Estabilização do Custo de Vida
Em diversas ocasiões, defendi aqui neste espaço e tentei chamar a atenção para aumentos salariais por mérito para os quadros nacionais, salientando os professores. Como referi nesses artigos, o nosso professorado anda a ser muito mal pago, mesmo tendo em consideração a sua qualidade em grande parte duvidosa.
Sem grandes surpresas, houve realmente alguns aumentos que certamente nunca foram o que se desejava. Foram na realidade uma operação cosmética destinada a anestesiar os profissionais tendo em vista as eleições que se avizinhavam. E, se se recordarem, para além desse aumento simbólico, registou-se na mesma altura uma valorização do kwanza de cerca de 45-50% tendo o dólar americano baixado de 850 para cerca de 550 kwanzas, durante o segundo trimestre de 2022. Perante este cenário, uma vez que seis meses mais tarde o valor do dólar regressou ao nível anterior, somos forçados a aceitar que ambas as medidas foram possíveis porque havia este interesse, mas a sua prática não foi duradoira. Era conveniente. Pelo contrário, foi pernicioso uma vez que o custo de vida aumentou e continua a aumentar. Se este cenário é difícil e complicado para todos aqueles que tiveram aumentos substanciais, o que se passa com os 75% da população que por natureza da sua “indigência” laboral não beneficiou de qualquer aumento?
Todos nós sabemos que a grande massa laboral do país está abandonada a sua sorte para além de que cerca de 60% está desempregada e vive de esquemas, candongas e demais zungas. Fazem uma vida “paralela”, atrevo-me a dizer, miserável. Os nossos camponeses vivem do que produzem sem a variedade alimentar desejável uma vez que nem sequer conseguem vender o que produzem, devido às dificuldades de transporte para os mercados nos centros urbanos. Perante este cenário, para que servem e a quem servem os
aumentos salariais?
A pequena burguesia assalariada, a tal que deveria ter os dentes partidos em 1976, é a única beneficiária. E, ao tentar arrecadar estes benefícios, ignora arrogantemente a maioria da população “indigente” porque é a esta condição que a nossa população está condenada. É a estes 12-15% da população à volta da qual a actividade laboral gravita que, mesmo ignorando as dificuldades dos restantes 85%, continua a promover o liberalismo capitalista que noutras zonas do globo não deixa para trás um número tão grande de indigentes. Os sindicatos que os representam cínica e brutalmente reclamam os direitos exclusivos do grupo (ou grupos) arrogantemente ignorando a maioria. Ignoram a condição social dos pequenos produtores de quem depende grande parte da alimentação fresca por eles consumida.
Do alto do pedestal do poder, um grupo muito mais restrito, porém muito mais privilegiado e isolado do dia-a-dia, faz o jogo de “faz de conta” e trava a todo o custo as reclamações dessa pequena burguesia assalariada, forçando os seus sindicatos a gritarem injustiça e a proclamarem greves. Sem margem para dúvidas que a greve é muito possivelmente a única forma de protesto experimentada, apesar de que os seus resultados são muito modestos. E, se por acaso funcionarem, só beneficiarão esse grupo. Quando resulta num aumento salarial, por mais insignificante que seja, faz com que as sanguessugas e associados usurpadores do suor alheio imediatamente subam os preços dos produtos perecíveis, deixando a maioria não assalariada ainda mais longe dos bens de primeira necessidade. Para além disso, um aumento de dez porcento no salário dos funcionários públicos imediatamente traduzir-se-á num aumento de quinze-vinte porcento dos bens de consumo. Infelizmente essa é a dinâmica deste capitalismo selvagem que nos querem impor. Como tal, não melhoram significativamente o “bolso” desses beneficiários enquanto deixam em situação muito mais precária todos os que não beneficiaram desse dito aumento “cosmético”.
Perante este cenário em que os aumentos salariais beneficiam muito minimamente uma percentagem insignificante da população, o que se pode fazer de modo a que a grande maioria saia ganhadora?
Eu sugiro que as centrais sindicais mudem de estratégia. É altura de se criar e desenvolver uma outra avenida nesta luta pela melhoria das condições de vida
de todos nós e começar a trabalhar para a eliminação da indigência no nosso seio. Nesta perspectiva, em vez de se partir para uma greve reclamando o aumento salarial que nunca se traduz em pouco mais de 8-10 porcento dos assalariados, egoisticamente ignorando o resto da população, porque não se faz uma greve para forçar o Governo a reverter os preços dos bens de primeira necessidade para os níveis de 2017? Ou mesmo para os níveis de 2012?
Os amantes do liberalismo capitalista alegam que a economia tem que crescer. Porque não travar esse crescimento mesmo que temporariamente? O que se fez no segundo e terceiro trimestres de 2022 pode voltar a ser feito. Acredito que todos sairão vencedores, à excepção dos economistas, todos eles treinados da mesma maneira, sem se preocuparem com a maioria dos cidadãos do nosso país. Que se lixem todos os que estão preocupados com o crescimento da economia. Com o regresso aos preços de há sete anos, todos sairão vencedores. E o maior vencedor será o Governo, uma vez que é titular da maior folha de salários do país. Para além disso, aliviará a pressão a que está sujeito neste momento, poupando energias que poderá direccionar para outras preocupações que carecem da sua dedicada atenção. Aos professores dar-se-á a atenção que necessitam, sobretudo melhores condições de trabalho. Às enfermeiras tirar-se-á a necessidade de desviarem medicamentos para complementarem o seu mísero salário. E eliminar-se-á a micha nos mais diversos departamentos da função pública.
Para quem teve a oportunidade de ler os meus artigos anteriores em que implorava aumentos salariais para os nossos quadros, este texto parece ser uma contradição. Porém, e por incrível que pareça, não o é: é, isso sim, o fruto duma evolução na busca duma solução ganhadora para todas as partes envolvidas no drama de ser capaz de satisfazer as suas necessidades dependendo do seu trabalho. As proposições anteriormente tentadas fracassaram. Há que tentar alternativas melhoradas.
Ou será que os nossos guerreiros, as zungueiras e, sobretudo os nossos camponeses não merecem este esforço? Ou será que não somos mesmo capazes de lidar com a massa produtora do país, com a grande maioria? Porque não atribuir aos nossos camponeses um crédito que lhes permita aumentarem a sua produtividade? Será que deveríamos mesmo ter partido os dentes à burguesia?
Estamos em 2024 com problemas maiores do que em 2017. Com muito
mais povo com muito mais dificuldade. Precisamos agora mais do que nunca corrigir o que está mal e melhorar o que está bem. E o povo, o nosso povo, continua a querer ganhar o lugar a que tem direito na nossa “n’guimbi”. O futuro promete.
Venâncio Mondlene acusa João Lourenço de temer reabertura do processo ‘dívidas ocultas’