FUNDO PERDIDO

Há cerca de duas semanas, o país ficou a saber, de modo oficial, que Angola declinou a ajuda financeira do Fundo Monetário Internacional, que vem sendo negociada há vários meses. Dizemos oficial, pelo facto de a informação ter sido assumida, publicamente, pelo FMI, porque, do lado angolano, até ao momento, não houve qualquer comunicação formal. De acordo com as declarações do alto funcionário do Fundo que passou a informação, em primeira mão à imprensa norte-americana, as autoridades angolanas optaram por manter apenas as discussões sobre a avaliação económica anual do país, recuando na questão do empréstimo financeiro que se previa atingir até aos 4,5 mil milhões de dólares em três anos, para apoiar o programa de investimentos públicos do Governo.

Apesar das circunstâncias em que ocorreu - pouco depois da última visita da missão de negociação do Fundo a Luanda – a recusa do Governo não devia causar tanta surpresa a analistas e observadores, como causou.

Desde cedo que esteve claro que as negociações estavam ensombradas, sobretudo, pelo futuro político imediato do país, que inscreve eleições gerais no próximo ano. O VALOR até antecipou, de forma esclarecida, este cenário de recuo ainda no mês de Maio, quando avançou, em exclusivo, que José Eduardo dos Santos não estaria interessado em assinar qualquer acordo de financiamento com a instituição liderada por Christine Lagarde. Na altura, o jornal chegou a revelar que, inclusivamente, o pedido de empréstimo teria sido avançado pelo ministro das Finanças, Armando Manuel, sem a autorização expressa do Presidente da República. E as explicações que se colocam hoje foram exactamente as que antevíamos há mais de dois meses.

Ainda que o tema da transparência custe sobremaneira às autoridades angolanas, Angola é incapaz de fundamentar, de forma convincente, a decisão de recuar em relação ao FMI, porque a única explicação que tem parece ser de natureza eleitoralista, o que, obviamente, não serve para justificações formais. E se o ‘trunfo na manga’ for, por acaso, uma alternativa qualquer de financiamento, o mais provável é que o Governo não a assuma de forma pública, pelo menos por enquanto. Porque qualquer solução de empréstimo diferente da do FMI, em termos financeiros, será sempre mais onerosa para o Tesouro nacional. Com os juros da dívida soberana nos mercados internacionais, cada vez mais elevados, por força da deterioração continuada do cenário macroeconómico, ninguém emprestaria dinheiro ao país, nesta fase, que não custasse mais aos cofres do Estado, do que a oferta do FMI. Mas, vale lembrar que, na verdade, não estão em causa apenas custos financeiros. Empréstimos caríssimos e sem exigências, em termos de transparência, na sua aplicação, acabam por ser várias vezes nocivos, porque, além dos custos financeiros, incluem custos da indisciplina orçamental e da gestão danosa. É esse tipo de riscos que, à partida, estariam mais bem prevenidos, se Angola tivesse optado pelo FMI, como o fez em 2009. O impasse fica explicado, portanto, por uma ‘simples’ questão de tempo. Depois das eleições, poderemos assistir ao próximo capítulo desta novela, que poderá trazer de volta o ‘protagonista ajuda financeira’.