ANTÓNIO SOARES, PROPRIETÁRIO DO MANGOLÊ

“Não há interesse na importação”

ENTREVISTA. Os empresários do sector da distribuição só vão parar de importar quando Angola atingir grandes escalas em termos de produção. A observação é do presidente executivo do grupo SODOSA, que controla o supermercado Mangolê e a empresa grossita Mercadão. António Saores fala de outros desafios do sector, colocando os condicionamentos da banca entre os factores decisivos.

Como olha para o sector da distribuição alimentar em Angola?

Tem futuro. Porque, no nosso país, quase todos os sectores de actividade económica ainda são incipientes, ou seja, há uma grande margem de progressão. Por isso é que as empresas estrangeiras chegam cá e, com a experiência que têm, rapidamente ganham alicerces. Ganham mercado e crescem. Algumas delas se tornam muito maiores do que nas respectivas terras de origem. Nós, até há muitos anos, em Luanda, tínhamos apenas o Jumbo. E mais algumas lojas de proximidade, do tempo colonial. Portanto, há mercado e a tendência é aumentar, porque a população também vai crescendo. Há 15 anos, dizíamos que éramos 14 milhões de habitantes, hoje dizemos que somos 25 milhões.

Como apontou, há cada vez mais supermercados. A concorrência é saudável?

Isso é muito discutível. Em todos os países, há sempre aquela concorrência que é menos leal, por qualquer razão. Em Angola, a lei é branda. Em alguns casos, há facilidades que uns têm e outros não. Mas não creio que isso seja um ponto importante hoje.

E quais são os efeitos concretos da crise no sector da distribuição?

Esta crise veio demonstrar quem são os verdadeiros empresários. Porque as empresas organizadas que têm os seus custos controlados, pessoal controlado, bom sistema de gestão informático, vão sobreviver. Todos esses factores são importantes. Agora, as empresas desorganizadas e que não têm estes pontos que eu citei e que andaram a gastar dinheiro em coisas menos importantes vão, provavelmente, fechar. O mercado também acaba por seleccionar os bons dos medíocres.

A distribuição é, seguramente, dos sectores que mais faz sair divisas do país?

Isto é outra coisa que é importante desmistificar. Os cidadãos, os políticos, toda a gente tem de perceber que o negócio da distribuição não é forçosamente o negócio da importação. Porque o negócio da distribuição é baseado no fornecimento rápido, como se diz na expressão inglesa ‘just in time’. O ‘just in time’ quer dizer: encomendo ao meu fornecedor e o fornecedor traz-me a mercadoria a X horas, no máximo no dia seguinte. Ora, quem importa não pode fazer o ‘just in time’, porque é impossível importar e chegar cá no dia seguinte. Quando se está a falar de importar, está-se a falar de 20, 50 a 70 dias, dependendo da origem. Nenhum empresário, na área da distribuição, tem interesse em importar. Se nós conseguíssemos comprar tudo em Angola, era o ideal. O problema é que não há.

Em Angola, a distribuição não está a influenciar a produção?

É mais outra questão que tem que ver com o país e as políticas existentes. O empresário, na área do comércio, normalmente o que pretende é ganhar dinheiro, ter resultados, como qualquer empresa. Se consegue ir importar, vender e ganhar dinheiro e volta a importar, é muito mais atractivo do que quem quer fazer produção nacional, onde não há energia nem água. Tem dificuldades com os próprios transportes, porque as estradas estão más e ainda tem de importar insumos de produção. Tem de haver políticas de subsídios e, fundamentalmente, o Estado tem de fazer uma coisa que até ainda não fez: criar a indústria de suporte. Não é possível um país desenvolver-se na agricultura se não produz adubos e fertilizantes. Um país que não produz químicos para a agricultura. Não produz sementes para agricultura. E depois, o básico, a nível de equipamento. Não há nenhuma metalomecânica, que faça uma grade, discos ou uma charrua. Estas coisas pequenas estão fazer-nos gastar dinheiro, as divisas do país para importar coisas que, em pleno seculo XXI, podiam ser feitas cá. O próprio Governo por que razão não estimula isso? Se não consegue parceiros no ocidente, os chineses têm isso. Estamos a falar de coisas básicas.

O Governo é que tem de fazer isso?

Isso é da responsabilidade do Governo, mas não podem ser empresas públicas. Esta é outra exigência que temos de fazer. As empresas públicas são displicentes, criam prejuízos. A inércia é muito grande, porque há uma grande diferença entre o gestor de uma empresa privada que vai para casa a pensar num problema da empresa que tem de resolver, porque o patrão é exigente, ou é um empresário que tem de pagar a dívida com banco, e um gestor público que, quando chega a casa, desliga o telefone, porque não está preocupado. Se as coisas correrem mal, mesmo assim o salário está garantido e o patrão não exige, porque o Estado exige pouco. Então o sector privado tem de intervir, o Estado tem de fomentar, naquilo que é estrutural e que precisa de investimentos significativos. Não se pode fazer a agricultura com todos os insumos importados. Até sementes de milho estamos a importar da Zâmbia.

Quanto vale a distribuição em Angola?

Estes dados existem. Não tenho o número exacto agora. Mas os números andam muito próximo dos 12 mil milhões de dólares anuais, em termos de mercado, a nível da importação.

E quais considera os desafios concretos deste sector?

Se quisermos olhar para o quadro actual da nossa economia, temos de, forçosamente, admitir que trabalhar no nosso país é muito difícil. No nosso caso, do supermercado Mangolê, temos cerca de 17 anos, na actividade empresarial, com a Cabire. O que sentimos é que os apoios, a nível da banca, são muito incipientes, não são relevantes. É muito difícil negociar com os bancos. Os bancos hoje vivem dificuldades muito grandes de liquidez, por isso têm muitas dificuldades de financiar projectos.

Mas, em termos gerais, os bancos continuam a afirmar que concedem créditos…

Há bancos que dizem que fazem, mas não é totalmente verdade. Alguns bancos financiam projectos, prioritariamente dos seus accionistas, o que também dificulta o processo. Os bancos deviam actuar no mercado, de uma forma mais isenta, mas não o fazem. Os bancos hoje são muito ligados a grupos económicos. Portanto, é muito natural que alguns dos seus accionistas consigam facilidades em relação a nós empresários que não estamos ligados à banca e isso dificulta muito o crescimento do país.

E o ‘Angola Investe’?

Este é um programa que nasceu bem. Parece-me ser uma boa iniciativa do Governo, em temos de ajudar a alavancar o desenvolvimento do país, mas a verdade é que o Angola Investe hoje está moribundo, mais uma vez. A gente faz todo um processo para se candidatar e, os bancos não financiam, porque alegam que a compensação ou o fundo de garantia que o Governo dá não é suficiente para as pretensões dos bancos. Temos um caso recente. Dos 5% que devia pagar ao banco, o banco pediu-nos 21,5%. Claro que não conseguimos fechar o acordo com o banco e o processo não foi avante, logo não houve financiamento. Portanto, a banca hoje não faz o papel que devia fazer. Os bancos conseguem financiar a seis meses uma linha para um determinado empresário importar, vender e pagar ao banco. O risco do banco é menor, fundamentalmente, pelo curto espaço, porque o banco financia e depois de seis meses recebe, de volta, o dinheiro. Na distribuição, o crédito vai acontecendo sim, mas só na óptica de compra e venda, ou seja, da importação, do comércio puro.