Juristas divididos sobre desentendimento entre juiz e advogada
JUSTIÇA. Defesa de Augusto Tomás considera que ex-ministro dos Transportes foi ‘destratado’ e ameaça levar queixa ao CSMJ e à Ordem de Advogados de Angola. Há quem entenda a posição de Paula Godinho, mas há também quem veja o juiz “no topo da pirâmide”.
O ‘choque’ de palavras entre o juiz Joel Leonardo e a advogada Paula Godinho, no quinto dia do julgamento do ‘caso CNC’, “não deve atrapalhar” o andamento do processo, considera o advogado António Cangombe, que não descarta a hipótese de o juiz vir a “ser afastado, se for considerada procedente a queixa da defesa ao ao Conselho Superior da Magistratura Judicial (CSMJ) e à Ordem de Advogados de Angola (OAA).
António Cangombe reprova o incidente e lembra que tanto o juiz quanto o procurador e o advogado “são obrigados a tratar entre si com urbanidade, porque devem apenas ir ao encontro dos parâmetros da administração da justiça”. No entanto, no ‘caso CNC’, “se a advogada achar que o juiz não está a agir em conformidade, pode intentar uma acção para impedir a sua continuidade à frente do processo”, defende, considerando que “Paula Godinho está no direito das suas atribuições”, porque “o juiz não tem poder disciplinar sobre o advogado”, um papel reservado ao CSMJ e à OAA.
Observando que “os juízes foram convencidos pelo sistema de que são superiores aos outros na administração da justiça”, António Cangombe lembra o ‘caso Kalupeteka’, ocorrido no Huambo, no qual os advogados de defesa foram expulsos da sala do julgamento e o recurso interposto não é julgado, há cerca de cinco anos. “Uma injustiça da própria justiça”, conclui.
Outro jurista Ereneu Máquina contraria essa ideia, considerando que, “na aplicação da justiça, o juiz é mais importante por estar no topo da pirâmide”. E insiste que, quando em acção, “não tem de temer ninguém, nem o Presidente da República”.
Ereneu Máquina defende que, no ‘caso CNC’, “nada inviabiliza o processo”, e observa que, “antes do fim do julgamento, o réu goza da presunção de inocência”, alertando, contudo, que, “se durante o interrogatório o juiz notar mau comportamento do réu, pode intentar uma nova acção e um julgamento sumário”, ao mesmo tempo que “está revestido de poderes para expulsar quem for que seja: advogado ou qualquer pessoa que interfira negativamente” . Ereneu Máquina considera, por isso, “efémero”, o procedimento de Paula Godinho ao queixar-se ao CSMJ. Diz que “não vai resultar em nada”, sendo que “quem defere a acta é o mesmo juiz da condução do julgamento”. Uma posição, no entanto, reprovada pelo jurista Marcos Chitanga que defende a necessidade de haver um “equilíbrio” entre os magistrados que “devem ser os mais simples”, por “estarem a fazer justiça em nome do cidadão”.
Na verdade, nota Chitanga, “tem havido ciúmes entre os magistrados do Ministério Público e os judiciários”, pois, “os juízes manifestam mesmo arrogância”, dando a entender que “estão acima de todos”.
O incidente aconteceu no quinto dia do julgamento. A advogada protestou por o juiz dirigir-se ao seu constituinte, Augusto Tomás supostamente “sem o devido respeito”. “Apesar de ser réu, precisa de ser respeitado e o venerado juiz está a alterar a voz”, reclamou. Em resposta, o juiz respondeu que não competia à advogada dar “aulas e indicações em relação à forma” como a equipa de juízes se posiciona. “Não vemos o réu como ministro. Este é o quarto protesto que a senhora faz e não se esqueça que os copos de água enchem e quando enchem a água cai”, argumentou. A advogada considerou-as “palavras ameaçadoras” e admite apresentar queixa ao CSMJ e à OAA.
O antigo ministro dos Transportes é acusado de desviar receitas na ordem de 1,5 mil milhões de dólares, mais 40 milhões de dólares e 13 milhões de euros que terão sido utilizados para custear despesas do pelouro e favorecimento a empresas onde se cruzam os seus interesses. Augusto Tomás negou as seis acusações de entre as quais de peculato e branqueamento de capitais.
“A Sonangol competia só com as empresas estrangeiras. Agora está a competir...