A remoção de subsídios: “fake news”
Há exactamente duas semanas subscrevi neste espaço sobre a necessidade de estabilizar os preços dos bens alimentares, sobretudo os da cesta básica, em vez de se aumentarem os salários conforme proposto pelos sindicatos. Sugeri ainda que se fizesse um protesto nacional a solicitar uma baixa de preços significativa uma vez que nós já temos experiência deste feito desde os segundo e terceiro trimestres de 2022. Nessa ocasião, muito por causa das eleições em curso o preço da cesta básica baixou em cerca de quarenta porcento. A essa baixa de preços fez-se acompanhar da valorização do Kwanza que subiu de cerca de 850 para cerca de 520 Kwanzas por dólar.
Se isto foi possível em 2022 e, tendo em consideração que segundo os dados estatísticos actuais melhoramos os nossos índices de produção alimentar, porque não será possível fazê-lo novamente e duma forma permanente? O aumento do custo de vida é função da desvalorização da moeda. A única maneira de sobrevivermos como país é através da valorização da moeda.
Sr. General, precisamos de baixar o custo de vida. Essa medida só será possível mediante a valorização do Kwanza. A valorização do Kwanza passa pelo aumento das nossas reservas de divisas. Como não temos quase nada para exportar para além de petróleo e diamantes, a solução para o aumento da reserva de divisas é deixamos de gastar o pouco que arrecadamos conforme o fazemos no presente. Para avançarmos nesta direcção, temos que suspender uma série de “vícios” aos quais a nossa pequena burguesia se acostumou. Suspender essas necessidades supérfluas que os três porcento da classe média usufrui e que os noventa e sete porcento desconhece. Estas medidas não serão muito populares, porém, essa impopularidade não o deve deter uma vez que o Sr. General não consegue ser menos popular do que já é. Vejamos alguns exemplos.
O Sr. General já imaginou o benefício de fechar o país para os próximos dois anos a fim de se suspenderem as transferências de valores para o exterior? Nas minhas últimas viagens reparei que as aeronaves iam na sua quase totalidade preenchidas com funcionários bancários e da AGT. Já lá se vão os dias em que metade do voo era preenchido por elementos da Sonangol. Afinal de contas quantos angolanos viajam por ano? Este número é inferior a 150,000. Sim, 150,000 a queimarem as divisas que se conseguem para os 35 milhões de cidadãos nacionais.
Por outras palavras, menos de 0,5% da população beneficia das divisas. Acabar com esta sangria será uma boa medida para consolidar as reservas e suportar/sustentar o Kwanza.
Outra medida será acabar com a importação de bens agrícolas que se produzem no país. Encontro nos supermercados laranjas, limões, e até bananas importadas. Productos de charcutaria, latas de feijão, grão e ervilhas, cebolas e alhos importados. E, bacalhau quando nós temos por cá outros peixes secos de alta qualidade. Quem consome tudo isto? Os três porcento que preenchem a nossa pequena burguesia sacrificando, repito, os restantes 97% da população.
Para que não haja falta de consumíveis no mercado será necessário criar um programa de austeridade que force a produção interna. Colocar os meios de transporte do exército, (que consome uma fatia gorda do nosso orçamento geral) à disposição dos camponeses para garantir que os bens agrícolas por eles produzidos cheguem aos grandes centros de consumo até que a nossa rede de estradas esteja significativamente melhorada e permita que os operadores privados deiam a sua contribuição sem sacrificarem os seus meios.
Ao tomarem-se estas medidas, entre outras de carácter “isolacionista”, travaremos na verdade o crescimento da economia ao mesmo tempo que ao aumentarmos as nossas reservas baixamos o valor cambial do Kwanza. Essa deve ser a nossa maior preocupação neste momento.
Voltando à vaca fria, o Sr. General dando a impressão que respondia a alguns dos pontos do caderno de reclamações dos sindicatos estabeleceu “um aumento” com contornos incompreensíveis, porém de imediato aumentou o preço do gasóleo alegando a remoção de subsídios. É sobre isso que me vou debruçar nesta crónica.
Afinal de contas que subsídio, ou subsídios, é que foram retirados aos combustíveis? Qual é o valor dos ditos subsídios? Isso é o que se chama nas redes sociais nos dias de hoje “fake news”. Vou tentar explicar o meu ponto de vista uma vez que o custo dos combustíveis é em dólares americanos.
Nos últimos vinte e quatro meses o preço dos combustíveis à saída das refinarias variou entre U$ 0,65 e U$ 0,75 por litro. Em função do câmbio desta semana segundo o BNA, 830 AKZ por U$, o preço a saída da refinaria variou entre 540 e 700 Kwanzas. Assim sendo, como é que é possível vender o diesel a 200 Kwanzas e a gasolina a 300 Kwanzas? Portanto, os subsídios continuam nos preços.
Porém, se o valor cambial do Kwanza aumentar de 830 para 500 AKZ, o custo da gasolina para o público será cerca de 300 AKZ e como tal automaticamente
deixa de haver subsídios. Só assim, com a valorização do Kwanza, se eliminará realmente o subsídio aos combustíveis. O melhor caminho (quiçá o único) para a eliminação dos subsídios é a valorização do Kwanza. E, daí para a frente o preço dos combustíveis passará a flutuar de acordo com a flutuação do câmbio. Não existe razão nenhuma para o preço dum produto importado ser fixo uma vez que o preço desse mesmo producto não o é. Acabemos assim com a “fake news” de se retirarem subsídios uma vez que com a desvalorização da moeda os subsídios mantêm-se ou até aumentam.
A pequena burguesia assalariada, a tal que deveria ter os dentes partidos em 1976, e que é a única beneficiária dos recursos do país precisa de hibernar por um período de dois-três anos a fim de se reestabelecer o valor do Kwanza. Como é óbvio e em consequência o nosso governo precisa de eliminar “as gorduras do seu corpo” para que os cidadãos compreendam a razão de se apertar o cinto e verem os seus privilégios congelados. Afinal de contas isso será uma medida temporária que poderá abrir ao entrarmos na próxima campanha eleitoral onde uma economia mais previsível poderá ser um trunfo válido para o executivo.
Sr. General, estamos a viver uma período de emergência. Somos um corpo moribundo e começa a ser difícil arranjar balões de oxigénio para nos mantermos vivos. É preciso entrarmos num período de austeridade severa. Transferências para viagens, visitas médicas, escolas privadas no exterior, compras nas “Cartier” e “Versace”, festas no exterior, e demais gastos supérfluos precisam de ser suspensos até quando as nossas reservas sejam suficientes para garantia dum câmbio estável e forte. Será que os nossos guerreiros, as nossas zungueiras e, sobretudo os nossos camponeses não merecem este esforço por parte da nossa burguesia? Ou será que não somos mesmo capazes de lidar com o estado miserável em que vive a nossa grande maioria? Será que não sentimos a sua dor, o seu sofrimento, o seu abandono? Será que a nossa arrogância cega-nos a este ponto?
Estamos em 2024 com os maiores problemas de todos os tempos. A nossa população é a cada dia mais descaracterizada e as suas necessidades são muito maiores. O que somos nós que não conseguimos assisti-los neste momento, neste estado de pobreza aterrorizante? Precisamos agora mais do que nunca corrigir o que está mal e melhorar o que está bem. O povo, o nosso povo sofredor, continua a lutar para ganhar o lugar a que tem direito na nossa “n’guimbi”. O futuro promete.
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