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JOSÉ SEMEDO, PRESIDENTE DA AIESPA

Lucros das instituições de ensino superior abaixo de 10%

ENTREVISTA.Pelo menos, 30% dos estudantes das instituições privadas do ensino superior não pagam propinas, dentro dos prazos estabelecidos contratualmente, enquanto 15 a 20% dos inscritos desistem ao meio do ano. O presidente da Associação das Instituições do Ensino Superior Privadas (AIESPA), José Semedo, explicou que o lucro neste negócio é imprevisível, defendendo benefícios fiscais, no intuito de reduzir o custo da formação universitária, no sector privado.

 

É lucrativo investir em instituições de ensino superior?

A lucratividade do investimento numa instituição de ensino superior é imprevisível e depende de toda uma série de situações que não dependem somente da capacidade de gestão dos seus promotores ou gestores.

O modo como, legalmente, o investimento deve ser feito é completamente diferente dos demais projectos de investimento privado. Nos demais investimentos privados, o investidor, via de regra, após a criação formal da empresa (escritura pública, publicação no Diário da República, registos nas Conservatórias, aquisição de alguns equipamentos e meios, bem como admissão de algum pessoal e outras diligências com vista à criação das condições mínimas, como o alvará) pode iniciar, imediatamente, a sua actividade e obter a rentabilização do seu negócio, postergando os investimentos, à medida do seu sucesso.

Como acontece no ensino?

Na educação e ensino, em particular no ensino superior, não é assim. É completamente diferente. Tudo o que se considera necessário deve estar primeiramente disponível. Instalações adequadas, com equipamentos técnicos e sociais, como salas de aulas, salas de professores, salas de reuniões, laboratórios, bibliotecas com a bibliografia recomendada, auditórios, anfiteatros, corpo docente, corpo não docente (trabalhadores administrativos), de acordo com os programas dos cursos e a actividade administrativa de apoio, e toda uma série de outros elementos, os quais seria maçador descrever aqui de modo exaustivo. Tudo isso são pré-requisitos para que o projecto seja submetido à apreciação do órgão governamental de tutela que poderá aprovar ou não. Isto pressupõe, para além do mais, capacidade financeira própria dos promotores ou capacidade de recurso aos bancos para manter toda a máquina, entretanto, criada, até à obtenção eventual da aprovação final superior, à inscrição dos estudantes e ao início de actividade.

As propinas cobrem estes custos?

Neste capítulo da capacidade financeira e de gestão, valerá a pena referir que, independentemente do número de estudantes, 15 a 20% dos estudantes inscritos abandonam, normalmente, a instituição no decurso do ano e, dentre os que ficam, acima de 30% não pagam pontualmente a propina a que se obrigaram, contratualmente. Importa, finalmente, referir que, de acordo com o Estudo Económico e Financeiro da KPMG, elaborado em 2013, creio, a esmagadora maioria das instituições de ensino superior privadas tem uma margem de lucro inferior a 10% ao ano, sendo que, há muitos anos, se encontram numa tendência de rentabilidade negativa.

Defende benefícios fiscais para universidades privadas?

O ensino, em geral, e o universitário, em particular, são, indiscutivelmente, estratégicos para o processo de reconstrução e desenvolvimento nacional, no domínio da formação do capital humano de que o país necessita para a construção da sua viabilidade interna e a sua competitividade internacional. Logo, afirmo, categoricamente, que sim. O que se pretende, não é ‘dar dinheiro’ às instituições privadas ou aumentar a sua rentabilidade, enriquecendo os seus promotores.

Então, como seria?

Com os incentivos fiscais, como a redução dos impostos e das taxas aduaneiras na importação de bens, equipamentos e bibliográficos, fundamentalmente, as instituições teriam maior capacidade financeira para atender às imensas e complexas exigências em termos de investimento para a melhoria da qualidade e competitividade do ensino que ministram, designadamente, remuneração mais adequada aos seus corpos docente e não docente, aliada à implementação de projectos no domínio da sua superação técnica, científica e pedagógica, aquisição e apetrechamento progressivo e permanente dos laboratórios, das bibliotecas e de outros meios de ensino, de acordo com o seu projecto pedagógico.

Neste particular, deveria pensar-se que esses incentivos fiscais não representam um custo, mas um investimento do Estado com evidentes vantagens para os cidadãos, para as famílias e para o próprio país.

Que impacto os benefícios fiscais teriam nas propinas?

As instituições sentir-se-iam menos pressionadas na sua gestão e sobre os seus recursos financeiros. Mas, a redução do valor das propinas, de uma forma geral, do custo da formação superior, pode ser obtida de outras formas.

Por exemplo, mediante o financiamento bancário ao estudante com taxas bonificadas a longo prazo, com base num acordo quadripartido entre o Estado, banco, estudante e a instituições de ensino superior (IES), em que o banco pagaria os valores anualmente às IES e o estudante comprometer-se-ia, por um lado, a aceitar, após a sua formação, a sua colocação onde o Governo entendesse e, por outro lado, a amortizar o financiamento a partir do seu salário durante o prazo acordado inicialmente, sendo que esse prazo seria, quanto mais inóspito o local de trabalho, mais longo e, o valor da amortização, quanto mais inóspito o local de trabalho, mais baixo seria.

Neste caso, por exemplo, o Estado até poderia financiar um fundo perdido, pois, só teria a ganhar em termos de cobertura do país com os quadros necessários.

Os centros de investigação científica das universidades estão preparados para prestarem serviços remunerados a organismos do Estado ou a empresas?

Esta questão não tem que ver com meios humanos, materiais e financeiros disponíveis. Se um ministério ou uma empresa quiser que efectuemos investigação aplicada, seja em que área for, e havendo contrato para o efeito, competir-nos-á mobilizar, nacional e internacionalmente, como todos fazem por todo o mundo, as competências necessárias para esse estudo.

Nem as petrolíferas vos solicitam?

As grandes empresas petrolíferas não têm cientistas residentes em Angola para trabalhos ocasionais de investigação. Contratam-nos quando é preciso.

É por isso que, por vezes, questionamos sobre a legitimidade (a própria seriedade) e a eficácia das exigências que fazem às IES privadas no sentido de fazerem investigação científica aplicada, quando, para tudo, o Estado e as empresas recorrem à colaboração de empresas e instituições estrangeiras.

As IES públicas poderão, eventualmente, fazê-lo, pois, o Orçamento Geral do Estado suporta os vencimentos de professores, assistentes e monitores. Para competirem, às IES privadas restar-lhes-iam, por exemplo, cortar na qualidade da docência das licenciaturas ministradas e colocar monitores, que são estudantes dos últimos anos, a dar aulas, o que não parece ser a melhor solução, a fim de libertar os doutores e mestres para que façam investigação que ninguém compra ou utiliza.