ANGOLA GROWING

DESABAFO DIPLOMÁTICO

Nos últimos meses, o VALOR trouxe à estampa duas entrevistas esclarecedoras sobre a importância da revisão da política migratória, como se prevê no ‘Plano Intercalar’. Dois embaixadores de economias estratégicas para o processo económico angolano ignoraram o discurso politicamente correcto e atiraram-se contra o tratamento desigual que os seus países vêm recebendo das autoridades angolanas, em matéria de vistos. As queixas tiveram o mesmo denominador comum. O Brasil lamentou-se de falta de reciprocidade na facilitação e vistos de longa duração com múltiplas entradas, do mesmo jeito que se queixou a França. Nada que fosse rigorosamente novo, é verdade. Nada que qualquer observador comum não tenha referido ainda, ao longo destes anos de construção da expectativa da diversificação económica. Mas, como é sabido, o impacto e o valor simbólico da crítica pesam conforme a autoridade de quem critica. Sobretudo quando quem critica fá-lo completamente coberto de razão, recordando fantasias comprometedoras de projectos e planos governamentais que nunca passaram disso mesmo.

Ao longo dos últimos anos, não só o discurso do fomento do turismo tem estado na berra, como se introduziu o turismo entre os sectores estratégicos do processo de diversificação económica. O Ministério de tutela, por diversas vezes, apresentou projecções, aparentemente pensadas, sobre o que poderia ser o crescimento do sector e o respectivo contributo para a expansão do produto interno bruto. Mas o que é facto é que tudo isso nunca passou de verdadeira utopia, porque várias preocupações básicas invariavelmente ficaram sempre sem respostas. Mais do que as matérias de fundo como o investimento nas infra-estruturas que tornam atractivos os destinos turísticos, o Governo jamais explicou como previa aumentar o fluxo de turismo externo, se países com potencial de ‘exportação de turistas’, ainda que os conhecidos turistas de negócios, encontravam barreiras quase intransponíveis para terem acesso a vistos. A comparação levantada pelo embaixador francês, Sylvain Itté, na citada entrevista, não poderia ser, aliás, mais esclarecedora, ao exemplificar que, em certos casos, a entrada de um francês a Angola poderia ficar mais de 10 vezes acima do que paga o angolano para entrar em França, só em encargos com vistos. Definitivamente, isto não ajuda. Como não se percebe o imbróglio que se pode ler na página 10 desta edição. Não se compreende a possibilidade de existir um acordo sobre vistos entre dois países que uma parte exibe e a outra desconhece. É uma matéria excessivamente elevada e sensível, no âmbito das atribuições diplomáticas do Estado, para a hipótese de ter sido tratada com incompreensível leviandade.

Ainda bem que os novos sinais sugerem a correcção dessa perspectiva com que o Governo concebeu a concessão de vistos até ao momento. Com a evolução dos contextos, a narrativa da salvaguarda de supostos interesses estratégicos não pode descompensar a necessidade da abertura do país, em nome do impulso na economia. Isto passa pelo obrigatório entendimento dos angolanos de que a África do Sul não é o Congo Democrático. Esperemos então que Angola torne imediatamente as coisas claras, depois da oficialização da nossa ‘entrada livre’ na Terra de Mandela’ por parte dos sul-africanos.