“Não nos podemos substituir àquelas que são as decisões de cada unidade orçamental”
Acompanhada dos seus principais auxiliares, a responsável da pasta das Finanças chamou os jornalistas para uma conversa em que abordou diversos temas. O Valor Económico publica, na íntegra, as principais perguntas e respostas do encontro.
As adjudicações directas têm sido apontadas como uma das lacunas da governação. Qual é a opinião que tem das críticas?
Somos grandes defensores de se fazerem tantos procedimentos abertos quantos possíveis, no caso concursos públicos, mas também sabemos que há duas circunstâncias que nos limitam de fazer mais concursos públicos. Uma delas está relacionada com a limitação de acesso a financiamento por fontes que não exijam que o empreiteiro seja do país da entidade que financia. Esse é um grande handicap que temos para projectos de grande dimensão, que nós não teríamos condições de financiar com receitas fiscais. De resto, nem é recomendável que assim seja, se podemos ter um financiamento para pagar em mais longo tempo e usar as receitas fiscais para despesas correntes. Obviamente, se estivéssemos em um cenário em que tivéssemos um orçamento em que o peso das receitas fiscais fosse grande e estável, que não variasse muito ao longo do tempo, poderíamos adoptar um modelo de financiar todo o orçamento com receitas fiscais. Não pode ser uma receita que acontece algo no preço que nós não conseguimos controlar, o projecto pára com todas as implicações que advêm de parar um projecto a meio. Devemos ter uma fonte de financiamento que seja estável, que permita que os projectos sigam o seu caminho sem interrupções porque a História nos mostra que todas as vezes que tentamos começar projectos com uma fonte de financiamento que não fosse estável, eles levaram três, quatro, cinco vezes mais tempo para serem construídos com paralisações pelo meio, adendas intermináveis de reequilíbrio financeiro e o projecto acabou por ser o triplo do valor que devia. Então tipicamente optamos por fontes de financiamentos que sejam estáveis. Relativamente à estabilidade, procuramos bater a todas as portas possíveis, financiamento local e financiamento externo. Quando é local, temos margem para fazer concurso público porque os bancos locais não se importam quem sejam os empreiteiros, mas o financiamento ocorre na medida da capacidade da nossa banca. Financiam no limite do balanço que têm disponível. E há projectos que têm dimensão que um banco sozinho não conseguiria, há uns que nem sequer um consórcio de bancos conseguiria. A alternativa que tem sido explorada é o financiamento bilateral e este é montado numa perspectiva de os recursos nem saírem do país que financia. A entidade financia, o empreiteiro é daquele país, tem uma conta naquele banco que está a financiar e, quando desembolsa, o financiamento é feito para a conta deste empreiteiro.
Não bombeia recursos para o sistema financeiro nacional e, nalguns casos, fica pouco valor acrescentado localmente. Apesar de toda a pressão que recebemos, porque estamos a falar de colocar electricidade e água à disposição da população, estamos a falar de disponibilizar acessos. São infra-estruturas de que os angolanos precisam. Portanto, temos de conciliar a importância de colocar estas infra-estrutura à disposição com os esforços que devemos continuar a fazer para encontrar soluções que permitam adicionar mais conteúdo local aos projectos. Isso é um debate que temos tido com os ministérios que cuidam das infra-estruturas. Em medidas podemos espremer mais os empreiteiros para terem mais conteúdo local nos projectos, e com os financiadores externos, se não podemos permitir que esses recursos entrem no sistema financeiro angolano e sejam desembolsados a partir daqui. É uma forma de indirectamente também de financiarmos a nossa economia. Conseguimos, uma vitória da Unidade de Gestão de Dívida, fazer com um financiador externo e com um banco local. Continuamos o diálogo com outros para ver se pega. Sendo possível construirmos soluções dessas ou os financiadores aceitarem colocar para alguns projectos o dinheiro aqui, obviamente vão sempre avançar com cautela porque não querem prejudicar o seu próprio sistema financeiro. Um outro constrangimento está relacionado com as urgências versos emergenciais, nuns casos legítimas, noutros nem tanto. Uma ravina está prestes a engolir uma centralidade, um prédio que está quase a desabar. O concurso público leva o seu tempo, nestes casos justifica-se fazer uma contração emergencial ou simplificada. Noutros casos, evoca-se urgência e emergência, mas não é tão urgente e tão emergente assim. Então, aí tem que continuar a estratégia do diálogo e de persuasão a todos os gestores para lançarem mão neste mecanismo apenas quando for estritamente necessário.
A crise financeira que vivemos também sinaliza falta de estratégia na gestão ou poupança dos excedentes das exportações petrolíferas dos últimos anos. Não acha que precisamos com alguma urgência criar mecanismos para passarmos a proteger estas receitas?
Concordamos que, no mundo ideal, teríamos de estar a fazer e fazemos de certa forma, não tanto quanto gostaríamos, para ser honesta, tanto quanto possível constituir uma reserva de tesouraria que permita almofadar o impacto de quebras de receita no futuro, mas temos sempre uma surpresa que nos engole esta poupança. Quando tentamos, veio a covid. Depois tentamos de novo, cai prédio; a produção petrolífera fica abaixo de um milhão de barris. Parece azar. Temos de conciliar, continuar a lutar pela diversificação económica porque, só tendo diferentes fontes de receitas, é que poderemos ter mais estabilidade do dinheiro que flui para o Tesouro nacional. Continuamos a batermo-nos pela qualidade da despesa porque sentimos que ainda há muito trabalho por fazer. Depois, conciliar tudo isso com disciplina. Disciplina de evitar mudar as regras a meio do jogo. De alguma unidade orçamental apresentar um plano anual de contratação pública no início do ano, apresentar orçamento, apresentar prioridades e, depois, ao meio do ano, alterar tudo. Quanto mais disciplina todos tivermos, enquanto gestores públicos vamos tornar mais fácil a vida de quem tem de mobilizar recursos e coloca-los à disposição para a concretização da missão de desenvolvimento.
O nível de execução da despesa orçamental no primeiro trimestre ficou em cerca de 6%. Face esta realidade como é que pensa que terminaremos o ano?
Nos primeiros três meses do ano, trabalhamos com base a duodécimos. O OGE 2023 só entrou em vigor efectivamente em final de Março ou meio. O que se fez em Janeiro e Fevereiro, e parte de Março, foi com base numa espécie de percentagem daquilo que foi o OGE 2022, por isso é que a execução foi tão baixa. Foi mesmo uma parte de nada, foi só para sobreviver até o OGE entrar em vigor. Agora, pergunta-me: o OGE 2023 entrou em vigor como é que vê a execução? Não posso mentir: menor do que aquilo que seria esperado pelas razões que temos estado a divulgar. Produção petrolífera muito abaixo do esperado, alguma volatilidade do preço, taxa de juro mais alta nos mercados internacionais que fazem com que os juros dos financiamentos externos sejam mais altos. Em função do momento da taxa de câmbio, tudo que são obrigações indexadas também estão a ter um serviço mais alto. Tudo isso em conjunto, tem consequência no nível de execução em tudo que não seja dívida.
Os dados apresentados, aquando da apresentação das medidas de mitigação da situação económica, estimam um défice orçamental de cerca de 7,4%, correspondendo a cerca de 10 mil milhões de dólares. Não seria mais fácil fazer-se uma correcção ou uma revisão? Por outra, como é que se chegou a este ponto quando o preço do petróleo tem estado ligeiramente acima das previsões orçamentais e a produção também?
Possível défice orçamental versus o que fazer, mas antes causas. Porque é que chegamos a este ponto? Referi, mas vou repetir. Primeira causa, em muitos meses, a produção petrolífera esteve abaixo de um milhão de barris, em pelo menos dois meses, novecentos e no OGE nós prevíamos 1,180 milhões. Segundo efeito, o preço em determinadas fases abaixo de 75 dólares o barril. Teceiro efeito, as taxas de juros nos mercados internacionais. Gostaríamos que parassem de subir, mas não param porque eles decidiram que é mesmo uma luta de vida ou morte contra a inflação. Temos contratados financiamentos externos à taxa de juro variável, prevíamos pagar um determinado juro quando fechamos o OGE e estamos a pagar outro porque o indexante do financiamento aumentou. Quarto efeito, temos obrigações emitidas localmente e também externamente em que, caso haja alterações como a que houve na taxa de câmbio, o custo de servir esta dívida aumenta, temos que usar mais kwanzas para pagar esta dívida num contexto é que temos menos receita fiscal em moeda externa. Então temos de usar kwanzas para pagar parte deste serviço a uma taxa de câmbio que está mais alta. Tudo isso em conjunto, considerando um ano em que temos de recomeçar a servir dívida, porque todos os acordos de suspensão de dívida acabaram, acontece o que está a acontecer. Recomeçamos a servir a dívida que estava suspensa no âmbito da Iniciativa de Suspensão do Serviço da Dívida do G20 (DSSI) em moeda externa com taxa de juro variável, recomeçamos a servir a dívida com os credores chineses, dois destes financiamentos colaterizados a petróleo, num contexto em que a produção é menor. Se não enviarmos o número de barris que estão previstos no contrato, o financiador diz que entramos em incumprimento. Se entrarmos em incumprimento, envia-nos uma 'cartinha de amor' que todos os outros financiadores ficam a saber e todos declaram que Angola entrou em incumprimento. E o que é que acontece se isso se espoletar? Todos começam com processos judiciais para cima de nós, os mercados fecham-se e é o apocalipse. Não podemos permitir que isso aconteça. E o que fazer para impedir que isso aconteça se a produção petrolífera é menor? Comprar barris às operadoras que trabalham connosco. Tudo isso junto foi a tempestade perfeita.
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