FALTA DE CRÉDITO E AUSÊNCIA DE APOIOS DO ESTADO

Fazedores de cultura identificam barreiras ao empreendedorismo

10 Mar. 2020 Marcas & Estilos

SEMINÁRIO. Com o propósito de incentivar os fazedores de cultura e arte a empreenderem no seu potencial, Instituto Angolano da Juventude reuniu mais de 400 jovens em dois dias, em Luanda. Empreededores apontam, entre outros, o favorecimento a minorias, entre as razões que contribuem, sobretudo, para o desemprego.

Fazedores de cultura identificam barreiras ao empreendedorismo
D.R

Reclamações dominaram a primeira edição do ‘Seminário de Empreendedorismo Cultural’, realizado na semana passada pelo Instituto Angolano da Juventude (IAJ), no âmbito da materialização do Plano de Desenvolvimento Nacional (PDN) 2018-2022, e do Programa de Desenvolvimento Integral da Juventude.

Entre vários temas, o debate sobre as ‘oportunidades de crédito para empreendedores culturais’ destacou-se, levando empreendedores, como Cabingano Manuel, a confessarem-se “órfãos de financiamento” tanto privado quanto de recursos públicos.

Empreendedor cultural há seis anos, Cabingano Manuel conta que começou o ‘Espaço Aplausos’ após enfrentar “constantes perseguições e lutas”, com menos de 300 mil kwanzas. “O financiamento é o ‘calcanhar de Aquiles’ de qualquer projecto, não só cultural”, refere o também jovem jornalista,  aconselhando, entretanto, que não se deve esperar  por financiamento para executar uma iniciativa ou materializar um sonho. “O que precisamos fazer, principalmente no domínio cultural, é reunir factores que nos permitam fazer os projectos a baixo custo”, recomendou, tendo em seguida lamentado o facto de os bancos não disporem de linha de crédito para o empreendedorismo cultural. “Talvez porque a nossa história recente não tenha trazido o empreendedorismo cultural como uma actividade económica sustentável, mas, se olharmos para outros países, vamos perceber que há esta preocupação do ponto de vista de financiamento, por isso são grandes economias.” Cabingano Manuel cita os exemplos dos EUA, com a Hollywood, Brasil, com as telenovelas, e da Nigéria, com Nollywood. E chama atenção das autoridades para a aposta neste sector, “que é fundamental para o crescimento do PIB e o fortalecimento da identidade cultural”.

A sonhar contruir um espaço de cultura e arte com oito edifícios, Cabingano Manuel emprega no Espaço Aplausos 25 pessoas, 20 das quais jovens que têm emprego pela primeira vez. Com uma média anual de 500 alunos, o jovem empreendedor faz “exercícios diários para se manter no mercado”, já que grande parte dos rendimentos é proveniente de espectáculos, cuja produção ronda os cinco milhões de kwanzas, valores que considera “bastante onerosos”.  

Não muito diferente, o escritor Adilson Cassua ‘Kiocamba’, há mais de cinco anos no meio de muitas dificuldades e sem apoio financeiro, está com os seus sócios a consolidar a Editora Acácias, que já soma 70 livros publicados. “Não há uma aposta na produção do livro para o grupo empresarial privado, há muitas dificuldades para termos acessos ao financiamento,” lamenta.

Por sua vez, Orlando Domingos, director da Associação Globo Dikulu, conta que teve de continuar “persistente e suportar os vários nãos” até concretizar, nos finais dos anos 1990, o Festeca (Festival Internacional de Teatro do Cazenga).

O empreendedor cultural considera existir um “vazio” ao incentivo cultural, razão pela qual chama atenção do Governo para o apoio aos empreendedores do sector e especifica a necessidade de criação da indústria cultural “porque gera lucros e Angola tem um rico mosaico cultural.”

Por seu lado, Euclides da Lomba, director nacional da Cultura, admitiu que a dificuldade enfrentada pelos fazedores de arte que tencionam empreender é explicada sobretudo pela ausência de “uma política virada ao desenvolvimento cultural”, e agudizada pelo apoio à cultura gerida “pela porta do cavalo.” O também músico dá exemplo do Fundo de Apoio à Cultura, cujos beneficiários “são próximos de quem tem o poder de decisão.”

“O Fundo de Apoio Cultural deve ser do conhecimento público, todos nós devemos ter igualdade de concorrer e saber quem teve apoio do fundo de apoio cultural. Muitos têm desconhecimento que existe um fundo de apoio cultural. Apesar de ser membro do Ministério da Cultura, não sei quais são os critérios”, lamenta.

A outra questão que inquieta Euclides da Lomba é a “concorrência desleal” existente no mercado angolano, em que instituições, como bancos comerciais e telefonias, cujo objecto social não é organizar eventos, mesmo assim o fazem, quando podiam patrocinar os agentes culturais. Para o músico, o Estado perde muito pela “desorganização existente”, uma vez que “não tem como tributar o rendimento dos artistas”.

Uma nova esperança

Enquanto não se sabe ao certo o número de empreendedores culturais existentes no país, entre as mais de 100 mil empresas licenciadas, conforme dados avançados por Artur Pinheiro, quadro sénior do Ministério do Comércio, o coordenador comercial do Banco de Comércio e Indústria (BCI), João de Brito, reconhece que o sector da cultura tem sido “esquecido”, apesar de “constituir alavanca para a economia”.

Ao VALOR, João de Brito avança, no entanto, a possibilidade de, a curto prazo, o BCI começar a ceder crédito ao jovem empreendedor cultural, fruto de uma parceria com o Ministério da Juventude e Desportos.

Mas, tendo em conta muitos jovens não têm bens para servir de garantia, o responsável aconselha os empreendedores a optarem pelos pequenos negócios, até porque, justifica, “os grandes empresários começam com o pouco.”

Já Jofre dos Santos, director-geral do IAJ, assinalou as dificuldades apresentadas pelos jovens, tendo conseguido identificar, no evento, “projectos exequíveis”. O responsável garantiu assim ajudar a organizá-los e remetê-los à banca para o devido financiamento, “com vista a empoderar os fazedores de arte”.

A segunda edição do seminário terá lugar no município de Viana, no final de Abril. Neste primeiro, além do acesso ao crédito, foram debatidos ainda temas como as ‘Experiências de sucesso em iniciativas de cariz cultural e artístico’, ‘Como empreender com base na cultura e na arte’, e ‘Requisitos para o exercício de uma actividade comercial de cariz cultural’.