“Não é papel dos tribunais combater a corrupção”
JUSTIÇA. Em entrevista à TPA na passada semana, a juíza conselheira jubilada do TC defendeu que o combate à corrupção cabe ao poder político e não aos tribunais. Luzia Sebastião defendeu que crimes de natureza económica devem ser negociados ao invés da sanção criminal. Académica esclarece as razões por que o caso 500 milhões seria um assunto resolvido.
A juíza conselheira jubilada do Tribunal Constitucional Luzia Sebastião defende que os tribunais têm estado a fazer o seu trabalho, embora os procedimentos judiciais sejam lentos, e esclarece que “não é tarefa dos tribunais combater a corrupção”, porquanto a estes órgãos compete apenas aplicar a lei. “O combate à corrupção é algo que se faz do ponto de vista político. Faz-se atacando as causas da situação, que são sistémicas, portanto, a nossa organização administrativa, as condições sociais em que as pessoas vivem, É aí onde é preciso atacar”, precisou a juíza.
Em entrevista à TPA, Luzia Sebastião elucidou que aos tribunais apenas cabe aplicar a lei porque as políticas estão traçadas nas leis. Por isso, continua Sebastião, quando se diz que alguém a quem é entregue o património do Estado para gerir, deve geri-lo de determinada maneira. “Se assim não o fizer, a sanção é ‘A’ ou ‘B’. O tribunal vai aferir se aquelas condutas correspondem ao previsto na lei. E vai aplicar a lei. Esta é a tarefa do tribunal.”
A juíza defendeu igualmente que, nos casos dos crimes de natureza económica, às vezes, a negociação é a melhor saída, ao invés de se partir para a sanção criminal. “É melhor uma boa negociação do que uma má demanda, porque os tribunais demoram”, justificou, acrescentando que os procedimentos judiciários são lentos por si mesmos. “Consegue dizer-me qual dos processos que têm essa denominação ‘corrupção’ já chegou ao seu termo?”, questionou-se a veneranda juíza do TC.
Luzia Sebastião recordou ainda que o Estado sabe quem são as pessoas que estão com o dinheiro supostamente adquirido de forma ilegal, e o melhor, reiterou, seria partir para uma negociação, logo na fase da instrução processual. Como exemplo de negociação, apresentou a garantia das pessoas supostamente envolvidas em crimes de natureza económica financiarem projectos de desenvolvimento que garantam mais empregos e irem devolvendo ao Estado o dinheiro do qual, supostamente, se apropriaram ilegalmente.
Caso 500 milhões já devia estar “resolvido”
Do ponto de vista criminal, segundo a juíza, o processo relativo à transferência de 500 milhões de dólares do Banco Nacional de Angola (BNA) para um banco no exterior “já teria sido resolvido porque o dinheiro em causa foi devolvido ao Estado”. “Do ponto de vista do direito criminal, o assunto está resolvido, porque os valores foram devolvidos e as políticas criminais actuais defendem exactamente isso”, justificou, chamando a atenção que, “sempre que é reparado o dano e, no caso concreto, os valores que estavam em causa, tanto o valor do contrato como os próprios 500 milhões de dólares já foram devolvidos, o dano está reparado”, reforçou Luzia Sebastião.
Finalmente, Luzia Sebastião não vê razões para a responsabilização do ex-Presidente da República José Eduardo dos Santos, uma vez que agiu no quadro das suas competências. “Isso não tem que ver com Zénu dos Santos. Tem que ver com Valter Filipe. Porque Zénu dos Santos, nesse processo, não era inferior hierárquico do Presidente Eduardo dos Santos. Quem era inferior hierárquico é Valter Filipe. No direito criminal, costumamos dizer que há aqui uma causa de justificação, porque ele (Valter Filipe) cumpriu uma ordem de um superior hierárquico”, elucidou Luzia Sebastião, esclarecendo igualmente que se se cumpre a ordem de um superior hierárquico a conduta fica justificada e se isso beneficia Valter Filipe deve beneficiar os restantes co-arguidos do mesmo processo.
A também docente na UAN, finalmente, não vê, no caso 500 milhões, responsabilidades do ex-Presidente uma vez que JES era o gestor do OGE e estava no exercício da gestão.
O mediático caso dos 500 milhões aguarda pela sentença de três juízes da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, após a conclusão da fase de produção de provas. Entre as notas de destaque, na apresentação dos quesitos, o Ministério Público requisitou ao Tribunal a inclusão de perguntas finais sobre um alegado contrato que previa a divisão dos valores entre os réus, mas não conseguiu apresentar o documento, após solicitação da defesa e dos juízes na mesma sessão. À imprensa, a defesa reiterou que o contrato alegado pelo Ministério Público não só não consta do processo, como não existe.
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