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As trapalhadas no caso Candando

17 Jun. 2020 César Silveira Opinião

Na semana passada, o Valor Económico esteve, mais uma vez, na “boca do mundo” por culpa de uma determinada notícia. “Candando fecha metade das lojas e manda 1.000 para casa” é o título da matéria em causa. Era óbvio que existiriam muitas reacções, tendo em conta o impacto de mil novos desempregados.   

Em princípio, a reacção do Governo, através do Ministério do Comércio e Indústria, foi positiva, ao ir ao encontro da administração da empresa detentora do Candando para inteirar-se da situação. Sinal de preocupação com a possibilidade de o exército de desempregados já existentes ganhar mais 1.000 efectivos.

No entanto, seguiram-se depois acções que colocam em causa a acção positiva inicial. Desde logo, o comunicado deste organismo, sugerindo que “a notícia não correspondia à verdade” sem ter feito referência a que a mesma surgiu de uma confirmação de Isabel dos Santos que, por sinal, é accionista maioritária da empresa.

Porque será que o Ministério ignorou este detalhe? Por simples intenção de manchar o nome do Valor Económico ou apenas estratégia para evitar que fosse Isabel dos Santos a reagir ao comunicando, reconfirmando o cenário descrito pelo VALOR?

Outra possibilidade é a de o comunicado ter sido redigido por alguém que não leu o texto do VALOR ou, que se leu, fê-lo mal. Estas duas últimas hipóteses remetem-nos ao discurso do Presidente da República por ocasião da posse do secretário de Estado para o Ensino secundário, Gildo Matias.João Lourenço salientou que muitos licenciados não sabem redigir uma redacção, não sabem escrever nem falar. É neste pacote que se pode enquadrar a razão da falha do comunicado do Ministério do Comércio e Indústria na eventualidade de o comunicado ter sido escrito por alguém que leu a notícia do VALOR.

Caso a falha tenha origem na não leitura do artigo, está-se em presença de uma situação mais grave do que as destacadas por João Lourenço. Infelizmente, o Presidente da República também não fez referência àquele que tem sido dos maiores problemas do país a falta de saber trabalhar, o saber estar, o querer fazer e bem.

Qualidades que, perante uma eventual necessidade de escolha, devem sobrepor-se à plástica do bem falar, salvo se se tratar de um especialista ou estudante de línguas. Por exemplo, entre ter um médico medíocre, mas bom falante e ter um médico muito bom, mas medíocre na fala não há dúvidas de que a escolha recai sobre o médico com défice na fala, mas isto nas sociedades normais.

Regressando ao Candando, o argumento do secretário de Estado foi outra mancha negra da novela. Como é possível um responsável ministerial afirmar que o Governo está apenas preocupado com a protecção do emprego e não com as questões financeiras e de abastecimento da empresa, se as situações estão intrinsecamente ligadas?

Pela postura do secretário de Estado, não seria de duvidar se nos fosse dito que o Governo chegou ao encontro com o discurso: “Desenrasquem-se, mas não podem fechar nem despedir” e, sequencialmente, produziu o referido comunicado.

E a prova de que não houve consenso é o conteúdo do comunicado do Candando, contrariando a certeza de que não fecharão lojas dada pelo Ministério. Não só o Candando confirma as dificuldades impostas pelo arresto das contas de Isabel dos Santos e das suas empresas, como condiciona a manutenção de todos os empregos a apoios do Governo. Nomeadamente no acesso a crédito bonificado e no acesso a divisas para sanar os compromissos com o exterior. Portanto, ficou claro que, mais uma vez, o VALOR esteve bem.

Há mais. Também se levantou a possibilidade de o jornal ter sido usado por Isabel dos Santos para fazer chantagem ao Governo. Falso, pois a iniciativa de tratar do tema foi do jornal, depois de ter contacto com fotografias de prateleiras vazias tiradas em algumas lojas e foi preciso persistência e vários contactospara Isabel dos Santos aceitar falar.

César Silveira

César Silveira

Editor Executivo do Valor Económico