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Breves Considerações sobre o Sistema Fiscal

Não há arrecadação sem a existência de actividade económica (e riqueza). Este simples truísmo deve servir de guia para a compreensão das finalidades da tributação e o seu papel no financiamento público. Numa economia de mercado, o Estado financia as suas actividades essencialmente através dos tributos (impostos e taxas) e da emissão de dívida pública.

Os impostos são uma prestação pecuniária unilateral devida ao Estado por parte dos contribuintes. O contribuinte, como sujeito passivo, tem um dever fundamental de pagar impostos ao Estado que é o sujeito activo nessa relação jurídica fiscal. E não podemos olvidar que o contribuinte não pode deixar de pagar essa prestação ao Estado sob pena de sanções de natureza administrativa e penal.

Num mundo onde o Estado tem o monopólio legítimo da violência – para utilizar a definição de Max Weber – o contribuinte não tem escolha no pagamento ou não pagamento do imposto. Se o contribuinte não pagar os impostos devidos, o Estado pode penhorar (executar) os bens do contribuinte e, em última instância, o legislador pode também estabelecer sanções administrativas (com penas de multas), assim como estabelecer, por lei, crimes de natureza fiscal que têm como sanção a pena de prisão.

No caso do financiamento público através dos impostos, voltamos à primeira premissa, sem actividade económica não há arrecadação de receitas. Por essa razão, o Estado deve implementar políticas públicas que activamente estimulem a criação de riqueza e que não a penalizem. E a arrecadação de receitas deve respeitar essa verdade elementar e nem sempre isso ocorre porque podemos ter um sistema fiscal bem formulado e uma arrecadação minúscula porque não existe actividade económica ou riqueza para tributar.

Esse princípio deveria ser autoevidente, mas, infelizmente, nem sempre é levado em conta e por isso até agora o debate sobre tributação em Angola é unidimensional e foca-se excessivamente na necessidade de garantir receitas para o Orçamento, independentemente dos custos e consequências para o resto da economia e para os contribuintes em geral e apenas focado na administração fiscal.

Sem querer entrar em detalhes, o recente debate sobre os poderes da administração fiscal no caso da penhora por dívidas fiscais (no âmbito do processo de execução fiscal) revela alguns dos problemas subjacentes ao actual paradigma. Os poderes extravagantes da administração fiscal devem ser balanceados por uma protecção efectiva dos direitos constitucionalmente consagrados, incluindo o acesso efectivo à justiça e o respeito pela propriedade privada. E o princípio que deve nortear a administração pública e fiscal deve ser a prossecução do interesse público, mas sempre no respeito da legalidade e dos direitos fundamentais dos cidadãos.

Um dos problemas da reforma fiscal no nosso País foi o peso excessivo dado à administração fiscal em detrimento da justiça fiscal. E não podemos confundir os dois pilares. Quem deve ter a última palavra num Estado de Direito é o poder judicial em qualquer conflito entre o Estado (latu sensu) e o cidadão e cabe ao poder judicial a garantia da legalidade e a protecção dos direitos fundamentais nos termos da Constituição. Em última instância, num Estado de Direito Democrático são os tribunais a última garantia da defesa dos direitos dos cidadãos e agentes económicos.

Por isso, a meu ver, torna-se necessário a criação de tribunais administrativos e fiscais num modelo de justiça que garanta que as decisões administrativas, no âmbito da administração fiscal, possam ser impugnadas pelo contribuinte e a este sejam garantidos todos os direitos constitucionalmente consagrados porque, por vezes, a administração pública também comete erros e injustiças e os tribunais existem para corrigir esse problema.

Um sistema fiscal deve ser adequado ao nível de desenvolvimento do País e ter em conta a nossa excessiva dependência das receitas petrolíferas (na sua vertente fiscal) e por isso o nosso sistema fiscal não deve ser excepção. Um exemplo da violação desse princípio é a elevada taxa do imposto industrial. Ter taxas de impostos elevadas como na Suécia para uma realidade como a nossa não é apenas irrealista mas completamente desprovido de sentido, considerando que somos um País em vias de desenvolvimento. Por essa razão as taxas de impostos devem ser reduzidas e adequadas à nossa realidade e no caso do imposto industrial a taxa deve ser muito inferir aos actuais 30%. Não faz sentido ter uma taxa elevada e depois criar incentivos que distorcem a taxa real efectiva estabelecendo efectivamente diferentes categorias de contribuintes e violando o princípio da igualdade.

O sistema fiscal deve também ser o mais neutro possível e eliminar incentivos fiscais como a única panaceia para atracção de investimentos ou de fomento económico porque estes distorcem o sistema fiscal. Acima de tudo, devemos ter sempre em conta a essência coerciva do sistema fiscal em qualquer País e que este deve respeitar os limites constitucionais e o princípio de que não há arrecadação sem a existência de actividade económica (e riqueza). Em resumo, aqui vão algumas considerações que por vezes são esquecidas:

1. Não há tributação sem actividade económica e por isso a tributação (e a arrecadação) não deve ser um instrumento de repressão das actividades económicas e riqueza.

2. Para o nosso nível de desenvolvimento, devemos implementar paulatinamente níveis de tributação com taxas reduzidas, obviamente com uma base tributária mais alargada e assim obter mais receitas.

3. Necessidade de eliminação da maioria dos incentivos fiscais que distorcem o sistema fiscal e criam efectivamente dois sistemas para os que têm e os que não têm acesso aos incentivos fiscais.

4. Considerar a implementação da reforma fiscal assente nos dois pilares: administração fiscal e justiça e por isso é necessário e urgente a criação de uma jurisdição administrativa com tribunais administrativos e fiscais.

 

Professor das Universidades de Coventry e Agostinho Neto