ANGOLA GROWING

Vamos Nacionalizar as Escolas Privadas e Treinar os Professores

22 Jul. 2020 Opinião

Em dias de covid-19, a sociedade está em pânico. E não é caso para menos, embora pudesse ser. É, na realidade, problemático, sobretudo se tivermos em consideração o nosso estado de preparação para uma “crise” de tal dimensão. 

Porém, esta crise abrange outros sectores. E o mais importante é o sector da educação, um sector que está praticamente paralisado devido á crise. Num pingue-pongue nunca dantes jogado, o Governo determinou o pagamento parcial das propinas às quais os estudantes do ensino privado estão obrigados. O Governo entrou pela avenida do ensino privado, interferiu com a actividade privada e determinou que poderiam cobrar uma parte.

E é aí que reside mais um dilema. E este dilema toma proporções grandiosas porque envolve o ‘lobby’ mais poderoso da nossa sociedade, o grupo de pais e alunos e o grupo dos ‘mercenários’ do ensino. O primeiro, importante pelo poder de voto e pela sua dimensão orgânica, e o segundo pelo seu historial e associação aos deuses cá do burgo.

É do conhecimento de todos nós que o nosso ensino foi por nós próprios colocado na posição ingrata da ineficiência em que se encontra nos últimos vinte e cinco anos. Como resultado desse marasmo, nós, os que tínhamos (temos?) posses, mandámos os nossos filhos para o exterior. Afinal de contas, sempre se conseguiam uns dólares, euros, libras e rands para pagar colégios fora do país. Da mesma forma, como a religião privilegiou a educação para o clero e para a nobreza, nós privilegiamos os filhos do poder e dos novos-ricos, os nossos nobres. Tudo isso em desfavor do grande público, o nosso povo. Foi nos anos noventa que se começou a mandar os filhinhos para o exterior do país, enquanto alguns filhos do povo iam para Cuba.

Os portugueses, e logo a seguir os franceses, passaram ao ataque, viram o negócio e estabeleceram escolas privadas com carácter ‘de estado’ no país. Era conveniente, era para os filhos de portugueses e franceses, respectivamente. Depois alargaram o leque de estudantes e permitiram alguns filhos de indígenas. O negócio é rentável. 

E é aí que os nossos ‘craques’ do ensino decidiram ‘imitá-los’ e começaram a abrir escolas, colégios, institutos e até, sem vergonha na cara, universidades. A mercenarização do ensino ganhou tal dimensão que hoje, com um exército de cerca de 200.000 proletários, tem força suficiente para encostar o Governo à parede e exigir que o Governo determinasse que se pagasse uma fasquia das propinas mesmo sem leccionarem. Ridículo. Porém, sendo os colégios de quem são, o Governo cedeu. E os pobres dos filhos dos desempregados pobres, o grupo de pais e alunos reagiu e fez-se ouvir. Foram à guerra, esgueiraram-se no populismo, e não cederam.

O resultado foi a elaboração dum novo decreto, que, contrariando e ultrapassando o anterior, ordena o não pagamento de propinas. Está decretado.

Surge agora o lobby dos mercenários do ensino a reclamar com ameaças de se fecharem colégios, institutos, universidades. Surge agora o lobby dos mercenários do ensino a ameaçar lançar ao desemprego mais de 200 mil proletários. Só espero que o Governo não se predisponha agora a financiar esta gente.

Quando se propuseram a abrir os ditos centros de ensino, fizeram-se empresários. Fizeram-se gestores comerciais. E, para tal, fizeram os estudos de viabilidade necessários e avançaram com o negócio. O fim do negócio é a obtenção de lucros. E ganharam (continuam a ganhar) muito dinheiro. E tiveram lucros chorudos. A maioria dessas instituições já alargou as suas operações de tal modo que muitas delas são hoje irreconhecíveis, proprietárias de propriedade horizontal de alto gabarito. A título de exemplo, a escola portuguesa de Luanda mudou-se da baixa para o Largo das Heroínas e até abriu filial no Lubango. Tudo isso porque o ensino dá lucro. Muito lucro. É um grand’a negócio: cobram muito e pagam mal os professores.

Nesta altura de crise, os donos desses negócios precisam de meter as mãos nos bolsos (e partilharem o lucro dos anos anteriores) para manterem o negócio de pé, tal como todos os outros negócios no país. E, muito provavelmente, para não pagarem a quem não faz nada, deveriam organizar cursos online para a melhoria da qualidade do ensino que é ministrado. 2020 é uma excelente oportunidade para os proprietários de instituições de educação treinarem os professores que têm à sua disposição. Se fizerem isso, em 2021 teremos professores de melhor qualidade e mais capazes de colocarem no mercado gestores de mais alto calibre. Porque, afinal de contas, o que falta em Angola são gestores treinados para serem gestores. Está a chegar a altura de termos gestores a gerir empresas, não curiosos em gestão mesmo quando têm anos de experiência no ramo, como acontece na educação.

Entretanto, o que fazem? Ameaçam a sociedade fechar os seus colégios. Pois que fechem. E que o Governo imediatamente nacionalize tudo o que for propriedade deles e transforme esses colégios em escolas públicas. E que treine os professores conforme sugerido atrás. E este país de todos nós, que até merece ter um ensino público de qualidade, começará a caminhar nessa direcção. Nacionalizar o que foi roubado ao povo para alargar o ensino público. Depois, é só melhorar a qualidade do ensino pagando bem a professores de melhor qualidade.

 

Só assim poderemos corrigir o que está mal e melhorar o que está bem. E quem ganha é o povo. O futuro promete.

António  Vieira

António Vieira

Ex-director da Cobalt Angola