O Povo gosta de rir (PeGeR)

15 Sep. 2020 Opinião

Há uns anos, enquanto andava à procura de amealhar uns cobres para a velhice, trabalhei para uma multinacional associada à exploração de petróleo. Como todas as outras, essa multinacional era uma prestadora de serviços para a Sonangol, uma vez que reportava tudo o que fazia à petrolífera nacional. E, como prestadora de serviços, tentava fazer tudo o que a Sonangol mandava. As coisas boas faziam-se facilmente, as más também se faziam, só que com um preço diferente. Às vezes, muito diferente.

Isto vem a propósito do negócio das AAA. As notícias nacionais chegam ao ponto de dizerem que o proprietário das AAA é um ladrão. Dizem que o desgraçado roubou. Eu simplesmente pergunto-me, o que é que ele roubou? E, se roubou, que me digam a quem, como e o quê? Para além disso, aproveito para perguntar se o apanharam com a boca na botija, como se diz na gíria. É que roubar ainda significa “apropriar-se de bem alheio através de violência, ameaça, fraude, normalmente às escondidas do proprietário do objecto de roubo de forma rápida e furtiva”.

Eu compreendo que o ‘modus operandi’ das AAA possa ser considerado obsceno e, quiçá, danoso, mas é preciso antes de mais entender como é que a indústria de petróleos funciona no país. Afinal de contas, todas as companhias do sector petrolífero, sem qualquer excepção, funcionavam da mesma maneira. Daí o silêncio que se observa por parte delas, pois todas usufruíram da mesma ‘sapiência’. Do mesmo know-how.

Afinal de contas, o que se passou? Por determinação do Governo, criaram-se as condições para o aparecimento de uma seguradora nacional dedicada à indústria de petróleo. Como é evidente, é um grande negócio pese o facto de não ser fácil de gerir. É preciso saber fazê-lo e, pelo que me é dado a saber, muito pouca gente sabia fazê-lo. Hoje, pode ser que já haja mais gente, mas, na altura, não havia.

Como os preços propostos pelas AAA eram exageradamente altos, as multinacionais americanas tentaram evitá-la. E aí surgiu a petrolífera nacional a ordenar as suas parceiras que todos os seguros deveriam ser exclusivamente feitos com as AAA. A partir desse momento, foi só facturar. Pelo que consta até há um decreto sobre o assunto.

E é isto que é preciso compreender. Quando as AAA cobravam entre três e cinco milhões de dólares para assegurar um poço, gastavam em resseguros cerca de um milhão, transformando todo o resto em lucro. Houve anos em que se perfuraram entre 50 e 70 poços. Só assim se percebe o acumular da fortuna da seguradora. As AAA eram uma mina de ouro que, além do mais, estava a ser muita bem explorada.

A pergunta que aqui é pertinente e que ninguém quer fazer é: de quem é a culpa? Quem entregou o pote de mel ao gatinho do laço vermelho? E quais as razões para essa entrega tão dedicada e afeiçoada? Será que foi o PCA da Sonangol que, por sua obra e graça, tomou essa decisão? Terá sido o chefe do PCA? Ou foi uma decisão a nível de partido? A realidade é tão difícil de entender como foi de a desfazer. E quando em 2015-16 o então PCA da Sonangol decidiu mexer no assunto, caiu o Carmo e a Trindade.

As multinacionais fecharam os olhos e foram cúmplices no processo, porque tiravam benefícios directos desse malabarismo. Como é sabido, todas elas beneficiam da recuperação total do investimento (à excepção do empreiteiro dos blocos 9 e 21) com um ‘uplift’ (juro??) que varia entre 30 e 50 por cento. Com esse ‘uplift’, o empreiteiro gasta um milhão, porém recupera esse milhão adicionado de 300 a 500 mil. Ora, isso é um grande negócio para os empreiteiros que, por causa desse ‘uplift’, não se preocupam em poupar. Aliás, convém mesmo é gastar.

A Sonangol deveria fiscalizar essas operações, coisa que nunca fez pensando em Angola. Permitia-se às operadoras fazerem o que queriam desde que alguns contratos de serviços locais fossem cedidos aos fiscais e aos associados. Foi assim que se desenvolveram aqui, na nossa nguimbi, as operações petrolíferas mais caras do mundo. Todo o mundo sobrefacturava, só que ninguém acumulou tanto como as AAA. As AAA tinham o creme da nata.

Com tudo isto, quero dizer que a indústria nacional de petróleos sofreu (sofre?) da síndrome de facturação mangolê. Uns mais do que os outros, porém todos, e cada um à sua maneira, sobrefacturaram. E as coisas abrandaram um bocado com a crise que não nos quer abandonar, bem como a melhor gestão que a Sonangol teve em 2017. Só em 2017, a gestão que a Sonangol teve eliminou, em média, cerca de 20 por cento dessa gordura.

Por isso é que eu digo que ‘PeGeR’, quando o assunto é triste. E, para confundir, aparece agora a PGR a apropriar-se da propriedade das AAA, a única entidade que, pelos vistos, economizou alguns cobres, acusando-os de roubo. PeGeR porque a PGR acaba de dar mais um tiro nos pés sem primeiro verificar que não tinha botas à prova de balas. Como irá a PGR provar aos suíços que o kumbu, em nome do gatinho de laço vermelho, foi roubado sem questionar tudo o resto? Afinal de contas, as AAA não apontaram armas a ninguém. Não geriram orçamentos do Estado. Não pediram kilapis. Nem sequer era proibido transferir kumbu para o exterior do país. As AAA venderam um serviço que estava legitimamente autorizado a fazer. As AAA até estavam protegidas pelo Estado. As AAA apresentaram facturas aos seus clientes e esses pagaram as ditas facturas. Incluindo a própria Sonangol. As AAA cumpriram como empresa. E facturaram feio.

A acção da PGR vai tirar o que resta de confiança aos investidores que para cá queiram vir e assim matar o crescimento do país pelo menos até que essa confiança seja restabelecida. E isso vai levar anos.

E esse povo que não entende dessas malandrices, que luta todos os dias contra tudo e contra todos, ri-se, porque gosta de rir. PeGeR. A PGR precisa de melhorar a sua postura. E quem lá manda tem de deixar de querer ser o Trinitá. Só assim, iremos corrigir o que está mal e melhorar o que está bem. E quem ganhará é o povo. O futuro promete.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

António  Vieira

António Vieira

Ex-director da Cobalt Angola