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Vice-governador e consultor jurídico ouvidos no ‘caso 500 milhões’

Contradições marcam audições de declarantes

04 Feb. 2020 Valor Económico De Jure

JULGAMENTO. Confronto com advogados de defesa leva declarantes a recuarem em vários testemunhos assegurados às instâncias dos juízes e do Ministério Público. Audições prosseguem no Tribunal Supremo, com interrogatórios centrados em questões procedimentais.

Contradições marcam audições de declarantes
D.R

Várias contradições dos declarantes  marcaram as sessões de julgamento do ‘caso 500 milhões’ na última semana.

Na terça-feira, 28, o vice- governador do BNA, Tiago Dias, questionou, por exemplo, a idoneidade  e a experiência da empresa promotora do projecto, para justificar o parecer desfavorável que submeteu a Valter Filipe em Agosto de 2017,  apesar de o então governador não lho ter solicitado. Enquanto era interrogado pelos juízes e pelo Ministério Público, Tiago Dias declarou que a falta de idoneidade e de experiência da Mais Financial teria sido aferida através de uma ‘due dilligence’, com recurso à Internet.

No entanto, quando interrogado pelos advogados de defesa e confrontado com as actividades da Mais Financial no sector fianceiro que obrigam à autorização prévia do BNA, Tiago Dias solicitou aos juízes que mantivessem a referência à falta de experiência, mas pediu que eliminassem as afirmações sobre a falta de idoneidade da empresa.

O consultor jurídico do BNA, Hernâni Santana, também se viu obrigado a recuar em relação a várias afirmações que assegurou na manhã de 29 de Janeiro. Quando questionado pelos juízes e pelo Ministério Público, Hernâni Santana referiu que algumas contribuições relevantes que havia sugerido para constarem do contrato de assistência técnica não foram incluídas na versão final do documento assinado entre o BNA e a Mais Financial, exemplificando o caso das garantias. Na tarde do mesmo dia, à instância dos advogados, quando solicitado a reler o contrato, admitiu que as garantias afinal constavam do documento. Hernâni Santana viu-se obrigado também a corrigir outra afirmação relacionada com o contrato de gestão de activos assinado em Londres. Depois de, no período da manhã, ter afirmado que havia sido retirada a referência ao direito inglês como norma para a resolução de eventuais conflitos, retificou as afirmações, à tarde, admitindo que a cláusula em questão estava no contrato. 

Mas o ‘confronto’ com a defesa teve outros ‘momentos de stress’ que obrigaram Hernani Santana a desfazer várias afirmações que assegurou na manhã do mesmo dia. Depois de ter afirmado, na primeira parte do interrogatório, que a transferência dos 500 milhões de dólares teria sido ilegal, por não ter obedecido às formalidades previstas na Constituição, Hernâni Santana recusou-se a comentar, na tarde do mesmo dia, se a autorização de José Eduardo dos Santos colocada no memorando elaborado por Valter Filipe gerava ou não eficácia jurídica.

Os advogados de defesa questionaram ainda a tese do consultor do BNA, segundo o qual o questionamento da operação residiria também no facto de ao banco central estar vedada a possibilidade de criar fundos públicos. Nos termos contratuais, segundo a defesa, o BNA não assume em nenhuma circunstância a possibilidade de criar fundos, uma vez que esta responsabilidade seria do consórcio contratado que, posteriormente, submeteria à decisão do Governo a gestão dos fundos.

 “O papel do BNA era emitir apenas a garantia para a capitalização do fundo estratégico, o nosso papel terminava aí e depois o Executivo decidiria. Não cabia ao BNA criar os fundos”, precisou Valter Filipe.     

VALTER FILIPE NÃO VIU O PARECER

Em Julho de 2017, Valter Filipe solicitou a Tiago Dias, enquanto responsável pelo pelouro do departamento de estudos, que desenhasse os termos de referência que serviriam para a elaboração de um estudo sobre a economia angolana por reputadas universidades inglesas, conforme o contrato de assistência técnica assinado entre o BNA e a empresa Mais Financial Service. Mas, ao invés dos termos de referência, Tiago Dias optou por enviar um parecer que nunca chegou às mãos de Valter Filipe. “Esse parecer terá sido enviado a 10 de Agosto, o mesmo dia em que foi assinado o contrato de alocação de activos em Londres.  Portanto, nunca cheguei a vê-lo. Tanto é assim que, em Outubro, por altura da passagem do dossier ao Ministério das Finanças, voltei a pedir os termos de referência ao vice-governador Tiago. E foi nessa altura em que, ao fazer referência ao parecer, eu lhe disse que lhe tinha pedido termos de referência e não um parecer”, explicou Valter Filipe, em acareação solicitada pelo juiz José Martinho Nunes.

Valter Filipe precisou que não pediu parecer a Tiago Dias porque a área de estudos não tinha competências para emitir pareceres, no âmbito do projecto que estava a ser negociado, mas também porque já havia solicitado parecer à equipa técnica constituída para o efeito e que era integrada por juristas e especialistas em matérias financeiras e de gestão de activos.

O actual vice-governador, que declinou comentar a legalidade ou ilegalidade da operação, respondeu que não saberia o que fazer, caso, na altura, fosse orientado por José Eduardo dos Santos a prosseguir com a assinatura dos contratos e com a execução da transferência, ainda que confrontado com os eventuais riscos do projecto.                  

Possível concertação

Na tarde da última quarta-feira, após ser ouvido pelos três juízes que conduzem o julgamento e pelo Ministério Público, o consultor jurídico do  BNA, Hernani Santana, começou a ser questionado por Sérgio Raimundo sobre uma eventual concertação que teria feito com o actual governador do banco central, no espaço do Tribunal. O advogado de Valter Filipe viu Hernani Santana, minutos antes de começar a ser questionado pela defesa, a trocar impressões com José de Lima Massano nos corredores do Tribunal, o que levantou suspeitas de possível concertação, uma vez que o actual governador é também declarante no processo.