Autarquias terão receitas do Orçamento Geral do Estado
PODER LOCAL. Autarquias vão beneficiar do Orçamento Geral do Estado, independentemente da capacidade local de arrecadação de receitas. Moldes de financiamentos serão os mesmos, diferenciando-se apenas no número de contribuintes. Especialistas alertam para o perigo de futuros autarcas serem manietados por financiadores de campanhas eleitorais.
Gradualismo, funcional ou geográfico, é o que, geralmente, vem ao de cima quando o assunto é a implementação das autarquias em Angola e são os partidos políticos que mais empurram o debate para esta direcção. Luanda, por exemplo, acolheu, há duas semanas, uma conferência sobre a experiência de implementação gradual das autarquias em Moçambique, com Joaquim Chissano, antigo presidente daquele país, no papel de orador principal.
Ofuscada, segundo vários observadores, tem sido a discussão sobre capacidade e fontes de receitas dos municípios que, dentro de ano e meio, serão transformados em poder local autárquico. Aliás, economistas e juristas, contactados pelo VALOR, entendem que o debate deveria começar na questão da autonomia financeira dos municípios, tendo em conta que as autarquias se traduzem em gestão de recursos financeiros, humanos e matérias a nível local.
O Governo abriu oficialmente o debate versus consulta pública a 1 de Junho. Das seis propostas de lei do pacote legislativo autárquico, apresentado pelo Ministério da Administração do Território e Reforma do Estado, uma trata da questão das finanças locais e prevê que, independentemente da capacidade de arrecadação de receitas de cada autarquia, todas vão beneficiar de financiamento do Orçamento Geral do Estado (OGE).
Deste modo, ficam consignados às autarquias recursos provenientes do OGE, na ordem dos 70% do Imposto sobre o Rendimento do Trabalho (IRT) por conta própria, 70% do IRT por conta de outrem, 50% do Imposto Industrial, 80% do imposto sobre as sucessões e doações e 60% do imposto de consumo, com a excepção do de consumo arrecadado nas importações.
Para o economista Precioso Domingos, a consignação do OGE às autarquias não se configura em uma novidade, tendo em conta que “é assim que acontece em outros países”. “Por exemplo, na Noruega, onde se realizam eleições autárquicas há 108 anos, as autarquias recebem 60 a 70% receitas do orçamento central”, comparou, acrescentado que “os municípios têm de funcionar independentemente de arrecadarem mais ou menos recursos”.
Em relação às fontes locais de financiamento, a proposta de Lei define várias proveniências nomeadamente o produto da cobrança dos impostos sobre o património localizado no respectivo território, como o Imposto Predial Urbano (IPU), Imposto de Sisa e Taxa de Circulação.
Cobrança de derramas, tarifas de serviços prestados pela câmara municipal, taxas de concessão de licenças, multas fixadas por lei, regulamento que caibam ao município e rendimento de bens próprios, móveis ou imóveis, por eles administrados, dados em concessão ou cedidos para exploração também estão entre as fontes de receitas das autarquias. Participação nos lucros de sociedades e nos resultados de outras entidades em que a Autarquia tome parte, alienação de bens próprio (móveis ou imóveis) e produtos de heranças, legados, doações e outras liberalidades a favor da autarquia engrossam as fontes de financiamento local.
Além de considerar a arrecadação de receitas “um falso problema”, Precioso Domingos alertou para o risco de se cair em situação de “guerra de imposto”. “Temos de ter cuidado e olhar para aquilo que já é a carga tributária em Angola. O autarca não pode pensar entrar aí para ser uma espécie de caçador de impostos para sobreviver, tornando-se insuportável para os munícipes”.
No caso do Brasil, exemplifica o economista, os municípios entram em disputa saudável, baixando certos impostos, no sentido de atrair investimentos. “Tem de haver sempre uma visão integral do país. Os contribuintes dos municípios são os mesmos contribuintes para o orçamento central, que, no modelo actual, serve para todo o país. Agora tudo resto vai depender dos acordos de discussões a que se pode chegar”.
Já o ex-ministro da Administração do Território, Virgílio de Fontes Pereira, entende que a crise limita o Estado de ter meios financeiros para disponibilizar às autarquias com menos capacidade de arrecadação de receitas, para poder realizar os seus fins, reconhecendo, ao mesmo tempo, que o Estado tem de olhar para as condições técnicas, financeiras, de recursos humanos e instalações físicas para a implementação das autarquias.
Reiterando que nem todas as localidades do país têm capacidade de arrecadar receitas, “para andarem sozinhas”, Virgílio de Fontes Pereira defende que se dê um tempo para que os habitantes desses municípios tenham uma cultura de democracia local, de autarquias e para as próprias estruturas estarem habilitadas à realização do bem público local. O antigo ex-governante fez esses pronunciamentos durante a ‘conferência sobre a experiência de institucionalização gradual das autarquias locais em Moçambique’, organizada pela Cátedra Professor Carlos Maria da Silva Feijó e a Faculdade de Direito da Universidade Católica de Angola.
ARRECADAÇÃO DOS MUNICÍPIOS
Tendo em conta que o princípio do gradualismo deverá prevalecer na institucionalização das autarquias, as sedes municipais das províncias deverão ser seleccionadas para a primeira fase do processo. No entanto, a grande questão continua em saber a capacidade prática de arrecadação. Dados da Administração Geral Tributária (AGT) indicam que, no caso da Huíla, por xemplo, Lubango é o único município com capacidade de arrecadar receitas anuais acima dos mil milhões de kwanzas.
Em 2017, Lubango arrecadou 16,4 mil milhões de kwanzas (cerca de 70 milhões de dólares) de diversos impostos. O município é o mais habitado daquela, província, sendo a Huíla a segunda província mais habitada de Angola.
A seguir o Lubango, está a Matala, que em 2017, arrecadou 108,3 milhões de kwanzas (cerca de 500 mil dólares) de imposto, seguido da Humpata com 64,9 milhões de kwanzas, valor que não ultrapassa os 300 mil dólares.
Já no caso do Kwanza-Sul, por sinal não há grandes diferenças no que tange à capacidade de arrecadação entre os dois principais municípios, Sumbe e o Porto Amboim. Para já, os dois conseguem recolher mais de mil milhões de kwanzas de impostos por ano. Entretanto, os dois juntos não ultrapassam Lubango, a capital da Huíla.
Em 2017, o Porto Amboim, por exemplo, arrecadou 2,7 mil milhões de kwanzas (cerca de 9 milhões de dólares) resultantes de impostos de consumo, rendimento de trabalho, Imposto Predial Urbano, selo e taxas de circulação. Enquanto em 2016, o Sumbe recolheu 1,6 mil milhões de kwanzas (cerca de sei milhões de dólares).
Se as autarquias estivessem em ‘vigor’, no Kwanza-Norte, Cambambe e Cazengo seriam os municípios que conseguiriam receitas acima dos mil milhões de kwanzas/ano, seguidos de Camabatela, que, no entanto, não ultrapassa os mil milhões de kwanzas em receitas anuais.
Cambambe, que tem a sede a cidade do Dondo, arrecadou, durante o ano passado, 3,7 mil milhões de kwanzas (cerca de 15 milhões de dólares), enquanto a recolha de Cazengo, que tem a sede a cidade de N´dalatando, se fixou nos 2,6 mil milhões de kwanzas (mais 10 milhões de dólares). Camabatela aparece na terceira posição, ao arrecadar, em 2017, 20,6 milhões de kwanzas, o que equivale a menos de 100 mil dólares por ano.
ATRIBUIÇÕES E COMPETÊNCIAS
As atribuições e competências das autárquicas passam pela gestão local da educação (apenas pré-escolar e primário), saúde, energia, transportes, comunicações e equipamento rural e urbano. Património, cultura e ciência, lazer, turismo e desporto, acção social, habitação, protecção civil, ambiente e saneamento básico entram também nas atribuições do poder local, além da promoção do desenvolvimento, ordenamento do território e urbanismo, polícia municipal, cooperação descentralizada e geminação.
Com um mandato de cinco anos (renováveis), os autarcas e o seu elenco terão de resolver as preocupações dos munícipes nesses domínios, tarefas que se encontram sob a alçada do Governo central.
O jurista Pedro Kaparakata mostra-se, no entanto, céptico em relação à capacidade de administração dos futuros autarcas. E justifica o seu cepticismo com a escassez de recursos financeiros e a tendência de secretários locais de partidos políticos se tornarem autarcas.
“As autarquias, como tal, são mais um processo que nos vai conduzir a uma confrontação não só política partidária, mas uma confrontação de natureza criminal.” Porque, argumenta o entrevistado, “os secretários municipais e actuais administradores do MPLA vão transformar-se em autarcas. Sendo as populações maioritariamente partidarizadas irão contra a presença de elementos de outros partidos políticos”. “As pessoas identificam-se com os partidos e não consigo próprio.
Essa partidarização leva à exclusão das outras pessoas à volta. Porque um indivíduo que e fanático de um partido político não admite opiniões alheias.”
O jurista insiste que se vão colocar problemas de receitas e prevê que os autarcas “passarão a viver à custa do camponês, empobrecendo-o cada vez mais.
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