendas ou estabelecer uma rede logística integrada? A resposta a estas perguntas revela muito sobre as nossas políticas económicas. É preciso desmistificar o papel de uma autoridade tributária num Estado moderno e reafirmar a necessidade de resolução de problemas institucionais para criar uma rede empresarial que seja competitiva e que não se esconda atrás de protecções artificiais concedidas pelo Estado, para além disso o que é totalmente esquecido é o papel do consumidor e os preços mais altos como consequência do proteccionismo e o acréscimo de burocracia que este terá que suportar na engenharia social pretendida.
É preciso também compreender que os investimentos estrangeiros estão ligados à redes logísticas internacionais (global supply chains) e isso requer mercados livres e abertos e comércio com o exterior, em especial com os nossos vizinhos e por isso devemos tomar medidas para aderirmos ao Protocolo de Comércio da SADC de 2005 e dos 15 países da organização, apenas Angola e a República Democrática do Congo estão de fora. Isso revela que nosso País houve um receio das potenciais consequências da participação no mercado da SADC. A nosso ver, esse receio foi e continua a ser infundado e revela mais sobre a protecção artificial que acaba por beneficiar apenas alguns produtores ineficientes à custa da generalidade dos consumidores.
No século XXI, tipicamente no sector secundário e terciário os investimentos de multinacionais estendem-se por vários países e na colaboração entre várias empresas e por essa razão não faz sentido um proteccionismo artificial que vai tornar o nosso País menos competitivo e afasta potenciais investimentos de Angola e o modelo Asiático e o seu sucesso foi baseado nessa abertura de mercados e essa lição muita gente parece não perceber.
O recente discurso sobre o Estado da Nação do Presidente angolano João Lourenço revela que o poder político está consciente dos problemas ligados ao proteccionismo no nosso país e é altura de acelerarmos o passo das reformas para que Angola não seja a excepção no mundo e em África e passemos a criar mais riqueza para a generalidade dos Angolanos não dependente das exportações de crude.
Professor das Universidades de Coventry e Agostinho Neto.
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