Do acordo de mobilidade na CPLP à ameaça do Brain Drain no contexto angolano

12 Jan. 2022 Opinião

Com o advento da globalização, nas últimas décadas, e a necessidade de se fazer negócios num cenário internacional, a mobilidade de Pessoas e bens tem sido um dos principais facilitadores deste fenómeno e, consequentemente, um tema quente nas agendas das nações, sobretudo em África.

Do acordo de mobilidade na CPLP à ameaça do Brain Drain no contexto angolano
D.R

Recentemente, os angolanos foram surpreendidos com a ratificação do acordo de mobilidade na CPLP, por parte do estado angolano. Como tal, este foi um dos temas mais discutidos nas redes sociais e nos meios de comunicação. Infelizmente, o conteúdo do acordo gerou algumas interpretações precipitadas e equivocadas, por parte dos cidadãos. Ainda assim, estas interpretações equivocadas deixaram um alerta para um tema extremamente relevante, mas que tem sido ignorado em Angola, bem como noutros países africanos, o Brain Drain, em português, a fuga de cérebros de uma região para outra.

A expressão Brain Drain faz referência aos profissionais especializados em áreas do mercado de trabalho, dotados de um alto conhecimento no seu campo profissional, e que migram de países pobres ou com poucas oportunidades laborais para centros mais desenvolvidos que carecem de suas habilidades. Estes profissionais são atraídos por trabalhos no estrangeiro, tendo melhor remuneração, benefícios e reconhecimento e, ao mesmo tempo, a oportunidade de desenvolver pesquisas, tecnologias e outros temas inovadores no país acolhedor, deixando o país de origem desprovido de competências críticas para o seu desenvolvimento socioeconómico.

Os Objectivos de Desenvolvimento Sustentáveis da ONU 2030 estabelecem práticas a serem adoptadas pelos países membros, para fomentar o desenvolvimento sustentável no mundo. Para África os ODS 2030 apresentam um desafio extra, devido às adversidades socioeconómicas que o continente tem vindo a enfrentar há décadas.

Contudo, os ODS 4 (Educação de Qualidade), 5 (Igualdade de Género) e 8 (Emprego Digno e Crescimento Económico) parecem fazer parte das agendas das nações africanas, ainda que os resultados continuam a não ser de todo satisfatórios, deixando os traços de um caminho longo, ainda por se caminhar.

Nos últimos tempos, o executivo angolano tem apresentado várias iniciativas, de forma a contribuir para o desenvolvimento do país e, ao mesmo tempo, manter-se alinhado com os ODS 2030 supramencionados. Destas iniciativas pode-se destacar o PAPE (Plano de Acção de Promoção da Empregabilidade), o “Programa de Reconversão da Economia Informal” (PREI) e o Programa Nacional de Formação de Quadros (PNFQ). Todas estas iniciativas têm como objectivo primário desenvolver o Capital Humano angolano, de forma que este possa ser capaz de dar respostas adequadas e atempadas aos desafios socioeconómicos que o país tem vindo a enfrentar.

Os benefícios da livre circulação de Pessoas e bens são claros, tendo em conta os seus impactos directos no desenvolvimento socioeconómico das nações. No entanto, a livre mobilidade de cidadãos dentro de um determinado espaço “físico”, também acarreta alguns aspectos negativos e um deles é, sem sombra de dúvidas, a fuga de cérebros.

No contexto africano, o Brain Drain torna-se um fenómeno muito mais crítico, uma vez que ao longo dos tempos, um dos principais desafios que os países africanos têm enfrentado reside precisamente na qualificação do seu Capital Humano, de forma a puderem dar respostas adequadas aos desafios que África tem enfrentado.

No caso de Angola, fica a questão para reflexão. Havendo um acordo de livre circulação entre os países membros da CPLP, abrangente a todos os cidadãos, no qual existiria a isenção de vistos de curto prazo para os passaportes ordinários, será que Angola conseguirá competir com Portugal, Brasil ou outro país, de forma a reter os seus quadros em Angola? ou como indica a tendência, assistiríamos ao agravamento da fuga de cérebros angolanos para outros países da CPLP, em busca de outras condições socioeconómicas? E por fim, que impacto este fenómeno teria nas iniciativas desenvolvidas até agora, com o objectivo de capacitar o Capital Humano angolano? Que impacto teria no plano de reconstrução nacional de Angola?

O presente artigo foca-se principalmente no contexto angolano, mas de acordo com os dados do site da The Global Economy, especializada em gestão de dados de negócio e económicos para mais de 200 países, são bastante preocupantes, relativamente à questão da fuga de cérebros nos países da CPLP. No ranking da Global Economy, Angola ocupa a posição 76 dos países que mais se destacam nas questões de fuga de cérebros, para outros países, a nível mundial e a posição 38 a nível de África. O ranking é liderado pela Samoa com 9.9 e Jamaica com 9.0, a nível mundial e Somália com 8.8 a nível de África. O ranking é organizado com base numa escala de 0 a 10, onde 10 representa o maior índice de fuga de cérebros. Angola regista um score de 6.00, valores situados acima da média mundial que é 5.25, mas ainda abaixo da média africana que é 6.57. Nos restantes países da CPLP, o destaque vai para Cabo Verde que ocupa a 5.ª posição com 7.70, Moçambique que ocupa a 12.ª posição, com 7.30, Guiné-bissau que ocupa a 19.ª posição com 6.90 em África. Relativamente ao ranking mundial, temos Cabo Verde na 13.ª, Moçambique 24.ª posição e Guiné-Bissau na 35.ª.

Relembra-se que os benefícios da livre circulação de pessoas e bens são notórios e não são colocados em causa neste artigo.

Edivaldo  João

Edivaldo João

Consultant EY, People Advisory Services