NEM OITO, NEM OITENTA
Para se compreender a contestação popular contra o aumento da taxa de emissão do passaporte ordinário, é preciso explicar-se antes o que se se passou pela cabeça das autoridades. Desde há algum tempo, figuras ligadas ao Serviço de Migração e Estrangeiro (SME) vêm vendendo a ideia de que o custo do passaporte tinha de aumentar, essencialmente, por duas razões. Em primeiro lugar, porque o Estado incorria em altos custos para subvencionar a emissão do documento. Informações fidedignas a propósito são escassas, mas há fontes que colocam em mais de 60% o contributo dos cofres públicos para a emissão do passaporte ordinário. Em segundo lugar, porque era preciso combater o desperdício. O SME reclama regularmente dos milhares de passaportes que ficam anos a fio nos ‘armazéns’, porque não são levantados pelos seus titulares.
O problema é que as duas justificações do Governo jogam contra si próprias. Em relação à subvenção, ainda que, por hipótese, o Estado cobrisse três quartos do valor actual, teríamos uma subida, no máximo, de 300% para 12 mil kwanzas. A desculpa do subsídio é, por isso, manifestamente insuficiente para se justificar o aumento superior a 1.000% no tratamento do passaporte ordinário. No caso do combate ao desperdício, as autoridades optaram por inverter a lógica, prejudicando uma potencial maioria esmagadora de cidadãos que trata e usa os seus passaportes, para castigar a tal minoria que não levanta os documentos.
Ora, se um simples exercício aritmético desmonta com facilidade os argumentos das autoridades, a solução tinha de ser necessariamente outra. As novas taxas tinham de levar, em paralelo, a necessidade de prevenir os ‘passaportes ociosos’ e a ‘protecção’ daqueles que realmente precisam do documento. Dito de outra forma, o agravamento do custo do passaporte seria aceitável, se, em termos percentuais, não ultrapassasse as fronteiras do surreal. Mais de 1.000% é qualquer aumento no extremo do absurdo, especialmente num contexto em que a maioria dos serviços públicos agravou significativamente os custos para os contribuintes.
Finalmente, uma explicação necessária. Ao contrário do que defende a generalidade da opinião popular, em termos práticos, o absurdo não está necessariamente nas relações que se estabelecem entre a nova taxa do passaporte e o salário mínimo nacional. Porque o que a realidade nos mostra é que, mesmo nos actuais três mil kwanzas, quem ganha no fundo da tabela tem poucas hipóteses de precisar de um passaporte. E, se fosse caso disso, as autoridades poderiam sempre flexibilizar procedimentos para tratar de casos especiais.
O problema é mesmo outro: é esta saída inexplicável e indecente de oito para oitenta.
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