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Encostados à parede – intencionalmente?

15 Sep. 2021 Opinião
Encostados à parede – intencionalmente?

No passado dia 3 de Setembro, o cronista Gustavo Costa publicou um excelente artigo intitulado ‘Cercados’. Escreveu o cronista após considerações dignas e verdadeiras que, “…estamos cercados, de um e do outro lado, por uma elite atrasada, manipuladora, hipócrita, mentirosa e subserviente, que ainda não percebeu que Angola é mais importante e mais poderosa do que todos nós”, deixando para trás a arrogância para não ofender ninguém, creio.

Podemos até estar de acordo com o cronista, porém, temos de fazer algumas perguntas com a seriedade que nos falta nem que seja só para compreendermos o teor de tão brilhante crónica. Afinal de contas, hoje temos uma “autoproclamada” elite que até se “auto-intitula” de intelectual com as suas mentes brilhantes educadas a peso de ouro nos melhores corredores de educação do mundo. A nossa “elite intelectual” passou por Harvard, Oxford, Yale, MIT, Imperial College, Cambridge, Moscovo, Pequim, etc., e, como tal, deveria ter a obrigação de brilhar no seu desempenho com considerável eficiência. É óbvio que isso não acontece e é, por vezes, difícil de diferenciar um destes intelectuais daqueles que humildemente passaram pela Agostinho Neto, Lusíada ou pela Católica, os quais merecem muito mais respeito. A nossa “elite intelectual” frequentou os melhores corredores da ciência e formação, mas, mesmo assim, não conseguiu aprender a ser humilde. Fez-se ainda mais arrogante. Não aprendeu a dar o melhor de si e a servir aqueles à custa de quem beneficiou de bolsas que lhes permitiu tão fausta educação. Defrauda-os sempre que pode. Onde falhou a formação da nossa “elite intelectual”? O que é que a mantém num estado de atraso assustadoramente tão grande que até para nós próprios que convivemos com ela é visível? Obtiveram formação sem por baixo terem uma educação de base, sem o pilar de sustentação de qualquer homem de bem. Formaram-se, sem antes se terem educado. Falhou no mínimo a educação de base.

É neste contexto que podemos viver a frustração do general ao ter de sistemática e periodicamente promover novos quadros para os corredores das decisões. O número de “nomeados e de “demitidos” no executivo deixa-o irreconhecível. Demitido, porém, sem ser chamado a razão ou responsabilizado pelo fracasso na dita nomeação. Sem querer ser extensivo e tedioso (chato), enuncio alguns casos do conhecimento de todos:

1. Quatro ministros da Educação em quatro anos

2. Quatro ministros da Cultura em quatro anos

3. Quatro ministros da Economia em quatro anos

Para além destas mudanças de raiz do executivo, houve várias outras não menos significativas, incluindo vários governadores provinciais, sendo o de Luanda o mais flagrante com quatro governadores em quatro anos. Será que essa elite é digna da “notoriedade” que acompanha a titularidade da função? Mais claramente, será que essa elite é merecedora de ser tratada como uma “elite intelectual”? Alinham-se nos corredores do partido e vomitam toda uma verborreia com a qual bajulam o detentor do poder. Como uma vara esfomeada, mordem todos no mesmo “kipupu” (sapupo) e recebem a responsabilidade como prémio desse protagonismo falso e falacioso. Enganam o general e os seus assessores enganando-se a si mesmos. E são finalmente nomeados com base numa fidelidade ao chefe que prontamente atraiçoam e, por isso mesmo, acabam por ver a viagem pelo poder terminar antes de chegar ao término. Evaporam-se tal qual uma baforada de cangonha em dia de nevoeiro ambaquista. Ao que nós pensamos ser a nossa “elite intelectual”, não são nada mais do que os espantalhos colocados em campo aberto para que a passarada não devore os cereais e frutas a que tem direito. Como dizia um músico duma esquerda já desaparecida, “eles comem tudo e não deixam nada”. É exactamente isso que a nossa “elite intelectual” faz com uma voracidade, finura e sagacidade únicas. Primeiro, não sabem fazer melhor. Segundo, porque sabem, de antemão, que não serão punidos uma vez que estão protegidos pela alcateia. E, terceiro, porque, do alto da sua arrogância e petulância, definem e tratam os cidadãos deste país como um bando de pombas brancas.

E o general, com todos os poderes nele confiados por uma constituição feita à medida e aberta a trocas a toque de clarim, contínua impávido e sereno a ignorar a ondulação que vai batendo na costa completamente escavacada por vários temporais e mudança climáticas. Resta-nos a esperança que nenhum tsunami se lembre de nos bater a porta com a violência e furor com que bate na costa do Japão.

É óbvio que há muito para se fazer, só que não se faz. E, como num círculo vicioso, o general, embora “cercado”, tem a dita “elite intelectual” encostada a parede. Acredito que intencionalmente. Essa mesma “elite intelectual” que se foi formar no exterior sem ter tido uma educação de base aceitável. No nível superior, não há aulas de ética, moral, ou comportamento cívico. Essas matérias, essa educação, são transmitidas aos cidadãos durante os 10-12 anos de ensino básico e médio. Sem esse processo que visa o desenvolvimento harmónico do ser humano nos seus aspectos intelectual, moral e físico, e a sua inserção na sociedade, não é possível ter cidadãos conscientes sobre a sua cidadania. É esse factor, a cidadania, que fará a diferença sobre o comportamento da elite de qualquer país. E é por isso que a formação académica fica reduzida a insignificância perante a ausência de espírito de cidadania, de moralidade, e de amor ao próximo. A falta de educação da nossa “elite intelectual” está demasiado assente no egoísmo e arrogância que a coloca longe das massas. É por isso que a nossa “elite intelectual” vive insensível aos problemas das nossas populações e não se importa de “exigir” Lexus, Jaguares e demais V8s, para os esfregarem na face dos concidadãos que pouco mais do que um pedaço de pão necessitam para se sentirem um bocadinho mais humanos. A falta de sensatez da nossa “elite intelectual”, porque não foi educada duma maneira harmoniosamente humana, coerente e, vocacionada para o ser, reflecte a pressa que têm para “subir” sem sequer se aperceberem que não estão a altura do patamar para onde se querem fazer chegar.

O general, cidadão urbano, apesar de militar, tem a base para verificar tudo isso. Porém, ao fazer parte dum todo que não o tem, deixou-se contaminar e neste processo perdeu a capacidade de separar o trigo do joio. E continua a pescar em águas turvas na esperança de apanhar cacussos que não saibam a lodo. Os conselheiros à sua volta continuam a aconselhar que se continue a pescar dentro do mesmo lago onde todos já se encontram encostados à parede com medo de não serem pescados porque até sabem que não sabem o que fazer. Para fugir ao cerco, é necessário que haja esperança, paciência e honestidade. Um povo só deixa de estar cercado, só está liberto, quando estiver educado, tiver paciência e for honesto. E isso a nossa “elite intelectual”, tal qual o povo, ainda não o é.

Este círculo que até parece aberto ao pacato cidadão está demasiado fechado. Há, por isso, que o abrir para que se evite o desmoronamento social que, de braços cruzados, estamos a testemunhar. Não podemos dar-nos ao luxo de continuar com a educação conforme está, o que é quase o mesmo que estar sem educação. Temos de mudar esse pressuposto. Agora, antes de geração libertadora ir desta para melhor. Só assim iremos corrigir o que está mal e melhorar o que está bem. E quem ganhará é o povo, porque passará a ter uma elite condigna. O futuro promete.

António  Vieira

António Vieira

Ex-director da Cobalt Angola