Ex-PCA da Endiama acusado de introduzir empresas a custo zero em projecto mineiro
MINAS. Membros do Consórcio Mineiro de Tcheji colocam Carlos Sumbula no centro de “atropelos” e “imposições” que desencadearam “contradições” no projecto mineiro. Presidência da República recebeu as denúncias em 2018, mas ainda não reagiu.
Perto de 80 associados do Consócio Mineiro de Tcheji (CMT) acusam o ex-PCA da Endiama de ter introduzido empresas, a custo zero, na Sociedade Mineira de Tcheji (SMT), entre as quais as Organizações BK, do empresário Bento Kangamba.
A Sociedade Mineira de Tcheji foi criada em 1996 para a exploração de diamantes no projecto mineiro de Tcheji, na Lunda-Norte, numa área de 800 hectares. O objectivo, segundo constava, passava por ajudar a superar “o atraso económico” do Leste do país.
Seis anos depois (em 2004) seria firmado o primeiro acordo de partilha, integrando quatro parceiros (Endiama E.P., com 25,5%; CMT, 25%; Somia, 9,5% e a Amic Company, com 40%), que vigoraria até 2013, “ano do início das contradições”. A partir desse ano, a estrutura da sociedade alterou, com a saída de alguns accionistas e a entrada de outros, “por determinação de Carlos Sumbula, então PCA da Endiama”.
Em termos concretos, segundo as fontes do VALOR, o ajuste imposto por Sumbula não só provocou alterações na estrutura societária como levou à queda “abrupta” da participação do CMT na sociedade de 25 para 16%, ao passo que outros intervenientes “chamados à pressa”, como a Ysakama, as Organizações BK, a Hipergest (associada ao MPLA) e a Escom Mining (do extinto Grupo Besa), ficaram com 2%, 7%, 6% e 40%, respectivamente.
O CMT contestou, entretanto, na altura, as decisões do PCA da Endiama, mas, explicam as fontes, Sumbula justificou então a introdução de novos accionistas, com a necessidade de captação de investimentos para o projecto, o que, no entendimento dos accionistas do CMT, se tratava de uma “antecipada certidão de incapacidade ao investidor Escom Mining” com o qual haviam rubricado o acordo de produção. Um acordo que viria a ser “desfeito, sorrateiramente, porque a Endiama entendeu que tinha de ser ela a tratar com a Escom Mining”.
Em Abril do mesmo ano, foi convocada, entretanto, a assembleia-geral da sociedade, na qual seria anunciado o arranque da mina. “Mas, nessa reunião, ao invés de orientar o investidor em apuros, por não cumprir com as suas obrigações contratuais, Sumbula exigiu que o consórcio voltasse a ceder quotas a custo zero para beneficiar, mais uma vez, as Organizações BK”, denunciam.
Desta vez, a imposição de Sumbula voltaria a ser “categoricamente rejeitada” pelos accionistas do CMT, tendo estes decidido recorrer “a outras instâncias”, para manifestarem o “descontentamento”, uma vez que, aquando da constituição do consórcio, cada um pagou ao Estado uma jóia de 50 mil dólares. “Mesmo dentro deste ambiente de incertezas, a Endiama foi criando comissões para dirimir alguns impasses até à inauguração da mina, em 2015, pelo actual vice-Presidente da República, Bornito de Sousa. Mas, de lá para cá, a gestão é posta em causa pelos sócios impedidos de participar na ‘repartição do bolo’”, explicam as fontes.
OUTROS PONTOS DE RUPTURA
Além da introdução de empresas a custo zero, os accionistas do consórcio apontam “a subtracção compulsiva de quotas para beneficiar empresas estranhas à sociedade” como outro ponto “de grande discórdia”.
As fontes criticam ainda “atropelos” como a realização de determinadas reuniões sem a produção de actas, além da entrega à Sodiam, para avaliação e posterior venda, de diamantes produzidos na mina, “sem a devida informação às empresas associadas”.
Por terem sido excluídos da participação na direcção-geral da SMT, os membros do CMT dizem-se também “agastados” e mencionam a “movimentação de pessoal de direcção e chefia sem a observância dos estatutos”.
Os cerca de 80 participantes do consórcio apontam ainda “injustiças” por terem feito investimentos iniciais documentados, como o pagamento do frete de 14 voos de equipamentos a partir da África do Sul, avaliados em 540 mil dólares. Segundo relatam, o equipamento, avaliado em 14 milhões de dólares, chegou à Lunda-Norte na sequência de um acordo que o consórcio havia firmado com a Amic Company, um financiador israelita, que seria também afastado, para, em seu lugar, a Endiama acomodar os sul-africanos da BhpBilliton. Em face dessa troca, recordam, “fizemos muita confusão, mas não fomos tidos nem achados”.“Hoje não temos nem um tostão, contraímos dívidas, que não conseguimos honrar”, indicaram as fontes que vimos citando, lamentando a morte “por AVC de uns e por enforcamento de outros accionistas, na sua maioria antigos quadros do MPLA, governantes, sobas, incluindo a máxima autoridade tradicional dos cokwe”.
“Quando o Presidente João Lourenço esteve de visita à Lunda-Norte, o rei não foi recebido, mas devia fazê-lo, para ouvir as inquietações dos cerca de 100 trabalhadores e da população que se sente muito injustiçada com o nepotismo e o amiguismo e, sobretudo, a gestão danosa da empresa”, observam as mesmas fontes, que dizem ter levado “todas as irregularidades” ao conhecimento do chefe do gabinete do Presidente da República, Edeltrudes Costa. E, posteriormente, ao próprio chefe do Executivo, sem que, entretanto, tivessem obtido quaisquer respostas desde 2018.
Contactado pelo VALOR, Carlos Sumbula limitou-se a afirmar que já não se encontra ligado ao processo. “Já não estou lá”, respondeu, sem adicionar qualquer esclarecimento, antes de solicitar o envio do questionário do VALOR ao qual não respondeu desde o dia 8 de Dezembro.
Um executivo da actual gestão referiu, entretanto, que houve um concurso público internacional que permitiu a entrada de novos accionistas. “É tudo muito estranho. Numa altura em que decorrem as assembleias de sócios, é ali onde os que reclamam deviam expor as inquietações”, comentou o gestor.
No entanto, os sócios do CMT não ‘desarmam’ e insistem que nunca foram notificados, tendo tomado conhecimento do concurso por vias oficiosas. “Estamos a tomar conhecimento por vias não oficiais da realização do concurso”, detalham, deixando, de seguida, vários questionamentos. “Com que finalidade, se eles próprios (Endiama) são os gestores? Porque não nos deixam gerir a mina? Há orientações de acabar com o privado no sector de diamantes? Porque querem terminar com o CMT, se esta empresa nunca teve a sorte de dirigir o seu próprio destino?”
Os sócios do CMT não concordam com a ideia de que os angolanos são incapazes de gerir e denunciam “uma longa perseguição” para afastá-los do negócio.
“Quem no fundo acaba por ter poder sobre o judicial...