ANGOLA GROWING

O conflito entre massa monetária e massa cinzenta

08 Sep. 2020 Opinião

Quando há dias li um dos melhores artigos jamais publicados na nossa imprensa, escrito por Gustavo Costa, dei comigo a pensar nas possíveis razões do marasmo em que se encontra a nossa educação. Propus-me entender o porquê desta estagnação perene da nossa lagoa. E, com a massa monetária que por aqui passa, como é que não conseguimos desenvolver massa cinzenta?

Se bem me apercebo, tudo começou logo a seguir a independência, quando os regressados da guerrilha decidiram, sem saber o real significado, reter alguns estrangeiros na função pública. Para tal, e pelas simpatias políticas na altura existentes, havia que se dar emprego a essa gente que até era útil. E a maneira mais fácil, na altura, foi oferecer uns salários melhores do que ganhariam nos seus países para além de algumas benesses. O executivo do camarada Lopo do Nascimento criou o privilegiado espaço de cooperação. Assim surgiu o rebanho de cooperantes que a peso de ouro desafiavam não só os locais, mas também a presença dos internacionalistas.

Afinal de contas o que era um cooperante? Na maioria dos casos os cooperantes eram indivíduos de cidadania portuguesa, certamente europeus, velhos amigos de alguns poderosos do executivo do momento. O que traziam para o país? Muito pouco apesar de, na altura, serem necessários.

Com o andar do tempo, esses cooperantes amadores passaram a cooperantes profissionais e, após a morte do fundador do país, começaram a ter de se preocupar com a sua existência. Promoveram a sua necessidade denegrindo os internacionalistas e introduzindo corrupção no serviço de contratação de quadros. Foi aí que a massa monetária começou a valer mais do que a massa cinzenta. Os laços de “amizade” foram permitindo que se contratassem cooperantes e, os proventos mensais começaram a ser partilhados. Ganhava-se 150 contos por mês, mas 50 iam para a conta de quem arranjara o contracto.

Como é evidente, não tardou muito a surgirem desavenças. Além disso, essas relações pessoais limitavam-se a meia dúzia de amigos. De seguida, foi-se massajando este conceito de cooperação e o negócio expandiu. Foi assim que surgiram as agências de emprego em Angola, primeiro para localizarem cooperantes, e mais tarde para eles próprios recrutarem e venderem o serviço. Os dirigentes do dia fizeram-se empresários e as suas empresas começaram a empregar cooperantes para virem trabalhar junto do seu ninho de influência. E a parada subiu, tendo os 150 contos multiplicados por dois, três ou mais consoante a capacidade do departamento do executivo. Afinal de contas, o bode come onde está amarrado, diria, mais tarde, um dirigente em pleno exercício de funções. E nem sempre come capim, como viríamos a aprender.

Porém, passados 44 anos a caminhar nessa picada, acredito estar em posição para julgar o efeito nocivo relacionado com a presença dos ditos cooperantes. Não fizeram o que se propunha, não permitiram nem encorajaram o desenvolvimento de quadros locais, e, ainda por cima, levaram-nos o ouro. Não desenvolveram massa cinzenta e levaram a massa monetária.

Apesar de todo este tempo deitado ao mar, está na hora de mudarmos de direcção. Que se acabem esses cooperantes (hoje com o chapéu de consultores) de uma vez por todas e que se importe massa cinzenta.

Ao importarmos massa cinzenta de uma forma racional e planificada, iremos certamente melhorar o nosso quociente de inteligência, ganhar cidadãos novos dedicados ao país, e adquirir a formação que trazem com eles a custo zero. Os benefícios são evidentes e há vários exemplos espalhados pelo mundo. Porque não passarmos a oficialmente a dar boas-vindas a imigrantes de todas as partes do globo? Com inteligência, será um sucesso e poderemos ainda contar com o apoio da Organização Internacional para as Migrações (OIM) bem como da Organização das Nações Unidas (ONU). Muito possivelmente com apoio logístico e a experiência da OIM.

Cito alguns exemplos que temos na realidade mundial que vivemos, e para a qual olhamos com inveja.

A Austrália tem pouco mais de 54% de cidadãos com ambos os pais nascidos no país. 34% da população é filha de ambos pais nascidos fora do país. E, em 2015, receberam de braços abertos cerca de 177,000 novos imigrantes. 20% da população canadiana é imigrante. Entre 2006 e 2011 o país recebeu mais de 1,100,000 imigrantes. Cerca de 14% da população Estados Unidos é imigrante, o Brasil tem cerca de 16%, a Argentina tem cerca de 11%, Singapura tem 9% e a Nova Zelândia tem 14%.

Esses países, apesar de novos, atingiram um patamar de desenvolvimento elevado graças a políticas de imigração bem definidas e geridas. Os novos imigrantes são respeitados e muito rapidamente sentem-se parte integrante do país que os acolheu. Trabalham duro, fazem as suas economias e investem no país em vez de exportarem o que ganham para os países de origem. O país, com inteligência, resolve o problema de falta de quadros e vê a população existente desenvolver-se uma vez que aprende a competir com os novos membros da sociedade. A massa cinzenta melhora ao tornar-se residente e a massa monetária deixa de viajar para o exterior.

Como é óbvio não queremos imigrantes que não melhorem a nossa massa cinzenta, nem vendedores de textos bíblicos ou corânicos. Queremos muitos médicos, enfermeiros, engenheiros, agricultores, economistas e, sobretudo, professores. Muitos professores de todos os níveis e disciplinas. Muitos mesmo para melhorar a educação e a massa cinzenta.

Só assim melhoraremos significativamente a nossa massa cinzenta e estancaremos o êxodo da massa monetária. Assim, iremos corrigir o que está mal e melhorar o que está bem. E quem ganhará é o povo. O futuro promete.

António  Vieira

António Vieira

Ex-director da Cobalt Angola