E agora, sr. general, vamos fazer como?
Há alturas em que damos connosco a dizer que certas perguntas valem milhões. Não é este o caso. Pelas regras do mercado, esta pergunta só valeria milhões se eu fosse o único a fazê-la. Neste caso, o que deve valer milhões é a resposta. E agora, Sr. General, é caso para se perguntar: “vamos fazer como”?
Normalmente, quando se chega à quinta classe, o jovem estudante tem a obrigação de saber ler e escrever e, como tal, deve começar a imaginar como será o seu futuro académico e não só. Começa a pensar que certas brincadeiras já não são para a sua idade. Começa a ter interesses maiores, brincadeiras novas, desporto mais variado, e, em alguns casos precoces, a beleza das miúdas. É por volta da quinta classe que quase todos começamos a ter “miúdas”, pelo menos imaginárias. “Ele é o meu namorado, mas não sabe de nada. É segredo”. Em suma, nesses cinco anos de experiência dirigida, se for bem dirigida e orientada, melhoramos o nosso ser, lemos muita coisa, muita coisa nova, crescemos e, sobretudo, fazemos amigos. Tudo isto parece ser o ciclo natural do crescimento, da evolução, da nossa afirmação, da relatividade do nosso mundo pequeno. Na nossa pequenez.
Lá fora, no mundo dos adultos em que lentamente nos tornamos, não é bem assim.Mas deveria ser. Ninguém nasce ‘PCA’ do que quer que seja, porém, começa-se no primeiro ano e evolui-se. No nosso circo político, está determinado um ciclo “evolutivo” de cinco anos. No nosso ciclo político, candidatamo-nos porque nos sentimos capazes e vamos para a rua gritar bem alto o que podemos fazer. Sobretudo o que podemos fazer melhor que todos os outros. O que podemos inovar. Que podemos fazer a diferença. Prometemos fazer a diferença sempre de acordo com os nobres interesses de quem vota. De quem acredita em nós. De quem acha que somos “bons”. Do povo. Prometemos tudo, mesmo o que nem sequer sabemos ser o que e como é. Prometemos o que temos, e, triste, o que não temos. Prometemos. E com essas promessas, por vezes, enganamos o povo. Essa é a natureza do ciclo político universal, junto ao qual nós, também parece, querermos estar. Sim, até estarmos lá, parece querermos estar. Afinal de contas, querer é poder.
E foi mais ou menos assim que tudo começou, Sr. General. Acredito ter sido assim que o Sr. General prometeu “corrigir o que está mal e, melhorar o que está bem”. Acredito ter sido assim que o Sr. General que disse que “ninguém é tão poderoso que não possa ser punido, nem tão pobre que não possa ser protegido”. Afinal de contas, o que se passou nos últimos cinco anos?
Andávamos quase todos por aqui a clamar por justiça. Afinal de contas, quem não quer justiça? Talvez aqueles a quem o Sr. General chamou de “marimbondos”. Por razões de justiça, esses camaradas deveriam ser publicamente designados para que todos nós ficássemos a saber quem são. É uma questão de justiça e igualança, porque afinal de contas a justiça deve ser inalterável para todos. Só que não foi bem isso o que vimos nestes cinco anos. A justiça não teve o que deveria ter e acabou por proteger os poderosos e punir os pobres através dessa mesma protecção. Prenderam-se os camaradas Tomás e São Vicente e muito pouco mais. Os marimbondos eram só mesmo esses dois? Se eram só esses dois, para quê falar deles? E o caso do São Vicente parece mesmo ter embarrado: “nada de novo”. O que, aliás, era previsível.
Mas não foram só os “busineiros” da justiça que falharam. Falharam também os construtores e reparadores de estradas. As nossas estradas não convalesceram nem um só quilómetro. Pode haver alguns troços onde se nota alguma melhoria, porém a linha mediana está muito abaixo do que estava. Alguns troços pioraram de tal maneira que hoje parecem mais picadas do que estradas asfaltadas. Nessas condições, a produção dos nossos heróis da agricultura apodrece antes de chegar aos mercados, para além de danificar muito seriamente os meios de transporte. Até o combustível falta no interior do país por causa da falta de manutenção das vias. Pior de tudo isso são as mortes precoces dos nossos automobilistas. Ainda por confirmar, dizem-me que, no ano findo, morreu mais gente nas estradas do que de covid. Os responsáveis pelas nossas estradas deveriam ser chamados a justiça por todos aqueles que perderam os seus entes queridos por causa do estado das mesmas.
E por falar em mortos nas nossas estradas, podemos falar do estado da nossa saúde. O paludismo continua a matar sem dó nem piedade. É o que mais mata aqui entre nós. E, desventuradas as nossas grávidas que continuam a parir em condições lastimáveis. Muitas vezes no chão. Sem apoio de quem quer que seja. Sem os paliativos dos dias de hoje, muitas vezes sem sequer água quente para a higiene básica. E a família, lá fora no passeio esburacado adjacente a maternidade, à espera que alguém surja a pedir o que seja para apoiar a parturiente, muitas vezes corrida a bastonada pelos sipaios de hoje, mais violentos do que os de ontém. Até parece que as nossas crianças nascem para sofrer. E as que não conseguem sofrer, morrem logo a seguir como consequência. Eu, que até nasci no quintal debaixo duma mandioqueira! Só que a minha mãe foi assistida pelas velhas Vungi e Esperança. Elas sabiam o que fazer….
Mas não é só a saúde, as estradas, ou a justiça que estão mal. A nossa juventude está desempregada. E isso, Sr. General, é fundamental para a saúde política do país. Com o desemprego da franja mais dinâmica da sociedade, e a fome a ela associada, desenvolve-se um relativismo que relativiza todas as teorias de relatividade relativamente bem conhecidas. Parece confuso? Sim, é muito confuso e estamos sujeitos a um alude daqueles a quem o Sr antes de si, o Arquitecto da paz, chamou de desesperados há alguns anos. Exactamente aqueles que ao ouvirem as suas promessas saíram à rua e o elevaram ao poder. Entre muitos desses, estão aqueles que se esforçaram para fazer um cursito qualquer e que hoje não conseguem usar. Muitos que tristemente vendem bugigangas, quinquilharias e demais bufarinhas entre as filas dos carros de condutores doentes que se aventuram nas nossas estradas esburacadas e sobrelotadas para lhe darem o privilégio de, ao fim do dia, não morrerem da fome duma forma relativa.
Sim, a fome que só não vê quem é insensível. Há tempos alguém terá dito que a administração não ouve. Porém, ver é assunto diferente. Quem não vê atropela todos os outros e, se calhar, é isso que as centenas de crianças e demais maltrapilhos que de cócoras esperam que quem pode lhes traga a saída do boteco um pacote de massa ou de arroz sentem. Acredito que se sintam atropelados por aqueles janotas e catitas que descem do Lexus (ou será Nexus?) entram no espaço comercial com as mãos a abanar e saem de lá com a carriola carregada de coisas, coisinhas, pacotes, chocolates e sei lá que mais e nem sequer lhes trazem um pacotinho de esparguete ou uma lata de sardinhas. É na relatividade das nossas compras que fazemos a nossa fome relativa relativizando a relatividade da ostentação com a mais relativa opulência. Na realidade, até nós, os que conseguem “ir às compras”, sentimos uma fome relativa pela falta de ostras, trufas e caviares nas estantes das Shoprites cá da terra.
Muitos de nós andamos pela nossa nguimbi a clamar por educação. Entre 2018 e 2021, o que se fez no sector da educação? Temos de ser sinceros: não se fez nada que não fosse a coreia dos titulares. A certa altura, pareceu que a coisa poderia mexer, mas a máquina engasgou logo à partida. Não houve investimento tangível no sector. O número de professores não aumentou em paralelo com o número de estudantes. Nem se fez nada para melhorar a qualidade dos que por lá andam. E, com sensação de picante no olho, a já indigente compensação salarial dos nossos educadores não se moveu em paralelo com o aumento do custo de vida. Os professores, que já viviam mal, vivem agora pior, mais necessitados que antes. E a colmatar esta desgraça, temos as poucas escolas públicas em baixa de carteiras para os estudantes para além de todas as outras deficiências. Estamos indo de mal a pior.
Em 2017, surgiu um pico de confiança no país. Acções do executivo rapidamente corroeram esse pico e acabaram com o que restava de confiança dos potenciais investidores que para cá quisessem vir e assim influenciar o crescimento do país pelo menos até que essa confiança se comprovasse. Os “aventureiros” do petróleo, até agora o melhor aliado do Governo angolano, nem sequer se interessou pelas oportunidades que lhes foram servidas de bandeja. Ofereceu-se a travessa do gás e criaram-se outros benefícios. Colocaram-se à disposição novas áreas de exploração. E mesmo assim o namoro murchou.
Há dias um velho amigo disse-me que o “problema de África são as gentes dos quartéis, habituadas a dar ordens a soldados, se alojarem no governo. Não são PCAs por treino ou vocação. As chefias estão habituadas a dar ordens a soldados e pouco mais. Não estão treinados para a administração civil. Não sabem lidar com civis. Não têm uma visão global da sociedade que não seja a das armas. Querem exigir de civis lealdade militar. Muito honestamente, pensam que todos os problemas se resolvem com “contendas”. E, ainda por cima, têm a convicção de que são heróis e que sem eles a máquina não funciona.” Fiquei estupefacto, pois, nunca havia pensado nesses termos!
Estamos em 2022. E agora, Sr General, vamos fazer como? Precisamos agora mais do que nunca de corrigir o que está mal e melhorar o que está bem. E o povo, o nosso povo, continua a querer ganhar. O futuro promete.
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