Distribuição cresce, mas não impulsiona produção
DISTRTIBUÇÃO ALIMENTAR. Ancorado na importação (mais de 85% da mercadoria importada), o sector da distribuição é dos que mais cresce em Angola, com um volume de negócios a ultrapassar os dez mil milhões de dólares anualmente. Os números até podem ser animadores para os protagonistas do negócio, mas observadores consideram que “não satisfazem o interesse do Estado”, tendo em conta que não se reflectem no aumento da produção nacional.
Durante mais de três décadas, Angola, com uma população estimada, na altura, em mais de 15 milhões de habitantes, dispunha de apenas um hipermercado (o Jumbo), pelo que nem se podia falar de mercado de distribuição. Mas, nos últimos dez anos, o paradigma mudou com o surgimento de mais de dez insígnias (grossistas e retalhistas), o que empurrou o sector para níveis de competitividade mais próximos do que ocorre em países mais desenvolvidos. Aliás, há marcas internacionais que se implementaram, no território nacional, tornando o mercado mais competitivo.
Mas, apesar desse crescimento, há pela frente ainda muitos desafios. Um dos mais destacados é o estímulo necessário à produção nacional, contribuindo, com efeito, para a diversificação da economia, como aponta António Soares, presidente executivo da SODOSA, detentora do supermercado Mangolé e do grossista Mercadão. “O sector ainda não está a cumprir o seu ‘papel estratégico’, tendo em conta que o crescimento não se faz sentir no aumento da produção nacional, fundamentalmente, na agropecuária”, caracteriza.
Vários outros gestores do sector que aceitaram falar para o VALOR, sob anonimato, afirmam que o negócio é lucrativo, atingindo um volume de negócios anual acima dos 10 mil milhões de dólares, mas lamentam o facto de dependerem excessivamente das importações. O Jumbo, por exemplo, a mais velha insígnia do sector, importa mais de 70% das mercadorias que tem nas suas prateleiras.
Por isso, e face à situação da crise económica, financeira e cambial que condiciona, sobremaneira, os processos de importação, vários operadores admitem, para já, buscar alternativas internas para o abastecimento das grandes superfícies, especialmente com produtos de primeira necessidade, como o arroz, o feijão, a fuba, o óleo, o sal e a carne.
SEM CRÉDITO PARA INFRA-ESTRUTURAS
A construção de infra-estruturas, como redes de lojas e armazéns de abastecimentos a unidades comercias, e a aquisição de equipamentos, como câmaras frigoríficas, sistemas informáticos para a gestão e meios rolantes, como carrinhas, representam os principais custos dos investimentos na distribuição, sendo estes os factores que definem a dimensão do sector. Mas o presidente executivo da SODOSA indica que os bancos, “particamente, não concedem créditos para este tipo de investimento”, condicionando, em certa medida, a expansão do negócio da distribuição. A banca, como nota o empresário que está no mercado há quase 20 anos, tem mais abertura para conceder créditos que visam a importação de mercadorias. “Se não há financiamento bancário, não se consegue construir. Porque as empresas, em todo o mundo, se financiam para crescer. Se formos ver os grandes grupos internacionais, todos têm dívidas enormes com a banca. É preciso financiamento para que as economias cresçam. A distribuição não vive só de comprar e vender”, alerta o interlocutor, exemplificando que a construção do supermercado Mangolé, situado no Morro Bento, em Luanda, custou ao grupo que dirige 22 milhões de dólares.
O VALOR contactou a associação de empresas de comércio e distribuição moderno de Angola (ECODIMA), mas não teve sucesso. O secretário-geral, Reinaldo Pereira, avançou que ninguém da associação estava disponível para falar sobre o sector.
FRACA ALTERNATIVA
Se o problema é a excessiva dependência da produção estrangeira, a solução é a produção nacional. Mas, ao que parece, não será tão cedo que a distribuição deverá ‘libertar-se’ da ‘maldita importação’, tendo em conta que, a nível interno, não há grandes alternativas. Ou seja, a produção não cresce ao ritmo da distribuição.
Os empresários das superfícies reclamam constantemente da falta de qualidade e quantidade dos produtos nacionais, com maior destaque para produtos do campo, argumentado também que o produto importado é mais barato. “Para carnes”, por exemplo, explica um entrevistado ligado ao hipermercado Alimenta Angola, que preferiu falar em anonimato, “não existem órgãos internos que monitorizem a qualidade do gado abatido. Nunca se sabe se foram vacinados, se o ambiente de abate tem as condições sanitárias necessárias, e se existe um sistema de refrigeração adequado aos padrões internacionais”. Situação contrária com os “fornecedores internacionais que têm esse acompanhamento e garantia de qualidade sobre todos estes pontos”.
“Há uma fazenda, a GEAC, por exemplo, sedeada no Kwanza-Sul, que nos propôs fornecer batata-rena e abacaxi nacional. Mas só nos ofereceu duas vezes a batata-rena, até ao momento nunca mais apareceu. Tentámos entrar em contacto com eles e não conseguimos. As pessoas vêm fazer propostas, fizemos contratos. Começam, mas depois acabam por afundar-se”, apontou o gerente operacional do Jumbo. Manuel Gourgel entende que muitos dos fazendeiros não honram os compromissos assumidos com os supermercados por falta de capacidade de produção. “Pede-se a um determinado fornecedor mil quilos de tomate, ele só nos traz 200 ou 250 quilos. Isto tem estado a acontecer constantemente. Então, isto dificulta, tendo em conta a nossa capacidade de venda. Às vezes, ficamos sem satisfazer os nossos clientes nas proporções que a gente gostaria”, lamenta. Queixas que são reconhecidas pelo administrador da fazenda agropecuária Nova Agrolider, João Macedo. “Os distribuidores reclamam, de facto, da qualidade e dos preços dos produtos nacionais, mas, apesar disso, conseguimos vender os produtos a várias cadeias de distribuição”, esclarece o fazendeiro que admite, entretanto, que grande parte da produção nacional acaba escoada para o mercado paralelo, precisamente pela ‘dessintonia’ entre distribuidores e produtores.
CONTRASTES
Enquanto os protagonistas da distribuição reclamam da falta de quantidade e qualidade dos produtos nacionais, o director-geral da organização não-governamental ADRA, Belarmino Jelembe, afirma que retalhistas congoleses vêm ao país comprar tomate, batata-rena e outros produtos produzidos em solo angolano. “Pessoas informalmente, com os seus meios articulam com distribuidores que vão fazendo chegar até lá, vendendo em dólares. Este é um segmento que pode gerar emprego aos jovens”, alerta.
O responsável daquela ONG, envolvida no desenvolvimento da agricultura e da comunidade rural, aponta que as cooperativas, em diferentes municípios, precisam de assistência técnica sobre informação de mercado e cadeia de valor. “Muitos produtos chegam a Angola a preços mais baixos, porque, nos seus países, foram subvencionados, exactamente para poderem ser competitivos no mercado internacional. Os custos de produção, no nosso país, são dos mais altos, a nível da África Subsariana.”
PRODUTORES REFÉNS
Em economias mais desenvolvidas, notam analistas, é o sector da distribuição que impulsiona a produção, particularmente na agropecuária. “Os distribuidores dizem aos agricultores o que devem produzir, bem como, em que quantidade e qualidade, com garantia de comprarem toda a produção”, precisa um gestor do sector. “Isto ajuda o agricultor a crescer, porque o agricultor passa a ter o escoamento ou a venda garantida. Sabe que pode aumentar a produção porque tem quem compra e é essa empresa de distribuição que envia ao agricultor, o técnico agrónomo, responsável pela qualidade”, completa António Soares.
Mas, continua o gestor, em alguns países, “isso tem um revés da medalha”, porque o mercado se torna competitivo e o agricultor fica refém. “Fica nas mãos das cadeias de distribuição, que depois são estas que decidem o preço que o agricultor deve vender. Às vezes, o produtor vê-se a morrer, porque produz por dez e vende por oito. Por isso, em países como França e Estados Unidos de América, o governo dá subsídios à agricultura para produzir mais ou para compensar as perdas. Faz-se porque os países precisam daqueles produtos”, compara. Angola ainda não está a esse nível, de produtores reféns.
Glossário
Hipermercado
É um tipo de loja de comércio a retalho, de grande porte, combinando características de um supermercado com uma loja de departamento. Os hipermercados são classificados como híper quando dispõem de uma área de vendas superior a 2000 metros quadrados, dos quais pelo menos 50% são reservados a produtos alimentares.
Supermercado
É o comércio tradicional de alimentos, com um sistema de autosserviço que oferece uma grande variedade de alimentos e produtos domésticos, organizados em corredores. Os supermercados dispõem de uma vasta selecção de mercearia tradicional, mas é menor e mais limitado na gama de mercadorias do que um hipermercado. Os supermercados devem ter de 200 a 2000 metros quadrados, e maioritariamente, deve ser dedicado à venda de produtos alimentares.
‘Cash & Carry’
Designa um sistema comercial de livre serviço, onde o ponto de venda oferece um modelo de negócios híbrido, voltado tanto para o comprador profissional como para o consumidor final. Este modelo tem especiais vantagens para os pequenos comerciantes, transformadores e grupos profissionais que, isoladamente, têm pouco poder para negociar junto aos produtores e distribuidores. O princípio do ‘Cash and Carry’ é que o próprio cliente escolha o produto direi tamente nas prateleiras, comprando-o e levando-o com ele, evitando assim os custos com vendedores, com transportes e com diversos tipos de serviços não essenciais.
Comércio a grosso
É a actividade de compra e venda em que o comprador não corresponde ao consumidor final, uma vez que o seu objectivo é voltar a vender a mercadoria a outro comerciante ou a uma empresa manufactureira que utilize a matéria-prima para a transformar/processar. Em geral, o sistema de venda a grosso necessita de elos em sequência na cadeia de suprimentos, passando pelo comércio retalhista, para alcançar os consumidores finais. É comum que as empresas que actuam neste ramo também operem na distribuição.
Investimentos e inaugurações de alguns retalhistas
Kero
Gika - investimento 50 milhões de dólares Emprega 950 trabalhadores
Cacuaco - invest. 27 milhões de dólares Emprega 422 trabalhadores
Talatona - invest. 35 milhões de dólares Emprega 510 trabalhadores
C. Kilamba - invest. 25 milhões de dólares Emprega n/d
Atrelado ao Xyami (Morro Bento) - invest. 5 mil milhões de kwanzas Emprega 150 trabalhadores
Atrelado Xyami (Nova Vida) - invest. 3,5 mil milhões Emprega 500 trabalhadores
Lobito - invest. 2,5 mil milhões de kwanzas Emprega 400 trabalhadores
Benguela - invest. 2 biliões de kwanzas Emprega 370 trabalhadores
Atrelado ao Xyami (Lubango/Huíla) - invest. 20.000.000 de USD Emprega 500 trabalhadores
Mártires do Kifangondo - invest. n/d Emprega n/d
Comandante Valódia - invest. n/d Emprega n/d
Viana - invest. n/d Emprega 400 trabalhadores
Angomart
Investimento n/d
Emprega n/d
Num. lojas 3
Inaugurado 2006
Grupo Zanzi
Shoprite
Investimento 50 milhões de dólares
Emprega 3400 trabalhadores
Num. lojas 20
Inaugurado 2003
Grupo Shoprite
Martal
Investimento n/d
Emprega 200 trabalhadores
Num. lojas 1
Inaugurado 1968
Grupo Martal
Candando
Investimento 40 milhões de dólares
Emprega 750
Num. lojas 1
Inaugurado 2016
Grupo Contidis
Mel
Investimento 3 milhões de dólares/ Primeira loja
Emprega 123 trabalhadores
Num. lojas 2
Inaugurado 2014
Grupo Score Distribuição
Mangolê
Investimento 22 milhões de dólares
Emprega 220 trabalhadores
Num. lojas 1
Inaugurado 2013
Grupo Sodosa
Pomobel
Investimento n/d
Emprega 160 trabalhadores
Num. lojas 4
Inaugurado n/d
Grupo Pomobel
Jumbo
Investimento n/d
Emprega 550 trabalhadores
Num. lojas 3
Inaugurado 1973
Grupo Auchan
Máxi
Investimento n/d
Emprega 1.500 trabalhadores
Num. lojas 15
Inaugurado 1996
Grupo Teixeira Duarte
Alguns ‘gigantes’ que morreram
Canguru, Interpark, Supermercados e Nzambas Angoship
Localização das lojas
LUANDA: 12 Nosso Super, 9 Kero, 9 Máxi, 7 Shoprite, 4 Pomobel, 2 Alimenta Angola, 2 Mel, 1 Candando, 1 Jumbo, 1 Deskontão, 1 Martal, 1 Mega.
KWANZA-SUL: 1 Nosso Super, 2 Máxi, 1 Shoprite,
NAMIBE 1 Nosso Super, 1 Shoprite.
BENGUELA 2 Nosso Super, 2 Kero, 2 Máxi, 2 Shoprite
HUAMBO 1 Nosso Super, 2 Pomobel, 1 Shoprite
HUILA 1 Nosso Super, 1 Kero, 1 Shoprite
CUNENE 1 Nosso Super
KUANDO-KUBANGO 1 Nosso Super, 1 Shoprite
MOXICO 1 Nosso Super
LUNDA-SUL 1 Nosso Super
MALANGE 1 Nosso Super 1 Shoprite
UIGE 1 Nosso Super
KWANZA-NORTE 1 Nosso Super 1 Shoprite
ZAIRE 2 Nosso Super 1 mini Shoprite
CABINDA 1 Nosso Super
BENGO 1 Nosso Super
JLo do lado errado da história