Melhorar a educação em Angola: Qualidade vs. salários?

27 Oct. 2021 Opinião
Melhorar a educação em Angola: Qualidade vs. salários?
D.R

O ensino nacional estava suspenso. Havia férias escolares e a nossa criançada estava em casa. De férias, a desaprender o pouco que tinham aprendido durante o ‘coxo’ ano lectivo com aulas de faz de conta que, definitivamente, não ajudou ninguém. A criançada estava em casa a brincar as brincadeiras que aprendem agora e que eu simplesmente não consigo decifrar e, muito menos, entender. E que os pais, muitas vezes, nem sequer sabem o que os filhos fazem ocupados que estão na difícil missão que parece impossível de trazer a ginguba e a ‘kikuerra” para a mesa para os levar para a cama.

Porque o ensino estava parado, os professores também estavam. E talvez por isso houvesse muitos professores na rua a procura de esquemas e negócios rápidos que lhes permitissem arrecadar uns duros para que também eles levassem para casa ‘bômbó’ e banana assada para o jantar. Porque os professores também têm filhos. Quando em actividade, de dia, aturam os filhos dos outros para, depois de cansados, voltarem a casa para aturar os deles. E têm de os alimentar física e espiritualmente porque esta parte ninguém o faz por eles. Estão de férias de aturar os filhos dos outros, mas não estão de aturar os seus próprios. E como o salário nunca cai a tempo e horas, para além de que é uma miséria, tentam nas ruas um ‘bisno’ rápido e lucrativo. A sério, eu comprei um saco com limas a um professor na zona do Rocha Pinto. Comprou o saco com limas por seiscentos e vendeu-me por mil.

E as férias acabaram. Porque as aulas recomeçaram. E pelos vistos, de acordo com as notícias postas a circular, os professores vão entrar em greve. Sim, os nossos ‘kandengues’ que ainda nem sequer sabem escrever o nome, já sabem o que é greve. Já sabem que os professores estão a ser ‘abandalhados’ por quem manda no ensino e eles vão voltar a estar de ‘férias’, pois é assim que eles compreendem a greve. Os desavergonhados dos sindicatos querem mesmo aumentar as férias involuntárias dos pequeninos, o que até pode dar jeito a alguns professores para venderem mais limas e limões ali na Maianga junto à Maxi.

E o que fazem as autoridades cuja responsabilidade é cuidar da educação dos nossos filhos? O que fazem as entidades responsáveis por melhorar o coeficiente de inteligência da banda?

Pelo que me é dado a entender, não fazem nada digno de realce para melhoria efectiva do ensino. A respeito de como os professores serão enquadrados nas categorias à promover por tempo de serviço e o respectivo salário, o “despacho 522/2021” da Ministra da Educação, definiu o seguinte:

1. ‘Professores Auxiliares – PA’ (referindo-se aos que não têm ensino médio concluído, e, que não deveriam existir como professores sem primeiro terem um treinamento intensivo durante 1-2 anos)

a) Com mais de 5 anos de serviço – como PA do 6.º grau - salário de 40.040,50 kwanzas.

b) Com mais de 10 anos de serviço – como PA do 5.º grau – salário de 57.213,97 kwanzas

c) Com mais de 15 anos de serviço – como PA do 4.º grau – salário de 65.357,40 kwanzas.

d) Com mais de 20 anos de serviço – como PA do 3.º e 2.º grau – salário de 73.560,62 ou 81.734,25 kwanzas

e) Com mais de 25 anos de serviço – como PA do 1.º grau – salário de 89.907,57 kwanzas

2. ‘Professores habilitados com formação média ou equivalente – PFM’

a) Com mais de 5 anos de serviço – como PFM do ensino primário e secundário do 13.º grau – salário de 103.303,02 kwanzas

b) Com mais de 10 anos de serviço – como PFM do ensino primário e secundário do 12.º grau – salário de 111.249,41

c) Com mais de 15 anos de serviço – como PFM do ensino primário e secundário do 11.º grau – salário de 119.195,79 kwanzas

d) Com mais de 20 anos de serviço – como PFM do ensino primário e secundário do 10.º grau – salário de 127.142,18 kwanzas

3. ‘Professores habilitados com bacharelato ou equivalente – PB’

a) Com mais de 5 anos de serviço – como PB do ensino primário e secundário do 9.º grau – salário de 166.874,11 kwanzas

b) Com mais de 10 anos de serviço – como PB do ensino primário e secundário do 8.º grau – salário de 194.686,46 kwanzas

c) Com mais de 15 anos de serviço – como PB do ensino primário e secundário do 7.º grau – salário de 214.552,42 kwanzas

4.’Professores habilitados com licenciatura ou equivalente – PL’

a) Com mais de 5 anos de serviço – como PL do ensino primário e secundário do 6.º grau – salário de 238.391,58 kwanzas

b) Com mais de 10 anos de serviço – como PL do ensino primário e secundário do 5.º grau – salário de 274.150,32 kwanzas

c) Com mais de 15 anos de serviço – como PL do ensino primário e secundário do 4.º grau – salário de 301.962,69 kwanzas

d) Com mais de 20 anos de serviço – como PL do ensino primário e secundário do 3.º grau – salário de 333.748,21 kwanzas

5. ‘Professores habilitados com mestrado ou doutoramento – PMD’

a) Com mais de 5 anos de serviço – como PMD do ensino primário e secundário do 5.º grau – salário de 274.150,32 kwanzas

b) Com mais de 10 anos de serviço – como PMD do ensino primário e secundário do 4.º grau – salário de 301.962,69 kwanzas

c) Com mais de 15 anos de serviço – como PMD do ensino primário e secundário do 3.º grau – salário de 333.748,21 kwanzas

d) Com mais de 20 anos de serviço – como PMD do ensino primário e secundário do 2.º grau – salário de 357.587,37 kwanzas. E, finalmente,

e) Com mais de 25 anos de serviço – como PMD do ensino primário e secundário do 1.º grau – salário de 381.426,53 kwanzas.

 

E, pelos vistos, isto foi tudo o que foi produzido pelo órgão responsável pela educação em Junho do corrente ano.

Antes de me alongar na formulação da minha opinião gostaria de saber o que é na realidade um professor auxiliar. E, o que é necessário para um professor deixar de ser auxiliar e passar para não-auxiliar. Quando é que isso acontece?

Como já anotei atrás, o que é um professor auxiliar “que não tem o ensino médio concluído”? É caso para dizer que andamos a brincar aos professores.

Em intervenções anteriores eu sugeri que o ensino tal qual conhecemos “hibernasse” durante um ano para que durante esse período se treinassem os professores. Neste momento, diria muito mais: que se educasse todos os professores auxiliares “que não tem o ensino médio concluído”. E aproveito para perguntar se o governo consegue quantificar a transmissão de conhecimento feita pelos seus professores? Qual será o aproveitamento tido por um aluno da quarta classe que um professor que não concluiu o ensino médio? E, da mesma maneira, qual será o aproveitamento de um amigo desse aluno que tem um professor doutorado?

É exactamente sobre essa matéria que os sindicatos se deveriam concentrar para darem na realidade um contributo de realce para a educação nacional. Essa fossa de conhecimento entre colegas implica um desnível profundo na qualidade de ensino. Os sindicatos sairiam muito mais influentes e com muito mais competência caso se preocupassem antes de mais com a qualidade dos seus membros. A aproximação do nível do conhecimento e das capacidades educativas do professorado são só por si o embolo que o nosso ensino para que haja equilíbrio na aprendizagem que os nossos miúdos precisam. Esse equilíbrio é fundamental para que esses jovens ao atingirem a maior idade tenham todos a mesma compreensão sobre as suas responsabilidades, comportamento cívico, ética e moral.

E com essa aproximação, viria em consequência a aproximação salarial que os sindicatos desejam. Por outro lado, temos que reconhecer o professorado é uma profissão nobre e que tem que ser tratada como tal para que possa atrair os melhores filhos do país. O professor precisa de ter a sua disposição as melhores ferramentas, as melhores condições de trabalho possíveis, e, porque também têm obrigações familiares, um salário que o permita viver desafogado e com a dignidade de ser professor. O professor precisa de ter orgulho de ser professor e isso passa por um salário condigno.

Muito sinceramente, o que podemos esperar dum professor no início da sua carreira que ganhe pouco mais de 40,000 kwanzas. Mais do que isso, o que pode um contribuinte exigir dum “profissional” do ensino que ganhe tão pouco que se vê forçado a vender limas nas ruas de Luanda para colocar um copo de plástico com ‘gonguenha’ a frente dos seus rebentos? E, não muito melhor, qual é a sensibilidade que temos para os nossos melhores filhos que se doutoraram na arte de ensinar para que ganhem pouco mais de um terço do que aufere um inútil deputado muitas vezes sem educação formal? Porque não invertemos a situação, pagando aos deputados o que se paga aos professores, e, aos professores o que se paga aos deputados? Afinal de contas todos os professores podem ser deputados, mas muito poucos deputados poderão alguma vez ser professores. E, quase nenhum poderá ser um bom professor.

Isto está tudo errado. Os professores precisam de ser respeitados. Precisam de ser compensados porque sem eles nós não seriamos o que somos, não seremos o que queremos e podemos ser. Sem professores qualificados e bem treinados estamos a condenar o futuro dos nossos filhos, o futuro e o bem-estar do nosso país. Com o interregno que nos foi imposto pela ‘covid’, e que bem poderíamos ter aproveitado para melhorar o nível do nosso professorado, perdemos uma oportunidade única para dar o salto em frente. O que continuo a propor, a suspensão do ensino para melhoria do corpo docente e das instalações físicas, é uma tarefa árdua e de difícil execução. Não é para todos. É para quem tem coragem para pensar “povo”, para avançar, não para quem lucra com o ensino privado e elitista. É para quem, como eu e a maioria dos meus correligionários, é fruto do ensino público que nós até tínhamos e nos demos ao luxo de perder. E não me venham dizer que não há ‘kumbu’, neste país onde o há para carros e benesses para a mediocridade dos deputados e demais “pançudos” que comem tudo e não deixam nada.

Não me dou ao luxo de dizer que os professores fazem bem entrar em greve. Mas digo sem a menor hesitação que temos que tratar muito melhor os nossos professores se queremos ter um País. Se queremos estabelecer uma sociedade com a moral adequada e o sentimento ético que merecemos.

Sr . General, o país precisa de actos de coragem. Eu acredito que com uma postura firme neste momento irá certamente beneficiar do apoio imediato que precisa para combater de forma clarividente a corrupção, ela própria a maior violadora do sistema de educação. Os nossos filhos e netos, os filhos do nosso país agradecer-lhe-ão. Os pais, também. Para nós, os que esperamos pacientemente pela morte, partiremos em paz por termos reavivado o ideal independentista dos nossos antecessores e, sobretudo, por termos acendido a luz esperança até agora desligada “propositadamente”. Afinal de contas a melhor maneira de combater a corrupção é formarmos bons professores que sendo bem pagos irão dar aos nossos filhos uma educação digna de respeito e com ética para que eles não caiam nateia malditada corrupção e se posicionem de maneira a eliminar essa corrente de hábitos indesejáveis. Ao cuidarmos da nossa educação iremos corrigir o que está mal e melhorar o que está bem. E todos nós ganharemos. O futuro promete.

António  Vieira

António Vieira

Ex-director da Cobalt Angola